Cultura

ROSA DE LIMA COMENTA PERSONAGENS DE IPIAÚ, JOSÉ AMÉRICO CASTRO

São dezenas de personagens que fizeram (e fazem) a história de Ipiaú descritos com linguagem jornalística, de fácil leitura, e que compõem o mosaico da história de Ipiaú.
Rosa de Lima ,  Salvador | 19/09/2025 às 19:47
Personagens de Ipiaú
Foto: BJÁ

   A história do Brasil - na sua essência - sem se estruturar na literatura clássica de fatos históricos, datas, personagens das lutas revolucionárias e outas nem tanto, das autoridades e dos feitos militares e outras - também é narrada pelas pessoas comuns dos mais de 5 mil municípios do país. Sem narrativas históricas não há organização social.

  Essa história também vem sendo organizada por autores da literatura regional com publicações em pequenas tiragens, em geral, entre 300 a 1.000 exemplares, e que são valiosas para se entender o país. Revelam perfis da sociedade brasileira sobretudo quando a análise é feita com uma lente de larga amplitude e fala-se não somente das autoridades e dos “mandas-chuvas”, mas, também, do povo.

  Povo é um ser impessoal no Brasil de difícil qualificação, porém, a interpretação de quem seja povo é perfeitamente compreensível de qualquer observador da cultural nacional. A olhos nus distingue-se com clareza o que seja um advogado e um feirante. Isto é: o que representa um engravatado e uma personalidade popular.

Após feito esse “nariz de cera” – como se diz no jornalismo – vamos ao que interessa que é comentar o livro do jornalista José Américo Castro, intitulado “Personagens de Ipiaú – os folclóricos e outras figuras” (ALBA CULTURAL, 2024, 345 páginas, ilustrações Borega, Carlos Éden, Jurnier Costa e Lula Vieira; fotos de familiares e do autor, coordenação editorial Paulo Bina) o qual, também no seu âmago, trata do que falamos na inicial, um relato da base, da alma do município de Ipiaú, sul da Bahia, localizado as margens do Rio de Contas.

  José Américo nascido em Ipiaú donde nunca se afastou, jornalista, poeta e historiador é conhecedor da vivência da gente do seu município. 

  Em sua obra com prefácio de Sérgio Mattos, apresenta resumidos perfis de personalidades de Ipiaú, desde seus pais a figuras populares como Clarice do Mingau a João Guardinha; Tonho da Viola a Nêgo Jairo, os logradouros, bares, restaurantes, casas do sexo, o casarão da Rua da Jaqueira, o lobisomem do Bairro Novo e referências icônicas como o Parque Estrela do Norte depois denominado Ouro Verde.

  São dezenas de personagens que fizeram (e fazem) a história de Ipiaú descritos com linguagem jornalística, de fácil leitura, e que compõem o mosaico da história de Ipiaú. 

  Na medida, por exemplo, em que o autor fala de Dona Jacy da Farmácia (Jacy Barreto Sobrinho), natural do município de Barra com passagens por Aiquara onde morou com uma tia, a primeira telefonista do local, até chegar a Ipiaú e ser lavadeira de Moacir, proprietário do serviço de alto-falante Rio Novo, e depois foi ser auxiliar de enfermagem trabalhando com os médicos Jaldo Reis e Alípio do Prado Correia – onde fazia curativos e partos ; depois indo trabalhar na Farmácia Bahia onde permaneceu por 60 anos aplicando injeções e outros procedimentos, está também narrando a história (fatos) da região.

  Assim, quando Jacy, de Maria do Sapo, de Niêta do Pouso do Jacú, de Tonha Doida, de Val da Capela, de Deledel (Macunaima da cidade), de Tonhe da Viola, de Seu Davi do bumba-boi e de tantos outros vai contando esses pedacinhos da vida de cada personagem e montando não só a história de Ipiaú mas de outros municípios, pois, muitos deles, tal com Jacy vieram de outras localidades e se encantaram ou se acharam e tiveram oportunidades de trabalho na florescente Ipiaú. 

  Portanto, cada personagem tem uma história (um pedacinho da vida) própria, uma narrativa pessoal e de grande valor, tal como a do coveiro Valdomiro Anécio da Silva, natural de  Itagibá e que ingressou na Prefeitura na gestão de Euclides Neto, este o prefeito sempre reverenciado como inovador; ou do eletricista Nane Guará morador da Rua da Batateira participante do histórico Baba do Barro; ou de Tito da Cruz (o Arco-Iris do Nordeste), cantor, compositor, ator, produtor, diretor, animador, agitador cultural, transformista e tantas outras facetas performáticas de Júlio César Tito da Cruz que o autor considera “ser o próprio espetáculo e a cidade o seu palco”.

   Vamos a um trecho do autor sobre este personagem. – Perambulando, cruzando becos, atravessando vielas, frequentando festas, caçando novas emoções, curtições notívagas, Tito faz história, imprimindo sua marca na memória ipiauense. () Madrugada alta, ele perambulava na Praça dos Cometas quando lhe perguntaram: “O que você está fazendo por aqui uma hora dessas”. Retorno, imediato, na tampa da lata: ‘Fazendo o censo para saber quantos “viados” tem em Ipiaú. 

   Há inúmeras passagens, observações, entrevistas, dizeres populares, narrativas pessoais, enfim, um livro completo sobre “Personagens de Ipiaú” certamente o mais emblemático que se produziu sobre esta cidade e que terá (já tem) uma importância enorme para quem deseje fazer alguma complementação ou escrever algo mais específico sobre alguns desses personagens, como é o caso, por exemplo, do locutor João Araújo, considerado pelo autor como “ícone da cultura e patrimônio de Ipiaú”.

  Não o único. Há outros que até merecem romances e ensaios. Ao ler, por posto, a narrativa sobre “Astrogildo do Avião” a astronave idealizada por ele e seus sonhos de Ícaro, lembrei que o escritor e também jornalista Fernando Vita já escreveu um livro sobre personagem assemelhado (O Avião de Noé), da sua ficcional cidade de Todavia, na real, uma reencarnação de Santo Antônio de Jesus, nas bordas do Recôncavo baianos.

   Eis, pois, as coincidências (ou não). Costumo dizer, observando um conto do jornalista Tasso Franco, que as formas de Deus são comuns a todos em diferentes lugares e se há um “Mestre Osório” (último regente) e uma Joelma (transexual) em Ipiaú há muitos outros e assemelhados Osórios e Joelmas por essa imensa Bahia.