Colunistas / Causos & Lendas
Lobisomem de Serrinha

O encontro do Lobisomem de Serrinha com o mago da mala preta Ao contrário da mala preta

Ao contrário da mala preta do ex-deputado, repleta de capilé, a do mago das tinhas só tinha espátulas e dois pacotes de amendoim
04/06/2017 às 13:39
Estava saindo do Baratão de Sêo Marcel Queiroz onde fui comprar uns pacotes de fubá Tabajara, ovos, macarrão, mortadela e margarina quando encontro com o amigo Albino Carneiro, o queridissimo Bino Pintor, e fiquei surpreso ao vê-lo com uma mala preta em mãos.

   Com essa onda de malas carregadas de dinheiro que ronda a capital federal e alguns dos seus politicos, de repente, uma pomba sem asa tivesse voado até a Serra.

   Inquiri numa boa: - Não me digas que recebestes uma mala de verdinhas da FriVaca?

   - Ora, pois, Sêo Lobi! Só conduzo nesta mata pincéis, lixas, espátulas, ceras, tintas e nada mais - respondeu-me mostrando o outro lado da mala onde se lia: Bino, o mago das tintas.

   - Ainda bem, porque com o aparecimento de mala pretas recehadas de verdinhas, de repente o amigo poderia ter sido contemplada com uma delas, pilheriei.

   - Veja, Sêo Lobi, que minha mala não tem rodinhas nem alças como a daquele camarada que saiu apressado de uma pizzaria usando blazer Hugolino Boss, e foi adquirida em Bazar, no Largo da Federação, em troca de pintar a fachada de sua loja.

   - É, de fato, aquela mala é típica dos novos ricos e dos propineiros, completei.

   - Isso jamais chega e atinge os pobres e honrados seres da terra - filosofou. E se chegasse eu seria o primeiro a mandar o proponente as profundas do inferno, pois, se até hoje vivo decente e pintando casas na Serra, não iria a essa altura da vida lambuzar-me em corrupção para ser levado preso a terra dos Pinhais, obtemperou destacando que, no País das Organizações Tabajara só pobres ficam muito tempo em cana e que ele não tinha dinheiro sequer pra pagar um advogado local, quanto mais um de São Paulo.

   Conversa seguia adiante quando chegam no Baratão para um trago e compras, o sgt reformado Chocolate, o comerciante Buril e o empresário e cabo da reserva do TG 141, o nobre Fiuzão. E entreouvindo minha fala com Bino Pintor, um deles comentou:

   - Coitado desse aí. Vai morrer pintando casas na Serra e tomando suas geladas sem nunca ter uma conta na Suiça.

   Um outro, creio que foi Fiuzão completou: Suiça! Ibiza! O mais que esse aí conhece é a Barrocas, quiçá o Raso do Araci ou o Raso da Catarina. E sua Ibiza é a fonte do Jorrinho à beira do Itapicuru.

   - O terceiro aquiesceu: - Quem tem contas na Suiça e outros paraísos são os grandes, gente que abre contas de 600 mil dólares, 50 milhões de dólares e diz que se esqueceu, que não lembra de nada. O país está cheio de gente com aminésia. Tem um deles então, o gato mestre, que nunca sabe de nada.

   O riso foi geral. 

   Bino voltou a filosofar: - Pois tenho uma conta bancária aqui na Serra desde o tempo da gerência de doturo Barradas no BB e sei de cor e salteado a data que abri, o número da conta, os números dos cheques que já dei, o saldo, o contra-saldo e nunca dei um cheque sem fundos.

   - Cheque é coisa do passado - comentei. Muitos estabelecimentos comerciais chegam a colocar avisos nas entradas das lojas dizendo que não aceitam cheques. Valem pouco hoje em dia e é um risco recebê-los, completei.

   - E você não tem cartão magnético? - quis saber Buril do mago Bino.

   - Eu não. Pra que serve! Aqui em Sêo Marcel não recebe, Sêo Eliseu não recebe, Sêo Moacir da umbuzada não recebe, Sêo Luis da Bicicleta muito menos, então não vale nada, pelo menos para mim. Só compro a vista e só trabalho com 50% do valor da pintura adiantado, no capilé vivo.

   - Seguro morreu de velho, completou Chocolate já tomando a primeira gelada do dia.

   Eu e Bino, que não somos soberbros, já estávamos de partida quando fomos convidados a participar do trago e a conversa seguiu adiante com o Mago das Tintas colocando a mala preta em cima do balcão.

    Fiuzão, desconfiado, lembrando dos seus tempos de TG, perguntou se não seria bom abrir a mala preta até como uma medida de precaução, pois, de repente, a Policia Secreta poderia estar filmando aquele encontro.

   - Que Policia Secreta pode ter aqui na Serra se não existe Operações Carne Fria nem Lava Pés por acá e nossa cidade vive esquecida do mundo, comentou o dono do estabelecimento.

   - Bino apressou-se em abrir a mala para redimir dúvidas e todos ficaram olhando a cena até que foram vistos no primeiro compartimento três pincéis Onça já gastos, uma trena velha, 4 folhas de lixa de parede número 100, duas espátulas Tramontineiras, duas latinhas de tinha a óleo nas cores vermelha e preta e nada mais.

    Alguém então observu que havia um fundo falso na mala e, de repente, as verdinhas poderiam estar ali. 

   - Abra a segunda parte, comentou Fuizão já no saboreando o segundo latão.

   Bino relutou em abrir a tampa do fundo falso, houve um clamor do grupo, e ele então cedeu puxando a tampa falsa da mala e lá estavam duas revistas Playboys velhas, já com as páginas gastas de tanto folhear, salvo enganho com capas de uma modelo louraça de SP e a outra de uma artista global, uma cueca parda, uma luva e dois pacotes de amendoins torrados.

    A zombaria foi geral, mas, o Mago das Tintas não perdeu a pose: - Servem para minha inspiração quando vou pintar a sala de uma residência, frisou.

    - Essa é muito boa, disse Fiuzão, pode fechar sua mala e vamos brindar a sua honradez.

   - A nossa - completou Chocolate - pedindo uns dos pacotes do amendoum para tira-gosto.

   O sino da matriz já havia batido os toques do meio dia e as horas avançavam para se aproximar das duas da tarde. Tomamos a saideira e nos despedimos.

   Diante de tanta desconfiança e de uma possível Policia Secreta na Serra, a PSS, Bino saiu apressado com sua mala preta olhando para os lados como fez aquele deputado em SP, temeroso de que alguém estivesse filmando ele.