Política

AINDA REPERCUTE ARTIGO DE FHC SOBRE FUTURO DAS OPOSIÇÕES NO BRASIL

VEJA
| 17/04/2011 às 22:20
Gabriel Manzano



A "nova classe média", trazida ao centro do debate político pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana passada, e namorada pelo PT, que vê na presidente Dilma Rousseff a figura talhada para conquistá-la, chegou para mudar o cenário eleitoral do País, admitem analistas, marqueteiros e estudiosos. 

JF Diorio/AE JF Diorio/AE
A vendedora Solange: ‘Minha maior preocupação é a escola de meus filhos
 

O tema apareceu no artigo O Papel da Oposição, divulgado por FHC, e reforçou a condição desse grupo como objeto de desejo do mundo político. É um vasto universo de 29 milhões de pessoas - pobres que, nos últimos seis anos, subiram da classe D para a C e carregam consigo novos comportamentos e expectativas.


Analistas, líderes partidários, comunicólogos e marqueteiros já se esforçam para entender como reagirá, no futuro, esse segmento que, ao subir na vida, fez da classe média o maior grupo social do País, com 94 milhões de pessoas (51% da população).

"Não se trata de gente sem nada, que aceite qualquer coisa. É gente que trabalhou duro, subiu, sabe o que quer, tem mais informação e se torna mais exigente", resume Marcia Cavallari, diretora executiva do Ibope. "Isso merece um discurso novo e FHC acertou ao mandar a oposição ir atrás dela", disse.


Não por acaso, o economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas - primeiro a detectar esse fenômeno, num estudo de 2010 - considera essa iniciativa de Fernando Henrique "a segunda ideia mais inteligente da oposição em anos, depois do plano de estabilização dos anos 1994-2002". Esse brasileiro, diz ele, "quer sonhar, e não apenas diminuir seus pesadelos".


O impacto desse cenário já se faz sentir no mundo político, que ainda procura entender a enorme votação da candidata Marina Silva (PV) nas eleições presidenciais de 2010. "Mas é perda de tempo tentar adivinhar se é um grupo de esquerda ou de direita", observa Antonio Prado, sócio-diretor da Análise, Pesquisa e Planejamento de Mercado (APPM), em São Paulo.

Economista enxerga limites para
lua de mel com os petistas


Há limites para a lua de mel da classe C com os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, na opinião do economista Samuel Pessôa. Próximo ao tucanos, e atualmente na consultoria Tendências, Pessoa escreveu recentemente um capítulo para um livro que o economista Edmar Bacha e o sociólogo Simon Schwartzman estão organizando, em que afirma que a classe C vai exigir dentro de alguns anos melhorias na infraestrutura urbana que o atual modelo econômico não está em condições de oferecer.


Segundo Pessôa, os altos gastos de transferência do governo, aliados à desconfiança do PT em relação ao papel do setor privado na infraestrutura, impõem limites à melhoria do ambiente urbano onde a nova classe média popular leva a sua vida.


Assim, se agora a classe C ainda se esbalda dentro de casa com o salto de consumo, com sua TV de tela plana, celular sofisticado e eletrônicos, melhores roupas e até o eventual carro na garagem, em um segundo momento ela pode se irritar com o que vê ao pôr o pé na rua: asfalto esburacado, calçadas imundas, péssimo sistema de transporte, saneamento deficiente - a típica paisagem urbana das cidades brasileiras.

Pessôa cita um levantamento do economista Claudio Frischtak, de 2009, que contabilizou investimentos anuais médios em infraestrutura, públicos e privados, de 2,11% do PIB entre 2001 e 2007. Entre 2008 e 2010, ele foi de 2,18%.


Apenas para se manter o estoque de capital dos investimentos já concluídos, acompanhar o crescimento demográfico no consumo dos serviços de infraestrutura e universalizar o saneamento básico em 20 anos, seria preciso elevar o investimento anual em infraestrutura para 3% do PIB.


Se, no entanto, a ideia fosse passar a limpo a infraestrutura urbana onde habita a maioria da classe C, especialmente na área de transportes, com a expansão do metrô e melhoras nos transportes rodoviário e ferroviário, a conta subiria para 4% a 6% do PIB.

Ele acrescentou outros pontos em que antevê a possibilidade de insatisfação futura da classe C. Com a ascensão social, o cidadão da classe média popular tende a chegar a um estágio em que já está muito longe do Bolsa-Família e seus rendimentos estão desvinculados das altas do salário mínimo.


Por outro lado, essas pessoas não vislumbram muitas chances de que seus filhos passem em concursos cada vez mais concorrido. Assim, o típico cidadão de classe C pode vir a enxergar o setor público como um custo que não o beneficia e desenvolver posições conservadoras.

 

Pernambuco, São Paulo, Brasília. O roteiro percorrido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também foi seguido por outro conterrâneo, o auxiliar de fisioterapia Ângelo Ronaldo de Oliveira, que trabalha como funcionário terceirizado na Câmara dos Deputados.


Da condição de quem vive e labuta no centro do poder, Ângelo se sente à vontade para falar de política e Brasil. Prefere Lula a FHC, vê avanços na implantação do Plano Real e acredita que o País mudou. Pra melhor.


"Lula fez mais pelo povo, investiu em programas sociais, entregou o País melhor do que quando assumiu. Mas a solução para todos os problemas só vem de Deus mesmo", diz. Evangélico da Assembleia de Deus, Ângelo votou em Marina Silva (PV) na última eleição - não optou pela  escolha de Lula porque Dilma tem "posições polêmicas sobre abortos e gays". Para ele, ainda é cedo para qualquer avaliação sobre o trabalho da nova ocupante do Planalto.


Do governo FHC, Ângelo não guarda boas recordações - "Tinha aumento de tudo, preço, inflação" -, mas reconhece que o Plano Real "fez a diferença". O auxiliar de fisioterapia diz que não entende muito de esquerda e direita e que não tem nada contra ou a favor do Congresso Nacional.


Sobre os parlamentares, com os quais depara no expediente, dá uma resposta ao melhor estilo de boa vizinhança: "A maioria age certinho, confio neles."

Para os olhos de Ângelo, ele, a mulher e o País melhoraram de situação nos últimos anos. Ele, no caso, trocou a geladeira, o freezer e a máquina de lavar de casa e viajou de avião pela primeira vez há oito anos.

Para ficar com as contas em dia recorre às prestações. Diante de tanto otimismo, a única crítica fica para a qualidade do serviço público. "Pela TV dá pra ver a calamidade da saúde", afirma.


Aluyrdes Alberto Lopes de Melo nasceu há 42 anos em uma família pobre em Correntes, a 285 quilômetros de Recife, no agreste. Abandonados pelo pai, aos 10 anos, ele e os três irmãos acompanharam a mãe em busca de uma vida melhor na capital pernambucana. Filho mais velho, Beto, como ele é conhecido, se sentia responsável pela família.


Em Recife, cortou lenha para padaria, levou compras de supermercados nas casas dos clientes e trabalhou em restaurante. Com dificuldade, conseguiu fazer um curso de contabilidade (equivalente ao segundo grau). Fez vestibular para Administração, Estatística e Direito.


Não passou em nenhum. "Nem podia, minha base era muito fraca." Casou-se, teve um filho, Adam Clayton (assim batizado em homenagem ao baixista da banda U2), e foi morar em Olinda.


Há cinco anos sua vida começou a mudar. Conseguiu um contrato para prestar serviço de manobrista a um restaurante. Correu atrás e hoje é dono da Belo Terceirização Ltda, que emprega cerca de 30 funcionários. Mensalmente consegue R$ 5 mil livres. Tem duas casas no Alto da Bondade, um carro popular, uma moto, uma Kombi.

Diz nunca ter recebido nada do governo. Nem quando criança pobre, nem como jovem carente, nem como pequeno empresário. "Criei minha empresa na marra", diz.

Juceli de Ribeiro, 44, nascida em Ingá (Paraná), moradora de Planaltina (GO), diarista.  Para a diarista Juceli de Ribeiro, de 44 anos, a vida melhorou nos últimos anos: o filho de 28 anos comprou uma moto, a casa ganhou um computador, ela (que já tem perfil no Orkut) viajou de avião pela primeira vez neste ano, livrando-se das dores nas costas e do inchaço no pé quando saía de Brasília rumo a Vitória (ES) de ônibus.

Apesar da sensação de que o País também melhorou, ela sabe que as coisas não estão tão bem assim - vide a qualidade dos serviços públicos, principalmente nas áreas de saúde e segurança. Os políticos, claro, não são perdoados. "Não se pode generalizar, mas não acredito em nenhum deles", diz.


PERGUNTAS E RESPOSTAS.

O que acha do Congresso Nacional?

"Pra te falar a verdade, é uma vergonha. Não vejo nada de bom, não trabalham. Tá uma tiririca."

RECIFE - Aluyrdes Alberto Lopes de Melo nasceu há 42 anos em uma família pobre em Correntes, a 285 quilômetros do Recife, no agreste. Abandonados pelo pai, aos 10 anos, ele e os três irmãos acompanharam a mãe em busca de melhoria de vida no município vizinho de Garanhuns, terra do ex-presidente Lula, antes de se instalarem no barraco da avó materna à beira de um canal no bairro do Arruda, zona norte do Recife.

Filho mais velho, Beto se sentia responsável pela família. Forjado na necessidade, nunca se "desencaminhou". Antes de desembarcar na capital, já havia vendido picolé, sido engraxate, acompanhando matança de bois e bodes em feiras à espera de algum pedaço de carne ou víscera que fosse desprezada para levar para casa.

No Recife, cortou lenha para padaria, passou "jogo do bicho", levou compras de supermercados nas casas dos clientes, foi zelador (informal) de restaurante. A esta altura já havia se mudado para um pequeno vão alugado, onde a família se espremia. Trabalhador e disposto, gostou de ter servido o Exército - "um dos seus melhores mestres" - e de ter trabalhado na Mesbla - "meu melhor patrão". Não esquece o primeiro dia de trabalho, como estoquista da loja: na hora do almoço , deu uma volta para disfarçar e voltou com um palito de dente na boca para que todos achassem que ele tinha feito a refeição.

Com dificuldade, conseguiu fazer um curso de contabilidade (equivalente ao segundo grau). Fez vestibular para Administração, Estatística e Direito. Não passou em nenhum. "Nem podia, minha base era muito fraca". A dureza continuou por anos a fio. Casou, teve um filho, Adam Clayton - assim batizado em homenagem ao baixista da banda U2 - foi morar na comunidade pobre do Alto da Bondade, em Olinda.

Em conversas com pessoas de famílias que migraram ou estão migrando das classes D e E para a C, e vivem com renda familiar em torno de R$ 2 mil, a primeira impressão é a de um refrescante otimismo. Além do entusiasmo que demonstram quando falam de conquistas recentes, relacionadas sobretudo ao consumo, parecem olhar o futuro de forma confiante. O tom vibrante baixa e murcha, porém, quando a conversa adentra o terreno dos serviços públicos e o da política. Quando se fala de saúde e educação, vira desalento.

Paulo Liebert/AE Paulo Liebert/AE Adriano Francisco Carvalho conseguiu uma bolsa de estudos pelo ProUni

No Jardim Marquesa, periferia da zona sul de São Paulo, a vendedora desempregada Solange Ferreira Luz, de 36 anos, é capaz de listar em minutos uma dúzia de boas coisas que aconteceram em anos recentes com ela, o marido e os filhos - a menina de 12 anos e o garoto, de 10.

Com uma renda familiar em torno de R$ 1.800, eles conseguiram reformar e pintar a casa e comprar o primeiro carro da família, um Corsa 2007, além de uma TV de plasma, uma geladeira nova, um computador e outras coisas. O marido, com carteira de trabalho assinada, retomou os estudos. Com parte das despesas escolares custeada pelo patrão, agora cursa direito.

Nesse cenário, o que não vai bem? A resposta de Solange sai de bate-pronto: "A maior preocupação é a escola dos filhos. Não poderia faltar professor do jeito que falta. Se tivesse dinheiro, matriculava em escola particular."

A mãe de Solange trabalhou quase toda a vida como faxineira e não concluiu o primeiro grau. A filha foi além, até o ensino médio, e agora sonha com a universidade para os filhos. Foi essa preocupação com a educação que a levou a adquirir o computador, com acesso à internet, e a se tornar mais exigente em relação à rede pública de ensino.