Direito

AUDITORES INGRESSAM NO MP PARA EVITAR COBRANÇA DE ICMS SOBRE ÁGUA

IAF - é o Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia
| 29/10/2007 às 22:42
 INSTITUTO DOS AUDITORES FISCAIS DO ESTADO DA BAHIA - IAF (Estatuto Anexo), com sede à Rua Dr. José Peroba, 325, Edifício Elite Comercial, salas 601 e 602, Salvador, Bahia, por seu advogado infrafirmado, vem, mui respeitosamente, a V.Exa., oferecer a presente representação:

A Constituição Federal de 1988 traz em seu Artigo 155, II, um dispositivo que os doutrinadores consideram a "matriz constitucional do ICMS" e que assim esta exposta:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - ...

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

                           
   Realçamos desde já a clara intenção do constituinte de que o tributo estadual alcance os bens qualificados como "mercadorias" e os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

   Em seguida acompanhando o ordenamento constitucional - Artigos 146, III, "a", 155, §2º, XII, - foi editada a Lei Complementar 87/96 que  como Lei Nacional que é, dispôs sobre as regras básicas do ICMS, norma fundante portanto das leis estaduais instituidoras do importante imposto.

   A LC 87/96 atendendo ao mandamento constitucional traz em seu Art. 2º, as hipóteses de incidência do ICMS:

Art. 2º O imposto incide sobre :

I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

                                                

Em seguida esta mesma lei relaciona os fatos que, ocorridos  consubstanciam o elemento temporal da hipótese de incidência e que o legislador pátrio denomina "fato gerador":

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;

II - do fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento;

III - da transmissão a terceiro de mercadoria depositada em armazém geral ou em depósito fechado, no Estado do transmitente;

IV - da transmissão de propriedade de mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente;

V - do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza;

VI - do ato final do transporte iniciado no exterior

VII - das prestações onerosas de serviços de comunicação, feita por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

VIII - do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços

•a)     não compreendidos na competência tributária dos Municípios

b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do imposto de competência estadual, como definido na lei complementar aplicável;

IX - do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior

X - do recebimento, pelo destinatário, de serviço prestado no exterior

XI - da aquisição em licitação pública de mercadorias ou bens importados do exterior e apreendidos ou abandonados;

XII - da entrada no território do Estado de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização;

XIII - da utilização, por contribuinte, de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado e não esteja vinculada a operação ou prestação subseqüente



   Como pode ser claramente observado em todas as oportunidades em que há referência a incidência do  ICMS esta presente um nexo lógico e necessário com "mercadoria" e não com qualquer bem. Excetua-se os bens importados que por força da Constituição Federal sofrem também a tributação estadual.

    Seguindo esta linha a lei baiana instituidora do ICMS, a Lei 7.014 (Doc.  ) mantém o mesmo diapasão e consagra  como fatos geradores todas aquelas hipótese trazidas pela Lei Complementar 87/96:

Art. 1º O Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), de que tratam o art. 155, inciso II, §§ 2º e , da Constituição da República Federativa do Brasil e a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, tem como fatos geradores:

I - a realização de operações relativas à circulação de mercadorias

II - a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal

III - a prestação de serviços de comunicação

Parágrafo único. Ocorre a incidência do ICMS inclusive quando as operações e as prestações se iniciem no exterior.

                      Art. 2º O ICMS incide sobre:

I - a realização de operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos similares, incluídos os serviços prestados;

II - o fornecimento de mercadoria com prestação de serviços

a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios

b) sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual

III - a entrada, no território deste Estado, de lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos derivados de petróleo e de energia elétrica oriundos de outra unidade da Federação, quando não destinados à comercialização, industrialização, produção, geração ou extração

IV- a entrada ou a utilização, conforme o caso, efetuada por contribuinte do imposto, de mercadoria, bem ou serviço, em decorrência de operação interestadual ou de serviço cuja prestação tenha sido iniciada em outra unidade da Federação, quando a mercadoria ou bem forem destinados ao seu uso, consumo ou ativo permanente ou quando o serviço não estiver vinculado a operação ou prestação subseqüentes;

V - a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, bem como a aquisição ou arrematação em licitação promovida pelo poder público de mercadoria ou bem importados do exterior e apreendidos ou abandonados;

VI - a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via ou meio, inclusive gasoduto, oleoduto e aqueduto,  de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

VII - a prestação onerosa de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

VIII - o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior

     
  Todo o sistema jurídico-tributário portanto é plasmado na idéia de que aquilo que é  o ICMS tributa são  mercadorias, ou bens oriundos do exterior ou prestação de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação.

   Não satisfeito com a ampla gama de fatos geradores que lhe é ofertado pela legislação em vigor o estado da Bahia resolve exigir de forma estranhíssima e completamente ao arrepio de todo o sistema tributário, o ICMS relativo ao fornecimento de água natural canalizada exigindo que as empresas ou serviços estaduais ou  municipais incluíssem na "conta" destes serviços a exação excessiva de 17% (dezessete por cento)  a título do imposto estadual. Observe V. Exa. que sendo a fórmula do cálculo deste realizada como se fosse ele uma própria despesa, ele incide sobre ele mesmo , que representa uma carga tributária de não apenas 17% e sim aproximadamente de 20% sobre o valor do serviço prestado.

COMO O TEMA TEM SIDO
TRATADO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES.

                              
  A tributação ou não da água natural canalizada tem sido objeto de várias ações por parte de consumidores e mesmo de outras unidades da Federação e o resultado das demandas tem sido o mesmo: Tanto o Eg. Supremo Tribunal Federal como o Eg. Superior Tribunal de Justiça têm decido uniformemente e considerado a água natural canalizada como um bem intributável, ou seja, não pode recair sobre ele nenhum tributo. Trazemos a colação duas ementas uma da STF e outra do STJ que espelham exatamente a postura da jurisprudência sobre a matéria e juntamos o inteiro teor das mesmas ao final desta petição.

     Destacamos que algumas destas decisões, deixaram claro a impossibilidade de tributação da água natural canalizada, mas o fizeram de  forma indireta ou seja: algumas Unidades da Federação , imaginando, como fez a Bahia, de que este serviço se confundisse com  mercadoria aprovaram o Convênio/ICMS de 98/89 que em seguida recebeu adesão de outros Estados para isentar o que nunca poderia ser tributado .


    A leitura da ementa trazida a colação nos leva a entender de forma muito simples que ao ser solicitado pela Procuradoria Geral da República que declarasse a inconstitucionalidade de tais Convênios, dentre outros motivos, por  errônea classificação de água natural canalizada como mercadoria, o STF teve a oportunidade de manifestar-se sobre a "necessária compreensão da extensão da hipótese de incidência do ICMS - Art. 155, II da CF/88 - para identificar o que constitui ou não fato gerador do ICMS." E observamos ainda na Ementa transcrita na página anterior:

"JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL QUE ENTENDE NÃO SER A ÁGUA CANALIZADA MERCADORIA SUJEITA A TRIBUTAÇÃO PELO ICMS, POR TRATAR-SE DE SERVIÇO PÚBLICO."                            A decisão do Superior Tribunal de Justiça reproduz o mesmo entendimento:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. FORNECIMENTO DE ÁGUA TRATADA POR CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO. NÃO-INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR. REsp 794984 / RJ
RECURSO ESPECIAL 2005/0183498-4 - Min. José Delgado
 
1. É intributável, por meio do ICMS, o fornecimento de água potável por empresas concessionárias desse serviço público.
 
2. As águas em estado natural são bens públicos e só podem ser explorados por particulares, mediante concessão, permissão ou autorização.
 
3. A água, portanto, fornecida à população, após ser tratada pelas empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas, não caracteriza mercadoria.
4. Esse entendimento não se aplica à água mineral engarrafada e vendida por comerciante. No caso, tributa-se a operação mercantil.
 
5. Na Adin nº 567, o tema foi analisado. O Min. Ilmar Galvão votou pela suspensão liminar de ICMS sobre o fornecimento de água no Estado de Minas Gerais, "por ter se pretendido modificar a natureza jurídica do fornecimento de água potável, encanada, às populações urbanas, transformando-a de serviço público essencial em circulação de mercadoria".
 
6. Na Adin nº 2.224-5-DF, o Min. Neri da Silveira, no voto proferido, considerou relevante, para votar pela concessão da liminar, o mesmo fundamento invocado pelo Min. Ilmar Galvão na Adin 567. A Adin não foi conhecida por problemas processuais. A tese de mérito, contudo, foi acenada para se reconhecer a não-tributação, pelo ICMS, da água fornecida como serviço público.
 
7. Recurso especial provido.

                                                    A forma como o Relator Exmo. Sr. Ministro José Delgado tratou a matéria  espanca ao nosso ver, qualquer dúvida sobre ao posicionamento jurisprudencial sobre a não tributação da água natural canalizada.

                                                  A exposição que fizemos demonstra de forma clara a ilegalidade da cobrança levada a efeito pelo Estado da Bahia pois exige o ICMS de uma prestação de serviço tida e havida jurisprudencial e doutrinariamente como intributável.

                                                        Não bastasse este excesso de exação verificado, a Lei..... , contrariando o disposto no Art. 155, §2º,XII,"g" e na Lei Complementar 24/75 (Doc.   ) concede a empresa que presta esse serviço em Salvador e em vários Municípios baianos um "crédito presumido" de nada mais nada menos que 100% (cem por cento) o que significa objetivamente que além de impor ao consumidor de água natural canalizada um imposto indevido, o valor deste tributo que é pago pelo consumidor, não é entregue ao Estado pois é apropriado por esta empresa.

                                                      Denunciamos pois que além de cobrar arbitrariamente um imposto o estado de forma manifestamente ilegal  entrega o valor arrecadado a própria empresa que deveria repassá-la ao Estado.

                                               Como vimos todas as decisões dos Tribunais Superiores caminham no sentido da impossibilidade de tributação da água natural canalizada como se mercadoria fosse.

                                                 Solicitamos, portanto, a esta C. Instituição, guardiã da cidadania e da probidade, que através da ação própria solicite do Poder Judiciário uma medida cautelar no sentido de impedir que esta exação ilegal continue e que declare de forma definitiva que cesse de uma vez por todas a cobrança deste indevido imposto em vista de sua flagrante inconstitucionalidade já fartamente declarada pelo Eg. STF.


Salvador, em 25 de outubro de 2007.