Cultura

MORRE AOS 95 ANOS O FOTÓGRAFO ANIZIO CARVALHO ICONE DO JORNAL DA BAHIA

Com informações SINJORBA
Da Redação ,  Salvador | 13/09/2025 às 07:59
Anizio Carvalho
Foto:
Em trecho do seu longo discurso de posse na cadeira 02 da Academia Brasileira de Letras (ABL), três dias antes de partir para outra dimensão, o imortal João Guimarães Rosa (1908-1967) reflete que “O mundo é mágico” e “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Seguindo esse raciocínio, podemos deduzir que, nesta sexta-feira, 12 de setembro de 2025, o mundo invisível ganhou mais um personagem. Acaba de encantar-se na eternidade, aos 95 anos, o fotojornalista Anízio Carvalho, mestre dos mestres de várias gerações de jornalistas baianos.

A cinco anos de atingir o centenário, Anízio enfrentava uma série de problemas de saúde associados à idade longeva. Dias atrás, sofreu uma queda em casa e precisou ser internado no Hospital de Brotas (antigo Hospital Evangélico), após desenvolver um quadro de infecção de origem não determinada. Nesta sexta-feira, a situação evoluiu para óbito, confirmado pela família. Até o momento não há informações sobre hora e local das cerimônias de despedida.

Em nome da categoria, o Sindicato dos Jornalistas no Estado da Bahia (Sinjorba) manifesta solidariedade à família e reforça que o legado de Anízio Carvalho se perpetuará pelas futuras gerações. “Não tive o privilégio de trabalhar com Anízio, mas conheço sua história. Quando cheguei à Bahia, ele já era uma lenda”, diz a presidente Fernanda Gama, natural de Mossoró-RN, para quem o nome do fotojornalista é uma referência de ética, profissionalismo e dignidade.

Casado há quase 70 anos com dona Terezinha, Anízio teve com ela seis filhos: Iguatemi, Itamar, Juarez, Jussara, Jucivalda e Jucimara. De um relacionamento anterior, já era pai de Francisco – único dos descendentes que escolheu a fotografia como profissão.

Anízio com sua inseparável Rolleiflex (Crédito: Arquivo Pessoal)
Trajetória – Antes de se tornar o gigante das lentes fotográficas, Anízio era o menino Zico. Natural de Conceição da Feira, cidade da região metropolitana de Feira de Santana, a pouco mais de 125 km de Salvador, chegou a Salvador em um caminhão do tipo pau de arara. Era o ano de 1944. Ele tinha apenas 14 anos, algumas mudas de roupa e o sonho de prosperar na capital.  Contra a vontade do pai, o mestre de obras Manoel Circuncisão.

Passou perrengues na Soterópolis. Mas, sempre amparado pelas forças do universo, seus guias e orixás, teve sorte de trabalhar como empregado doméstico da família Rozemberg – referência no segmento de fotografia em Salvador. E caiu nas graças do patriarca, Alberto, que lhe deu a chance de ingressar no mundo da fotografia. Era dureza? Sim, mas valia a pena. Das 4h às 9h, criado da casa; no restante do dia, aprendiz de laboratorista.

De laboratorista a fotógrafo, foi um pulo. Sempre com a ajuda dos Rozemberg – agora, quem lhe orientava era Leão, filho de Alberto. Nas horas de folga, Anízio registrava cenas da baianidade como a puxada de xaréu, na praia de Itapuã e as vendia a maravilhados turistas.

Em 1957, uma reviravolta. Recebeu um convite para trabalhar (ainda como laboratorista) no Jornal da Bahia, então em fase de implantação, no Largo da Barroquinha, final da Baixa dos Sapateiros. Pediu as contas no estúdio dos Rozemberg, Leão à frente dos negócios da família. Como indenização pelo tempo de serviço, recebeu uma câmera Rolleiflex. A mesma máquina fotográfica que lhe acompanhou vida afora, símbolo do seu sucesso profissional. “Tudo que consegui na vida foi com meu trabalho. Um trabalho feito com esta Rolleiflex”, costumava repetir.

Passou pouco tempo no escuro do laboratório. Tinha menos de um ano no JBa. quando teve a chance de mostrar seu talento com uma câmera na mão. Era final dos anos 1950 e seu primeiro click se deu numa cerimônia de posse da diretoria do elegante Yatch Club da Bahia. Pauta de interesse do proprietário do jornal, João Falcão. Detalhe: Anízio foi escalado às pressas, porque não havia fotógrafo na casa para cobrir o evento.  Pronto. O resultado desse trabalho lhe rendeu a promoção tão sonhada. O JBa. acabava de lançar ao mundo o profissional que, sem dúvida, viria a se consagrar como o maior dos fotojornalistas de sua geração.

Exposição – A partir daí, só sucesso. Imagens icônicas que correram o mundo – como fotos inusitadas da rainha Elizabeth II, da Inglaterra (novembro de 1968) –, entraram para a história e são testemunhas de cinco décadas da história recente da Bahia. Para celebrar a genialidade de Anízio, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) promoveu a exposição “Ginga Nagô”, de abril a dezembro de 2023. Sob a curadoria do premiado jornalista de imagem Manu Dias, a mostra foi realizada no Museu de Imprensa da ABI, tendo alcançado excelente visitação.

Apesar do sucesso e reconhecimento alcançados, a marca de Anízio sempre foi a humildade. Mesmo sendo o mestre de várias gerações de jornalistas, por não ter formação acadêmica, relutava em se reconhecer gigante. Após quase meio século de atuação como repórter fotográfico, ele aposentou a velha Rolleiflex em 1994, quando o Jornal da Bahia fechou as portas. Nesta sexta-feira, encantou-se. Mas sua obra continuará eterna. E, parafraseando o imortal Guimarães Rosa, “pessoas como Anízio não morrem, ficam encantadas”.