Cultura

ESCOTEIROS CANAVIEIRENSES E A COPA DO MUNDO 1958, p WALMIR ROSÁRIO

Radialista, jornalista e advogado é Walmir Rosárfio
Walmir Rosário , Canavieiras | 15/10/2025 às 09:54
A turma na Pharmácia
Foto: REP
   Em 1958 Canavieiras pouco tinha a oferecer aos seus moradores, do ponto de vista exterior. Embora o cinema mostrasse o desenvolvimento ao redor do mundo, suas novidades, por aqui a vida girava em torno da economia cacaueira, das chegadas e partidas dos aviões de carreira, do movimento de navios nos portos, o futebol, a vida nas boates e bares.

  De Canavieiras era possível, sim, “enxergar” o mundo através das emissoras de rádio do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, jornais,  revistas, e pelo testemunho dos canavieirenses mais abastados que
estudavam fora. Em 1958 a grande atração era a participação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, a ser disputada na Suécia, e a remota chance de ser campeã.

  Mas o sonho de conhecer outras terras, a exemplo do Rio de Janeiro, não saía da cabeça dos mais jovens, a maioria sem condições financeiras para realizar um passeio dessa magnitude. Flanar por Copacabana, assistir aos jogos dos seus times no Maracanã, frequentar a capital federal do Brasil representava a glória para qualquer ser vivente.

  Em abril de 1958 um grupo de 10 escoteiros resolveu transformar esse sonho em realidade. Nenhum deles possuía experiência em uma viagem dessa magnitude, mas não faltavam a coragem e a convicção do
aprendizado de anos no Escotismo. E assim os garotos de 16 a 18 anos iniciaram o planejamento da viagem, com a aquiescência dos pais. Entretanto, um deles não voltaria.

   Com o dinheiro curto, os pupilos de Robert Baden-Power embarcaram num avião da Cruzeiro do Sul na pequena viagem entre Canavieiras e Belmonte. Daí pra frente seria o que Deus quiser, sempre focados nos
ensinamentos do Escotismo. E enfrentar a segunda parte da viagem não seria moleza para eles, pois o percurso de Belmonte a Vitória, no Espírito Santo, custou 21 dias de viagem, cumpridos em jornadas a pé.

E o grupo formado por Walter e Trajano Barbosa, Coló Melo, Raimundo Oliveira (depois tenente Raimundo), Orleans da Hora, Dinael Santos, Edson Dedo, Waldyr de Roxinho, Everaldino Piloto e José Araújo empreenderam o trajeto, sob o comando de Henrique Ciência. Nesse segundo trecho eles conheceram, de verdade, o valor do slogan do escotismo: “Sempre alerta”.

  No percurso, privilegiaram a caminhada nos trechos de praias, superando as dificuldades que surgiam com frequência, atravessando a pé ou a nado os ribeirões e bocas de barras. Também tiveram que usar de artifícios para caminhar no meio de florestas, evitando as armadilhas naturais e os animais, principalmente as cobras.

  Quando encontravam um sítio conversavam com os moradores sobre o melhor caminho que deveriam tomar e eram avisados sobre em que trechos poderiam parar para descansar e dormir. Num desses locais em que passaram a noite, como sempre, armaram e tocaram fogo numa grande fogueira para espantar as onças, cujas pegadas e os esturros foram vistas e escutados bem próximas.

  Em um costado do mar foram obrigados a acelerar o passo para conseguir vencer o percurso enquanto a maré estava em baixa, do contrário poderiam ser tragados pelas grandes ondas. Cansados, já sem quase
nenhum recurso financeiro e víveres, finalmente chegaram a Vitória, no Espírito Santo, e tiveram a ideia de se apresentarem ao prefeito.

  A aventura dos escoteiros canavieirenses emocionou o prefeito, que os ajudou com alimentação e passagens de trem para o Rio de Janeiro. Na Guanabara se apresentaram na sede dos Escoteiros do Mar, foram recepcionados pelo General canavieirense Asclepíades Santos, participaram de uma feijoada, e no Maracanã assistiram ao jogo Brasil e Portugal, com a presença de Pelé e Garrincha, dois novatos na Seleção
Brasileira.

  Missão cumprida, 21 dias após embarcam no navio Comandante Capela com destino a Ilhéus, numa viagem de seis dias. Em seguida, viajaram na carroceria de um caminhão até Camacan, e a partir daí uma picape os
levou a Canavieiras. Entretanto, dos 10 que empreenderam a viagem de ao Rio de Janeiro, um deles não voltou, continuou na Guanabara. Na bagagem, nem uma foto, selfie, ou vídeo, só as lembranças contadas.

  É que Waldir Souza, o Waldir de Roxinho, resolveu se engajar na Marinha do Brasil, com a permissão de seu pai. Músico, saxofonista, foi incorporado à Banda dos Fuzileiros Navais, agora como clarinetista, conforme as recomendações do maestro regente. E Waldir faz carreira como militar e músico, viajando, conhecendo o mundo, até sua baixa como oficial.

  No Rio de Janeiro constitui família, criou os filhos, depois formados e com carreiras pós-tituladas, prontos para enfrentarem a vida. Reformado na vida militar, eis que Waldir retorna a Canavieiras, onde retoma a vida civil, suas obrigações familiares. Nas horas de folga, se encontra com os amigos no Bar Laranjeiras, no qual possui cadeira cativa, e em sábados pretéritos, quando ainda existia a Confraria d’O Berimbau, como confrade batia o ponto.

Esse é o feito de quem determinou e direcionou sua vida no propósito de seguir carreira, transitar na sociedade com distinção, fazer amigos por onde passou e cuidar bem de suas obrigações. E nesta quarta-feira – 15 de outubro de 2025 – Waldir de Roxinho alcança os 89 anos de vida, sempre rodeado pelos amigos: os que aqui deixou em 1958, e os que construiu ao longos desses anos.Parabéns, Waldir!