PARECER
Da Comissão de Constituição e Justiça, à Proposta de Emenda à Constituição nº 122/2011, de autoria da Deputada Luiza Maia, a qual "Acrescenta parágrafo único ao artigo 68 da Constituição do Estado da Bahia."
Apresenta, a Deputada Luiza Maia, à apreciação da Assembléia Legislativa, a proposta de emenda constitucional que ora venho relatar, no âmbito desta Comissão de Constituição e Justiça, acrescentando parágrafo único ao art. 68 da Constituição do Estado.
Com a medida, pretende a Autora abolir as votações secretas na Assembléia Legislativa, ao propor que as deliberações da Assembléia sejam tomadas "através de voto aberto".
A justificar a sua proposição, diz a Autora, entre outras coisas, que "é através do voto secreto que os representantes da Assembléia Legislativa mostrarão seus posicionamentos políticos e ideológicos em face das decisões a serem tomadas nesta Casa."
Essa tese, simpática à opinião pública - ademais quando se busca a mais ampla repercussão através da mídia - se a princípio aparenta feições democráticas, pode esconder, porém, verdadeiras vocações autoritárias. Efetivamente o voto aberto há de prevalecer nos Parlamentos como regra geral, devendo, porém, comportar exceções, naquelas situações em que o escrutínio secreto venha a se constituir em garantia do voto livre do parlamentar, em nome daqueles que representa, sem sujeição ao constrangimento de pressões espúrias.
Não foi ao acaso que os militares, uma vez promulgada a Constituição de 1967 - na qual, no § 3º do art. 62, ficava estabelecido o voto secreto em deliberação sobre veto - perceberam as repercussões que poderiam advir de uma possível rejeição a veto aposto a projeto, e cuidaram logo a seguir, através da famigerada Emenda Constitucional nº 1, de estabelecer o voto aberto:
"Art. 59...........
......................
§ 3º - Comunicado o veto ao Presidente do Senado Federal, este convocará as duas Câmaras para, em sessão conjunta, dele
conhecerem, considerando-se aprovado o projeto que, dentro de quarenta e cinco dias, em votação pública, obtiver o voto de dois terços dos membros de cada uma das Casas. Nesse caso, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República." (grifei)
O renomado jurista brasileiro Alexandre de Moraes também assim se manifesta: "A votação para a manutenção ou derrubada do veto será realizada em escrutínio secreto, para garantia de independência dos congressistas". (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. Ed. Atlas - 5a ed. P.1.203 - grifei).
Com a palavra o jurista Fernando Machado da Silva Lima, prof. de Direito Constitucional da Universidade da Amazônia:
"Se a Constituição de 1988 impõe o voto secreto, para as deliberações do Congresso Nacional a respeito do veto presidencial, ao contrário do que ocorria sob a vigência das normas autoritárias do regime de 1964, isso ocorre exatamente para garantir que os congressistas poderão decidir de acordo com sua consciência, sem temer represálias por parte do Executivo. Essa norma existe, portanto, como uma forma de garantir o funcionamento do sistema de freios e contrapesos, indispensável para o equilíbrio entre os Poderes. A supressão desse dispositivo poderá anular a "independência e harmonia" dos Poderes Constituídos e assim prejudicar irremediavelmente o funcionamento do regime democrático." ("Voto Secreto" - artigo publicado em seu site: www.profpito.com).
Continuando com o Professor Fernando Machado:
Talvez se Ruy Barbosa ainda estivesse no Senado, diria a respeito as seguintes palavras:
"Só nos admira a facilidade com que brotam entre nós essas extravagâncias, e encontram imediatamente eco aprovador. Sempre o nosso infortúnio de pretender corrigir o mal com um mal pior, substituir um erro por um erro mais grave, deixando-nos embelecar à mais superficial aparência de uma sombra de vantagem, sem a cotejar com as desvantagens que a neutralizem."
Assim é que, se por um lado o voto aberto possibilita um maior controle do eleitor sobre o seu representante, também o deixa exposto ao revanchismo do Poder Executivo, quando votar contrariamente a este em questões consideradas estratégicas para o seu desempenho. É o que ocorre em relação a veto a projeto, a nomeações nos casos em que deva o
Parlamento se pronunciar e, ainda, à aprovação das contas de cada exercício. E aí a pergunta: a quem interessa mais as votações abertas nessas matérias? Qual o Chefe de Poder que não tem interesse direto na votação pública de um veto, ou de suas contas? Será necessário lembrar aqui que o Poder Executivo exerce o controle dos investimentos, determina a liberação das emendas parlamentares e pode também contingenciá-las, ainda que aprovadas no orçamento? Que poder de pressão pode ser maior?
Ainda outras questões, de maior relevância, porque de ordem constitucional, serão abordadas adiante. Antes, porém, entende este Relator que cabem aqui algumas considerações iniciais acerca da movimentação criada em torno dessa temática, de aparente nobreza, mas inteiramente alheia à ordem jurídico-constitucional.
Não sabe, nem pretende este Relator perquirir, que objetivos, sejam de natureza política ou pessoal, perseguem, por vezes, alguns membros do Parlamento na sua trajetória. Para alcançá-los, não hesitam em expor o próprio Poder que representam, apoiando-se em idéias e trazendo à tona propostas das quais não detêm o menor conhecimento técnico, e sem a preocupação, mínima que seja, do seu embasamento legal, mas que refletem tão somente o propósito de fornecer à sociedade a falsa imagem de áulicos da ética e da moralidade, para deleite dos leigos e êxtase dos incautos.
Para tanto, não se esquivam - muito ao contrário, buscam a todo o momento - de utilizar a mídia para levar ao público suas idéias difusas, sem qualquer preocupação com os danos que possam causar ao Poder Legislativo em sua relação com a sociedade. Mas, enfim, como afirmado acima, não é esse o móvel do presente relatório. Ao contrário, o que se há de perscrutar na análise da proposição em tela, no âmbito desta douta Comissão de Constituição e Justiça, é apenas e tão somente o mandamento da legalidade que deve nortear a aprovação dos projetos e propostas que lhe sejam submetidos.
Voltemos a mais uma lição de Alexandre de Moraes:
"O desrespeito às normas de processo legislativo constitucionalmente previstas acarretará a inconstitucionalidade formal de lei ou ato normativo produzido, possibilitando pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário (...) Observe-se que o Supremo Tribunal Federal considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição Federal como modelos obrigatórios às Constituições Estaduais, declarando que o modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado e seus aspectos fundamentais pela Carta da República, impõe-se, enquanto padrão normativo, de compulsório atendimento, à observância incondicional dos Estados-membros." (Direito Constitucional, Ed. Atlas, 23a Ed. p. 641)
Esta primazia da Constituição Federal remete-nos, em breves linhas, à noção de Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado. Dirley da Cunha Júnior, notável jurista baiano, que dispensa maiores apresentações, assim define:
"É poder político supremo (o Poder Constituinte Originário), destinado a elaborar o texto da Constituição do Estado e que, para tal mister, não encontra qualquer condição ou limites pré-estabelecidos no Direito, porque a este precede. (...) Este Poder, portanto, é aquele que elabora a Constituição de um Estado, organizando-o e constituindo os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade." (Curso de Direito Constitucional, Ed. Podium, 3a ed., pp. 242/243).
O Poder Constituinte Originário caracteriza-se, segundo Alexandre de Moraes, (na obra acima citada), por ser:
"inicial, pois sua obra - a Constituição - é a base da ordem jurídica"; "ilimitado e autônomo, pois não está de modo algum limitado pelo direito anterior"; e "incondicionado, pois não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade". (p. 28)
Já o Poder Constituinte Derivado, ainda conforme Dirley Júnior,
"logra existência a partir do Poder Constituinte Originário, seu instituidor, de onde retira a sua força motriz. Logo, se insere na Constituição, conhece limitações expressas e tácitas, e define-se como um poder jurídico, que tem por finalidade ou a reforma da obra constitucional (no Brasil, pelo Congresso Nacional) ou a instituição de coletividades (exercido pelas Assembléias Legislativas dos Estados-membros da Federação.)"
É, portanto, derivado, porque se funda no Poder Constituinte Originário; subordinado, porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas na Constituição; e condicionado, porque seu exercício deve seguir as regras previstas no texto constitucional.
Essas breves noções têm aqui a valia de introduzir-nos ao movimento doutrinário que orienta as decisões daqueles magistrados (ou ao menos de sua maior parte) que integram a mais alta Corte de Justiça do País, como veremos adiante.
O voto secreto nos Parlamentos brasileiros é exceção. A regra geral, o voto aberto. Veja-se, a respeito, o voto do eminente Ministro Celso de Melo no julgamento da ADI nº 1.057/BA:
"É importante assinalar, neste ponto, que a técnica das Constituições republicanas brasileiras sempre consagrou, como indeclinável postulado geral, o princípio da publicidade das deliberações parlamentares e a regra do caráter aberto ou ostensivo do próprio ato de votação, apenas ressalvando a possibilidade do sigilo para determinadas situações, (...) discriminadas no texto constitucional em hipóteses irredutíveis e imunes à ação derrogatória do legislador comum". (grifei)
Assim, e tendo em vista constituir-se, o voto secreto, em regra básica essencial do processo legislativo, nos casos estabelecidos na Constituição Federal, há de ser observado compulsoriamente nas demais Casas Legislativas do País.
O STF, em reiteradas decisões, tem expressado esse posicionamento. Assim, no julgamento da ADI nº 1254/RJ:
"O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Carta da República, impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à observância incondicional dos Estados-membros."
Nessa mesma direção, o STF, no julgamento da ADI 2461/RJ, que arguia a inconstitucionalidade de emenda constitucional que determinava a votação aberta em processo de perda de mandato de parlamentar:
ADI 2461 / RJ - RIO DE JANEIRO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE |
Parte(s) REQTE. : PARTIDO SOCIAL LIBERAL - PSL |
Ementa |
Decisão
O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação e declarou a inconstitucionalidade do § 2º do artigo 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto do relator, vencidos os Senhores Ministros Marco
Aurélio e Celso de Mello. Votou o Presidente. Falaram, pelo Partido Social Liberal-PSL, o Dr. Wladimir Sérgio Reale, pelo Partido Democrático Trabalhista-PDT, o Dr. Luiz Carlos da Silva Neto e, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o Dr. Marcello Cerqueira. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento a Senhora Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente) . Plenário, 12.05.2005.
Em mais uma decisão, em agravo regimental em reclamação constitucional originária do Estado do Paraná, assim se pronunciou a Corte Suprema do País, cabendo atenção à parte relativa a votação aberta em indicação de Conselheiro de Tribunal de Contas:
6702 MC-AgR / PR - PARANÁ
AG.REG.NA MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 04/03/2009 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Ementa
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. DENEGAÇÃO DE LIMINAR. ATO DECISÓRIO CONTRÁRIO À SÚMULA VINCULANTE 13 DO STF. NEPOTISMO. NOMEAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO DE CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ. NATUREZA ADMINISTRATIVA DO CARGO. VÍCIOS NO PROCESSO DE ESCOLHA. VOTAÇÃO ABERTA. APARENTE INCOMPATIBILIDADE COM A SISTEMÁTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA. LIMINAR DEFERIDA EM PLENÁRIO. AGRAVO PROVIDO. I - A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. II - O cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná reveste-se, à primeira vista, de natureza administrativa, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da Administração Pública. III - Aparente ocorrência de vícios que maculam o processo de escolha por parte da Assembléia Legislativa paranaense. IV - À luz do princípio da simetria, o processo de escolha de membros do Tribunal de Contas pela Assembléia Legislativa por votação aberta, ofende, a princípio, o art. 52, III, b, da Constituição. V - Presença, na espécie, dos requisitos indispensáveis para o deferimento do pedido liminarmente pleiteado. VI - Agravo regimental provido. (grifei)
Em seu voto acerca dessa matéria, o Relator, Ministro Ricardo Lewandoswky, assim se pronuncia:
"Convém assinalar, ainda, que se afigura de duvidosa constitucionalidade, à luz do princípio da simetria, a escolha de membro do Tribunal de Contas pela Assembléia Legislativa por votação aberta, quando o art. 52, III, b, da Constituição Federal, determina seja fechada em casos análogos, instituída para a proteção dos próprios parlamentares". (grifei)
Cabe aqui registrar, ainda, as situações onde há determinação de votação secreta na Constituição Federal e a similaridade encontrada na Carta Estadual. Encontramos as seguintes ocorrências: na Constituição Federal, a competência do Senado para aprovar previamente, em votação secreta, a escolha de Ministros do TCU indicados pelo Presidente, do Procurador-Geral da República, e de titulares de outros cargos que a lei determinar (art. 52, III, b, e e f); para aprovar a exoneração do Procurador-Geral da República antes do
término de seu mandato (art. 55, XI). Na Constituição Estadual, temos o voto secreto na aprovação de membros dos Tribunais de Contas, de integrantes de outros órgãos colegiados que a lei determinar (art. 71, XVI, XVII e XXV) e para destituição do Procurador-Geral de Justiça antes do término do mandato (art. 137, IV).
O voto é também secreto, na Carta Federal, nas decisões sobre cassação de deputado ou senador (art. 55, § 2º) e na apreciação de veto (art. 66, § 4º). A Constituição do Estado também prevê a votação secreta na apreciação de veto (art. 80, § 4º) e nas decisões sobre cassação de parlamentar (art. 86, § 2º), estendendo-o ainda aos casos de prisão em flagrante de deputado, para decidir sobre esta e autorização para formação de culpa (84, § 2º).
Não sobra, portanto, qualquer dúvida acerca da flagrante inconstitucionalidade de que se reveste a proposição. E há também que se ressaltar os casos indicados pela Autora da PEC ora analisada, em artigo publicado no jornal A Tarde, em 23 de março último, sobre a mudança promovida nas Constituições de dois Estados e em quatro Leis Orgânicas Municipais, inclusive em Camaçari - que não aboliu completamente o voto secreto, já que este continua para eleição da Mesa Diretora (art. 44, § 2º), a exemplo do que ocorre nesta Casa, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Ora, em todas essas situações a inconstitucionalidade persiste. A falta de interesse de agente político e de instituição ou órgão público competente em provocar a declaração de inconstitucionalidade não convalida a norma, não lhe empresta legitimidade, permanecendo esta apenas no aguardo da provocação do Poder Judiciário para a declaração de inconstitucionalidade, o que certamente ocorrerá, com a jurisprudência firmada no egrégio Supremo Tribunal Federal.
Estas, portanto, as considerações deste Relator acerca da proposição, que não recebeu emendas. Ante todas as razões acima expostas, e considerando a flagrante inconstitucionalidade de que se reveste a Proposta de Emenda à Constituição nº 122/2011, opino pela sua rejeição.
É o parecer, s.m.j.
Sala das Comissões, 5 de abril de 2011.
Deputado Paulo Azi
Relator