É algo reflexivo com citações de personagens admiráveis; noutras de um pessimismo atroz o que deixa o leitor numa encruzilhada.
Rosa de Lima , Salvador |
18/10/2025 às 07:23
Meus Mortos
Foto: BJÁ
Já conheço o trabalho literário do jornalista Diogo Mainardi há anos. Em "A Queda - memórias de um pai", publicado pela Record, em 2012, que considero sua melhor obra, narra a trajetória de seu primogênito Tito, vitima de erro médico num hospital de Veneza, Itália, onde sua familia reside.
Tito nasceu com paralisia cerebral. No livro, Mainardi revela que na medida em que Tito ia crescendo, a relação de afeto entre ambos norteou sua vida para sempre. Asssim, o mundo próximo e ampliado ao seu olhar ganhou uma nova dimensão, a partir da evolução da paralisia de Tito. "A Queda" é chocante, emocionante, todos os adjetivos que se possa imaginar nessa direção cabem nele.
Creio, assim como aconteceu comingo, milhares de leitores que leram a obra citada devem ter imaginado o que fariam, se algo assemelhado acontecesse com eles.
Também creio que a mensagem passada por Mainardi de um pai apaixonado pelo filho se encaixou bem na obra e penso que teve influência no comportamento de outras pessoas que enfentaram esse tipo de drama e outros congêneres.
Agora, Mainardi nos presenteia com "Meus Mortos - um auto retrato" (Editora Record, RJ, 2025, 287 páginas, fotografias Nico Mainardi, ilustrações do capítulo Antes e Depois, Júlia Ungerer, R$115,00 portal Amazon.Br) um livro menos chocante do que "A Queda", diria, no entanto, com algumas características parecidas.
O autor, ao tratar da vida do pintor italiano Tiziano Vecelli se utiliza de uma linguagem nova em literatura tradicional e produz textos-pílulas emoldurados como se fossem (e é) uma história de quadrinhos, cujo conteúdo, ao abordar a vida do renascentista, um dos maiores pintores do Ocidente, insere a sua personalidade e de membros da sua familia, em especial pai e mãe, sem esquecer de Tito, com destaque para seu outro filho presente em quase toda a obra com fotos que produziu do pai e seu cão, das obras de arte de Tiziano e outros artistas (Rubens, Velasquesz, Van Dick), e analisa a morte sobretudo o seu presumível desejo de enfrentar a morte.
Os seus mortos - pai, mãe, amigos, a tragédia da Covid no Brasil, renascentistas, reis, rainhas etc - são decompostos, desmembrados com homor ácido que lhe é peculiar (presente muito no jornalismo e que assim se mantenha) ao dizer que deseja morer como Rubens, pintor genial que imitou Tiziano, e "o primeiro passo é comprar um quado de Tiziano"; o segundo "É morrer de gota".
O livro em linguagem "grafic novel" (tipo quadrinhos), em resumo, fala sobre si (autorretrato) através da obra de Tiziano e não dá para entender em que ponto o autor quer chegar (de concrto ou se quer isso) e qual a mensagem que deseja trnsmitir a partir da análise da vida e obra de Tiziano, dos seus imitadores, dos soberanos poderosos daquela época, da paisagem veneziana e das belas fotos inseridas.
Assim sendo, como um gibi, mistura o passado com presente, cita os investidores dos tempos atuais que compram as obras do italiano (os bilionários asiáticos) o seu desejo de ter uma delas e lança petardos subjetivos de um niilismo latente que a gente não sabe o que, de fato ele deseja trasmitir. É muita ironia num compêndio só. Em alguns pontos, leitores (como eu) acham inteligentes (suponho), até sensatos; e noutras passagens, algo absurdo. Mas, creio, faz parte da personalidade polemista de Mainardi, eue leva esse verniz do jornalismo para a literatura.
Pareceu-me assim, "Meus Mortos", uma visão purificada do Nada niilista que, para muita gente não tem sentido algum; mas para outros tem um sentido pleno, de culturar aquilo que considera o comportamento correto do viver e pensar. Ou até mesmo algo que transende ao nosso conhecimento, dos mortais.
Verão, também, assim penso, apontamentos de um inconformado à beira da morte, creio, as vezes, parecendo assustador quando fala dos seus pais, os seus mortos, num modelo muito especial.
Não é um livro tipo comercial que se assemelha a obras de Freda McFeldan ou Nikolas Spark, que vende obras aos borbotões com histórias fantasiosos como "A Empregada" (de Felda) e/ou "Uma Longa Jornada" (de Sparks).
É algo reflexivo com citações de personagens admiráveis; noutras de um pessimismo atroz o que deixa o leitor numa encruzilhada.
Há de se sugerir ou até afirmar com certo grau de convicação, que livros assim não servem para nada ou dão muito trabalho para serem entendidos, sobretudo quando se percebe já na segunda metade da obra que a mensagem é vaga e inatingível, e o leitor fica na dúvida se absorverá algo edificante.
Creio que toda obra literária traz uma mensagem para os leitores no seu bojo e em "Meus Mortos" não vi isso, procurei e não achei. Salvo, evidente, no anarquismo do autor com fecho pleno ao mostrar o bumbum no final e a mensagem (sim, direta) de que espera ser reconhecido pelos seus descendenres como um bunda.
Pode-se achar esse gran-finale como debochado, desrespeitoso aos leitores e sem sentido. Eu não achei nem vi o gesto dessa maneira. Mainardi sempre foi um insubmisso, loquaz em protestos de toda natureza como jornalista, portanto, é compreensível que tenha levado esse traço de sua personalidade para a literatura.
Em "Meus Mortos" abastendo-se dessas questões existenciais muito fortes no autor, acompanhou o falecimento do pai sem cumrpimentá-lo na finitude, a pesquisa que elaborou sobre Tiziano, Rubens, Velasques, Van Dick, sitios de Veneeza e o Sacro Império Romano de Carlos V e seus descendentes é o melhor que há no ensaio literário e muita gente (como eu) que não conhecia a missa metade da obra de Tiziano, um mestre de alta grandeza, isso Mainardi põe no livro com desenvoltura e ainda nos cede uma bibliografia relevante.
Então, "Meus Mortos" tem esses dois enredos para o entendimento dos leitores que é o que mais interessa. Pode ser que, entre os intelectuais hajam muitos questionamentos, mas, como não sou intelectual e analiso a obra para abrir janelas de recomendações aos leitores, creio que há esses dois pontos (ou enredos) no livro: o existencial e o culto a arte.
Fiquei com o segundo ponto e é o que mais recomendo aos leitores. Mas, não vamos desprezar Mainardi, que é polêmico e essencial. O mundo tem que ter esses personagens, desde Arthur Shopenhauer.