Política

PAULO FÁBIO DANTAS ANALISA O CARLISMO PÓS CARLISTA E O PAPEL DE SOUTO

O que acontecerá com o carlismo pós carlista
| 20/07/2007 às 13:21
  O Carlismo vai voltar", anunciou em tom ameaçador Antonio Carlos Magalhães no plenário do Senado no dia 3 de outubro de 2006, dias depois da derrota nas urnas - após décadas - em disputas para governador, senador, deputados estaduais e federais.

  Mas, para o cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, o "carlismo" como grupo e forma de governar não foi sepultado pelas urnas e, "há pelo menos uma década", independe da figura do seu líder.


  "Creio que o carlismo é uma força que vai além do senador, que está enraizada em vários segmentos da sociedade baiana e está passando por um momento de extrema dificuldade, mas não apostaria nem na sua continuidade, nem no seu desaparecimento", afirma Dantas Neto, autor de "Tradição, autocracia e carisma: a política de Antonio Carlos Magalhães" (Editora UFMG), lançado em novembro.

  Para o cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia, a principal derrota nas eleições em 2006 não foi propriamente de ACM, mas do que chama de "carlismo pós-carlista" - grupo político liderado pelo ex-governador Paulo Souto, que tentou uma reforma interna para tornar o carlismo mais palatável.

   São os remanescentes desse grupo que se mantiveram seguidores do senador, diz Dantas Neto, que enfrentarão, em 2008, um desafio inédito: a primeira eleição municipal fora do governo e dos cargos públicos.

   Leia a seguir os principais trechos da entrevista.


  G1 - Qual o futuro do carlismo? ACM conseguiu fazer herdeiros políticos?

  Paulo Fábio Dantas Neto -
Não acho que a presença do carlismo seja a mesma coisa de perguntar pelos herdeiros. Há bastante tempo, talvez uma década, não se pode entender o funcionamento desse grupo político pensando exclusivamente na pessoa de ACM. Há muito tempo, ele deixou de ser a referência de comando único que existia até o final dos anos 90. Desde essa época, o comando passou a ser compartilhado, ou seja, o funcionamento da cúpula, com suas bases, municípios, bancadas legislativas, permaneceu naquele padrão vertical que se caracterizou por toda a trajetória. Mas na cúpula, os processos decisórios passaram a ser feitos na base de acordos.

G1 - Por quê?

Paulo Fábio -
O grupo começou a perder influência e recursos desde o final dos anos 90, e a personalidade política de ACM perdeu influência até numa velocidade maior. Há um processo de erosão lento, mas como o capital político original era grande, [o grupo] se manteve no comando da política baiana até o ano passado. Uma análise mais cuidadosa dos resultados da eleição de 2002 já indicava claramente repercussões dessa erosão no campo eleitoral. Paulo Souto se elegeu no primeiro turno com margem pequena. Houve risco concreto de perda de controle de governo.

No mesmo ano, no plano das eleições legislativas, houve perda importante de deputados em relação a 98. Tanto a bancada da Câmara dos Deputados quanto, e principalmente, a bancada da Assembléia. A bancada carlista - tendo o carlismo como um campo que envolve PFL [atual DEM], PTB, o antigo PL - perdeu no conjunto um terço da bancada entre 98 e 2002. Em 2006, esse processo se acelerou, mas não começou agora.

G1 - Pode-se dizer que a vitória do petista Jaques Wagner, em 2006, foi o ápice desse processo de desgaste? 

Paulo Fábio -
Esse já foi um reflexo eleitoral de perdas de espaços políticos e recursos de poder que o grupo teve anteriormente. A partir da metade do segundo governo de Fernando Henrique, o carlismo perdeu seus postos ministeriais e no segundo escalão do governo. Mas ainda conservava os cargos de representação do Governo federal na Bahia. Mas com a entrada do governo Lula, perdeu isso também. Assim, seus representantes perderam a condição de ser intermediários obrigatórios para encaminhamento das demandas municipais junto ao Governo federal.

Essa erosão levou lideranças do grupo carlista a ensaiarem, através da figura do ex-governador Paulo Souto, um processo de renovação por dentro do carlismo. Ou seja, não rompiam com ACM, mantinham aliança e a identidade do grupo, mas apostavam em que se venderia ao eleitorado uma imagem de renovação. Claro que a derrota pessoal do senador foi forte, mas, do ponto de vista político, foi a derrota dessa estratégia do que chamo do "carlismo pós-carlista", que é pós no sentido de ser pós-ACM, mas carlista na tentativa de manutenção de todos os elos da organização.

G1 - Mesmo derrotado eleitoralmente, o sr. acredita então que esse grupo ainda consegue manter influência política? 

Paulo Fábio -
Esse grupo foi derrotado e colocou outro no conjunto de forças do estado. O desafio que esse grupo tem à frente agora é inédito. Eles já estiveram fora do governo do estado duas vezes, mas nunca como agora estiveram fora sem cobertura federal. A grande prova de fogo será verificar se se manterá coeso, se vai conseguir contracenar como núcleo fundamental da oposição no estado. Da eleição pra cá, esse grupo carlista perdeu muitos deputados, é verdade. Mas essa perda de gordura fisiológica é normal. Não penso que a continuidade do grupo dependa de herdeiros de ACM, mas da possibilidade de suas lideranças atuais se entenderem e se organizarem na oposição. É muito cedo para dizer isso.

Creio que o carlismo é uma força que vai além do senador, que está enraizada em vários segmentos da sociedade baiana e está passando por um momento de extrema dificuldade, mas não apostaria nem na sua continuidade, nem no seu desaparecimento.


G1 - Esse desafio começa se delinear com as eleições do ano que vem? 

Paulo Fábio -
Faz parte dele. Embora acho que realisticamente eles não estão esperando grandes resultados em 2008. Acho que vão conservar o que têm e evitar perder muito. Mas vão ter que fazer algo que nunca tiveram: a formação de quadros. Eles sempre trabalharam com mão de obra disponível. Chegavam e cooptavam os que já estavam [nos cargos]. Era um processo de arregimentação com recursos do poder. O carlismo jamais foi uma corrente ideológica. [O grupo] demonstrou que era capaz de sobreviver na oposição no final dos anos 80, mas porque teve cobertura nacional, com ministro das Comunicações e dizendo para as bases municipais que tinha condições de voltar. A situação agora é mais complicada. Mas até aqui as entrevistas que li foram todas numa única direção: apostar num fracasso do governo atual.

G1 - O senhor acredita que o governo Jaques Wagner terá de incorporar elementos dessa cultura política tradicional que dominou por tantos anos a política local? 

Paulo Fábio -
Discordo que seja da política local. Esse é um traço marcante da política brasileira toda e que está acontecendo agora em torno do governo Lula. A questão é: o governo Wagner vai ser ponto de partida para criação de nova elite política da Bahia ou será apenas uma ocasião de reciclagem da elite política existente? Essa é a dúvida que ainda não pode ser respondida.


Depende muito da orientação política do governo Wagner em termos da demarcação de um terreno na política baiana. Será que ele vai tentar consolidar esse campo político que o elegeu ou vai perseguir uma política de busca de unanimidade com uma cooptação de quadros do grupo carlista? Se for a segunda opção, provavelmente não haverá mudança de fato na elite política do estado e, não havendo, pode ser que o carlismo deixe de existir enquanto grupo, porque se dilui, mas permanecerá como cultura política, como você diz.

G1 - Até agora como o governo tem se orientado? 

Paulo Fábio -
Em relação ao governo Wagner, há uma área em que existe clara demonstração de que mudou: a saúde. O governo já mostrou que é portador de uma política pública diferenciada da de ACM. Na área de direitos humanos, a sinalização da mudança também é clara, mas não existem recursos como na saúde. O olhar da nova gestão é muito diferente. Mas não existe sistema de gestão que garanta recursos necessários para implementação das políticas publicas. Portanto, pode patinar.

Em outras duas áreas é possível dizer que o governo adotou opção clara pela continuidade - Fazenda (a despeito da enorme pressão por um nome do movimento sindical) e a Segurança Pública, em que a posição de Wagner foi a de não criar um contencioso de comparativo com o governo anterior.

G1 - O sr. diria que a prática carlista de fazer política também vem mudando ao longo do tempo? 

Paulo Fábio -
Durante muitos anos, esse grupo tentou se diferenciar do PFL no país. Tentava até negociar em separado. Agora, como sofreu essa derrota, faz o contrário. Está procurando cada vez mais se sintonizar com direção nacional do partido. Inclusive o ACM Neto, que demonstra muita sagacidade nesse ponto. Ele está tendo um comportamento mais próximo do que teve o tio, Luis Eduardo, do que o clássico do avô lá nos tempos da ditadura militar.

G1 - Seria um estilo mais conciliador? 

Paulo Fábio -
É de uma sutileza isso. As relações verticais são todas iguais. Mas ele tem o realismo de entender que não tem condições de mandar sozinho. Aliás, este é um realismo que o próprio ACM sempre teve. Não faltou "puxa-saco" querendo que ele tentasse uma aventura de se candidatar a presidente da República, mas ele nunca cometeu esse passo em falso. ACM Neto não se coloca como herdeiro de ACM. Claro que vai querer herdar esse espólio, mas não se coloca nessa posição. Não acirra os ânimos internos do grupo no sentido de demarcar um território de fidelidade a ACM.