Uma semana antes de ser internado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor), o senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), que morreu nesta sexta-feira (20), concedeu entrevista ao repórter Fausto Carneiro, do G1, em Salvador (BA), e previu que, no futuro, seu neto será govenador da Bahia.
"Agora não. Mas, no futuro, sim", afirmou o senador, no dia 6 de junho, em seu escritório no bairro de Ondina, em Salvador, ao ser questionado sobre o herdeiro político, deputado federal Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), 28 anos.
Na entrevista, uma das últimas que concedeu, ACM também falou sobre a violação do painel do Senado em 2000, episódio que o levou a renunciar ao mandato de senador em 2001 para não ser cassado. O político baiano se disse "extremamente injustiçado".
Na entrevista, ACM também se emocionou ao falar do filho Luís Eduardo Magalhães, ex-presidente da Câmara dos Deputados, que morreu de infarto em 1998. Para ACM, "Luís Eduardo ia ser presidente."
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
G1- Em 4 de junho, a Polícia Federal fez buscas na casa de um irmão do presidente Lula por suposto envolvimento com a máfia dos bingos, na Operação Xeque-Mate. Dois anos atrás, o sr. fez um duro discurso contra o governo, dizendo que havia um mar de lama. Desde então, o sr. acha que a situação melhorou ou piorou nesse aspecto em relação ao governo Lula?
Antonio Carlos Magalhães - O presidente Lula teve um gesto generoso comigo, visitando-me.
G1- O sr. fala da visita que ele fez quando o sr. estava no hospital?
ACM - Sim, quando eu estava no Incor.
G1- Mas isso foi uma cortesia.
ACM - Uma generosidade.
G1- Como o sr. vê o desempenho do governo Lula?
ACM - A parte econômica do governo, que seguiu basicamente Fernando Henrique Cardoso, está se afirmando, embora os escândalos continuem. Avalie se este governo não tivesse tantos ralos em matéria de sair dinheiro público, onde nós estaríamos.
G1- Falando sobre dinheiro público e corrupção, a Operação Navalha foi um desmembramento da Operação Octopus, cuja investigação teve início na Bahia e que envolve políticos e empresários da Bahia.
ACM - É verdade, envolvia não só um município baiano, Camaçari, mas também a suspeita sobre o próprio secretário da Segurança do [governador] Jaques Wagner.
G1- O próprio governador foi citado em gravações da Polícia Federal [ele nega envolvimento] , mas também havia pessoas ligadas ao seu grupo político que apareceram nas investigações. O sr. já tinha ouvido falar nas operações da Gautama [empresa acusada pela Polícia Federal de comandar esquema de fraude em licitações]?
ACM - Não operou na Bahia. Operou apenas na Prefeitura de Salvador.
G1- Mas, sendo uma empresa do estado, conhecida de vários políticos, o sr. nunca tinha ouvido falar nas operações da Gautama?
ACM - Da Gautama, não. Já tinha ouvido falar de Zuleido [Veras, dono da construtora Gautama e acusado pela Polícia Federal de comandar um esquema de fraude em licitações desmontado pela Operação Navalha].
G1- O sr. já tinha ouvido falar das ações de Zuleido junto aos governos?
ACM - Não, mas do perfil de Zuleido, com autoridades do Nordeste do Brasil.
G1- Não havia nem uma sombra do que podia estar acontecendo?
ACM - Não, em todo o Nordeste.
G1 - É possível que algo dessa magnitude, envolvendo tantas administrações e tanto dinheiro, passe despercebido de políticos do seu calibre?
ACM - De Gautama, eu nada sabia. Terceirização [de serviços públicos, uma das frentes de investigação da Justiça em administrações municipais na Bahia] eu acabei no primeiro governo.
G1- No governo Paulo Souto, seu aliado, as terceirizações (de serviços públicos) foram retomadas.
ACM - Elas foram retomadas. Quem sofre com isso é o empregado, que é o que menos recebe. É um absurdo. É muito mais fácil abrir concurso.
G1- Sobre o Congresso brasileiro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, deu declarações depois que o Senado aprovou aquela moção...
ACM - Olha, desde a primeira vez que eu conversei com o presidente Chávez, quando era presidente do Senado, eu disse que ele se tratava de um louco. A primeira coisa que ele disse era que ia fechar o Congresso.
G1- O sr. mantém essa opinião?
ACM - Eu acho que hoje ele é mais louco do que era.
G1- Um dia antes das críticas de Chávez ao Congresso brasileiro, o presidente Lula deu uma entrevista a um veículo de comunicação estrangeiro dizendo que Chávez não era uma ameaça, mas um parceiro. Como o sr. vê isso?
ACM - O Lula tem sido muito instável em relação ao Chávez - no que perde bastante, porque tem mais qualidades que ele.
G1- O sr. acha que o governo brasileiro deu uma resposta à altura das críticas feitas pelo presidente venezuelano?
ACM - Não. O governo deveria ter sido mais duro na resposta porque só tinha a ganhar, não só a liderança de toda a América do Sul, como também no relacionamento com os Estados Unidos.
G1- No episódio com a Bolívia, envolvendo a Petrobras, o governo brasileiro também foi criticado pela forma como a crise foi conduzida...
ACM - Cedeu demais com a Petrobras. Agora não dá para ceder mais (com o Chávez).
G1- O governador Jaques Wagner venceu a eleição ao governo da Bahia praticamente na última semana da campanha, derrotando seu candidato, Paulo Souto. O sr. avalia isso como uma derrota pessoal?
ACM - Não, a derrota foi do partido. Agora, aqui na Bahia, tudo o que não é Senhor do Bonfim é ACM.
G1- O sr. imagina seu neto e herdeiro político, o deputado Magalhães Neto, governador?
ACM - Agora não. Mas, no futuro, sim.
G1- O sr. sonha com a possibilidade de um dia ele se tornar presidente do Brasil?
ACM - Não, eu não posso. Presidência é destino. Governo não, você pode lutar para obter. Você poderia imaginar Itamar (Franco) presidente? O próprio (José) Sarney?
G1- O sr. diz que ainda não sonhou com seu neto como presidente, mas acredita que ele vai chegar ao governo da Bahia. O sr. crê que...
ACM - O (ex-deputado) Luís Eduardo [Magalhães, filho do senador, morto em 1998] ia ser presidente.
G1- O sr. teve envolvimento com o episódio da violação do painel do Senado, acabou renunciando e voltou ao Senado eleito. O senador José Roberto Arruda fez o mesmo...
ACM - Eu sou extremamente injustiçado. No painel do Senado, o Arruda fez tudo o que tinha para fazer, conforme depoimento da dona Regina [Célia Borges], que era diretora da Prodasen [Secretaria Especial de Informática do Senado], e ninguém fala nele. Só dizem que foi ACM.
G1- As relações entre o sr. e ele ficaram estremecidas depois desse episódio? Ele agora é governador [do mesmo partido de ACM, o DEM].
ACM - Ficaram, mas temos conversado.