Cultura

FUNMILAYO AFROBEAT ORQUESTRA LANÇA “DE PONTA A PONTA”

EP retrata vivências coletivas da banda em São Paulo, expandindo o afrobeat com influências do rap, reggae, soul, jazz e MPB
Yasmim Bianco , Salvador | 13/10/2025 às 17:53
Funmilayo
Foto: Igor de Paula

A Funmilayo Afrobeat Orquestra divulga o EP De Ponta a Ponta, trabalho que expressa as experiências das integrantes com a cidade de São Paulo - território de contradições, desigualdades, encontros e possibilidades. A estreia marca a consolidação artística do grupo, que há seis anos se destaca na cena musical brasileira construindo narrativas coletivas sobre identidade, território, tempo e resistência. Fiel ao afrobeat, sua marca registrada, a Funmilayo amplia a sonoridade com influências de rap, reggae, soul, jazz e música popular brasileira. A entrada da tecladista Anacruse e da baixista Keith Félix trouxe novas camadas eletrônicas e graves marcantes, sob direção musical de Marcos Maurício, que também assina arranjos, edição e mixagem.

O repertório abre com "A Cidade é um Espelho", de Rosa Couto, inspirada na obra de Itamar Assumpção, para traduzir a relação de amor e estranhamento com São Paulo. Em seguida, "O Encanto e a Maquinaria" reflete sobre racismo ambiental e os ritmos sufocantes da metrópole, com letras que evocam símbolos afro-indígenas. A faixa-título, composta por Sthe Araujo, fecha o EP como celebração crítica da vida urbana, inspirada em suas vivências no extremo sul paulistano, transformando o “bonde” em metáfora do movimento contínuo da cidade.

“Queremos transmitir um pouco das vivências de cada integrante da banda no território cheio de conflitos, disputas e oportunidades que é a cidade de São Paulo. Como pessoas negras, perguntamos sempre: quais são nossos desafios? Como é ser de axé numa cidade de concreto? Essas questões atravessam nossa música e sustentam nossa resistência”, destacam.

A capa, assinada por BraNw, artista periférica paulistana, traduz a atmosfera onírica e caótica do EP em diálogo com a cidade, evocando a icônica Bitches Brew, de Miles Davis. O material audiovisual de estúdio e de divulgação, registrado por Paris Araujo e Igor de Paula, reforça a estética urbana e afro-brasileira do projeto. Entre os bastidores, destaca-se a gestação da trompetista Larissa Oliveira, que deu à luz poucos dias após as gravações — experiência que se tornou parte da força criativa do processo. Com Rosa Couto, Larissa Oliveira, Stela Nesrine, Ana Góes, Amanda dos Anjos, Anacruse, Keith Félix, Jasper Okan, Pri Hilário, Afrojuu Zambeleua, Vanessa Soares e Sthe Araujo em cena, a Funmilayo reafirma sua potência coletiva em De Ponta a Ponta, obra independente e distribuída pela United Masters.

 

FICHA TÉCNICA

Direção Artística e Musical: Funmilayo Afrobeat Orquestra

Coordenação e Produção: Sthe Araujo

Produção Musical, Arranjos, Edição e Mixagem: Marcos Maurício

Masterização: Felipe Tichauer

Instrumentistas: Larissa Oliveira (trompete), Stela Nesrine (sax alto), Ana Góes (sax tenor), Mariana Oliveira (sax barítono), Amanda dos Anjos (trombone), Anacruse (teclado/synth/Rhodes), Keith Félix (baixo), Jasper Okan (guitarra), Pri Hilário (bateria), Afroju Zambeleua e Sthe Araujo (percussão), Rosa Couto (xequerê e voz).

Produção executiva: Vanessa Soares

Arte de capa: BraNw

Fotos e vídeos: Paris Araujo e Igor de Paula

FAIXA A FAIXA

A CIDADE É UM ESPELHO

Intensamente inspirada pela escuta do afrobeat e também pela obra de Itamar Assumpção, a cantora e compositora Rosa Couto tenta traduzir na música a sua relação de amor e ódio com São Paulo, cidade para a qual se mudou há 10 anos. Rosa estudou profundamente a obra de Itamar Assumpção e se inspirou no disco Sampa Midnight para criar o clima soturno que predomina em sua composição. Além desse álbum, Rosa se inspira na letra de "Persigo São Paulo", que diz "São Paulo é outra coisa/ Não é exatamente amor/ É identificação absoluta/ Sou eu”, no intuito de expressar a experiência de uma pessoa vinda do interior de Minas Gerais, desbravando a capital paulista, fato que se reflete nos tensionamentos harmônicos, na rítmica, nos acontecimentos musicais que passam e nem sempre retornam e na letra curta e direta.

O ENCANTO E A MAQUINARIA

O encanto e a maquinaria surgiu durante o período de chuvas e alagamentos no início do ano de 2025, entremeado pelas discussões sobre o racismo ambiental e como os desastres atingem de forma desigual as diferentes classes sociais. Essa música é uma reflexão sobre o ritmo da cidade e a forma como ela atropela pensamentos e discussões importantes, sobre como o capitalismo sufoca a nossa saúde e a natureza. Na letra Jasper Okan faz um jogo de palavras com diferentes tipos de fumaça. “Fundanga” é como se chama a pólvora que usam em terreiros para trabalho de descarrego pesado. Já a "Quiumba” é nome que se dá a um espírito de vibração baixa que faz mal às pessoas vivas e prejudica a vida de quem encosta. "Catimbó”, por sua vez, vem do Tupi e significa "fumaça de erva” ou "vapor de erva”, fazendo referência aos rituais de cura. Essa comparação visa ressaltar a importância dos terreiros de matriz africana e comunidade indígenas como referência na forma respeitosa e harmoniosa de conviver com a natureza.

PONTA A PONTA (Faixa de Foco)

Criada na zona sul de São Paulo, Sthe Araujo fala sobre os desafios de transitar numa cidade múltipla como a capital paulista, as diferenças de cada um dos seus cantos e as encruzilhadas que ela apresenta, repleta de desejos, sonhos, faltas e ausências. Cheia de esperança, essa música celebra de forma crítica as possibilidades que São Paulo abre a todos que nela transitam. A partir da figura poética do "bonde” e da expressão "peguei meu bonde andando", a faixa se desenrola num movimento contínuo que reflete a própria lógica da cidade: rápida e lenta ao mesmo tempo, cheia de acontecimentos. Na letra, Sthe Araujo traz sua vivência como mulher negra que cresceu no extremo sul da cidade e circulou batalhando o sonho de se realizar como artista.