Cultura

ROMANCE "A PSICÓLOGA", TF, CAP 12: A VIDENTE SAMUELINA E NOVA TENTAÇÃO

Vidente analisa os sonhos com as cobras e dá uma receita para um local do universo paralelo Alfa Six
Tasso Franco , Salvador | 17/06/2025 às 07:39
A vidente Samuelina e seus ícones o sapo e a coruja
Foto: Seramov
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    A VIDENTE DE UMBUZEIRO E UMA NOVA TENTAÇÃO
  
    OHANA  

    A carta de minha amada Alicinha me trouxe uma preocupação adicional com as observações que fez com base no conhecimento científico de Freud dando conta de que alguns sonhos são a realização de um desejo, o que, naquele momento e na resposta, contestei de pronto.

    De cabeça mais fria, como temos acesso à internet e ao Google procurei saber quem era esse Freud para me situar melhor e responde-la, quando oportuno, com mais atenção. Vi que esse cidadão era médico psiquiatra e se chamava Sigmund Freud, de origem austríaca nascido no século XIX e considerado o pai da psicanálise, morto em Londres no ano de 1939. 

   Entendi pouco porque não sei o que significa psicanálise, algo muito distante de minha vida cotidiana. Verifiquei, no entanto, que foi um homem famoso e com muitas obras publicadas, porém não saberia dizer ou entender se as suas teorias e interpretações dos sonhos com pacientes do seu país, situado na casa do chapéu, com povo completamente diferente do nosso - nem sei se por lá tem cobras, lagartos, coleiros e cardeais como temos aqui em nossa serra - valeriam para nós. 

   Portanto, mesmo agora sabendo um pouco quem Freud representa, não posso aceitar essa tese dele e confesso que fiquei foi mais encucada. Por isso, tomei a decisão de seguir o conselho de Roque e consultar a senhora rezadeira e curandeira que reside no povoado do Umbuzeiro, distante de nossa comunidade 9 quilômetros e tirar a prova dos sete.

   Roque mandou que conversasse com Sílvio, um dos rapazes que trabalha na marcenaria, natural do Umbuzeiro e residente por lá, o qual todo dia vem de bicicleta e volta para casa, que ele poderia dar mais informações sobre a curandeira.

   Procurei Sílvio numa de suas horas de descanso para uma conversa em particular e ele ficou assustado com minta atitude, mas eu o tranquilizei e disse que só queria saber se ele conhecia a rezadeira famosa em Umbuzeiro. De imediato, observei que ele ficou com o semblante preocupado, a testa enrugada como se fosse um sinal de alerta.

   Confessou que morava perto dela, sua residência era a melhor do Umbuzeiro e que era uma pessoa respeitada e ganhava o pão da vida cuidando de maus olhados, de traições de marido e mulher, de bebedeiras, de gente viciada em jogatina e assim por diante.

  Portanto, segundo palavras dele: “Não vejo como a senhora tão bem casada com Sêo Roque e trabalho na marcenaria há 3 anos e nunca vi uma briga, uma discussão, um queixume entre vocês, não astucio, sinceramente (deu ênfase nessa palavra) a necessidade de procura-la”.

   Porém, insisti, falei que era um assunto muito particular, e pedi para ele marcar uma consulta. 

   Um assustado Sílvio, semblante baixo, acanhado no falar, me revelou que a rezadeira do qual falava era, sim, uma vidente, aparentada com ciganos e que os meninos do Umbuzeiro arreliam ela como sendo a bruxa que cria sapos e voa em noites de lua cheia. Portanto, que eu tivesse cuidado. 

   Ademais, procurou saber se Roque sabia da consulta. Eu disse que sim e ele retrucou dizendo que se fosse coisa intima, de maneira alguma eu fosse com Roque até o Umbuzeiro.

   E mais disse que se eu assim estivesse disposta a consulta usasse os serviços de um dos motoboys do povoado que fazem linha para os distritos e para a Terra do Sol. 

   Consenti. No outro dia ele me trouxe um folheto da senhora quando soube que seu nome era Samuelina. No prospecto havia o desenho de uma mulher com cabelos longos, cor de prata, seu nome ao lado, suas mãos postas sobre uma bola de cristal, a imagem de uma coruja e escritos valores das consultas sendo 20 reais para reza de olhados ruins; 30 reais para curar arrependimentos; 40 reais para retirar encosto e fazer descarrego; 50 reais para descoberta de traições de marido e mulher; e 100 para despachos a outra esfera celestial e recuperação do amado (a).

   Uma semana depois contratei os serviços de um motoboy de nosso povoado, reservei 50 reais numa bolsinha de pano que usava a tiracolo e fomos para o Umbuzeiro, um pulo de moto, menos de 20 minutos.
  Quando chegamos na casa da senhora notei que era ampla, de duas águas, espaçosa, toda pintada de branco com janelas em azul pavão. O terreiro era liso de terra batida e havia um veículo estacionado embaixo de uma cajazeira, onde o rapaz também estacionou a moto, que era um local de sombra.

   Verifiquei que havia uma espécie de mastro fincado na lateral da casa onde tremulava uma bandeira branca e adentrei a porta principal conforme havia combinado previamente a consulta, em horário certo. Fui recebida por um homem pequeno, que me pareceu ser um anão. Deu-me boas vindas e mandou sentar-me numa cadeira com tiras de plástico e avisou que, assim que a pessoa que estava com a senhora Samuelina saísse da consulta eu entraria.
 
   Perguntou o que eu desejava. Quando falei o que era respondeu que eu tinha que pagar 50 reais (eu já sabia disso) a acrescentou: “Minha mãe espiritual” – assim se expressou – não pega em dinheiro.

   Advertiu-me que eu deveria ser discreta e o que visse em pessoas saindo ou entrando na casa, as falas da consulta e demais objetos expostos na tenda, deveria ser mantido em segredo. Assim como tudo o que eu falasse a senhora, eu tivesse a certeza de que iria para o túmulo e ninguém saberia.

   Por isso mesmo nem olhei para a cara da pessoa que estava saindo do consultório da vidente (nem sei se o nome certo é esse), só vi que era uma mulher bem vestida, boa roupa e sapatos altos, pessoa estranha do nosso povoado. 

   Foi quando o anão me conduziu para um quarto que deveria ter uns 20 metros quadrados, arejado com janela semi aberta que dava para outra lateral poente da casa. 

   Havia uma mesa em formato retangular forrada com um pano branco, uma estante com alguns objetos – jarros, potinhos de cerâmica, velas, vaso de incenso, imagens de santos e de fotografias antigas em pequenos quadros – parecia um altar – e mais cadeira em frente à mesa onde me sentei, um objeto coberto sobre a mesa, a imagem da coruja branca com fios rajados também colocada sobre a mesa, e uma porta de pano onde certamente haveria um quarto e estava a senhora.

   O anão determinou que, quando ela entrasse para a consulta, eu me levantasse em sinal de respeito e assim fiz quando adentrou ao recinto. 

  A senhora vestia uma bata colorida com dois galões estilo militar sobre os ombros, cabelos lisos com tons de vermelho presos numa touca cigana, olhos pretos penetrantes, sobrancelhas grossas bem desenhadas subindo as laterais dos olhos, um anel imenso no dedo anular direito e batom vermelho em lábios de poucos sorrisos.

  Ela estendeu a mão e eu dei um beijo discreto - como também havia recomendado o anão - e assim que ela se sentou em também me sentei.

   A senhora então abriu o diálogo falando de forma bem pausada e com voz baixa: - O que traz a jovem senhora a nossa tenda para uma consulta? 

   A primeira palavra que me veio à boca foi aflição e assim falei: - Ando aflita, apavorada. A senhora deve ter tomado conhecimento das mortes dos meninos na Serra dos Cardeais, perto daqui e como a repercussão foi muito grande, suponho que também tomou conhecimento.

   - Sim, sei, ela interveio discretamente.

   - Pois, naquele dia estávamos trabalhando - eu e meu marido - e nossa filha estava na escola onde aconteceram as mortes, naquela sala de aula. Embora ela não tivesse tido nada em ferimentos no corpo ficou abalada da cabeça e nossa comunidade também. Até hoje estamos nos adaptando a nova vida.

   - Pelo que soube educadores e psicólogos do governo ajudaram a comunidade de vocês para superar esses problemas. Conte-me seu caso – foi direta.

  - Isso de fato aconteceu, parcialmente. A minha consulta está relacionada ao fato de que naquela noite após as mortes eu sonhei com uma cobra engolindo meu marido. E já tive outros sonhos com esse mesmo enredo, o que tem me deixado perturbada. Consultando um senhor da nossa comunidade ele disse que quem tem esse tipo de sonho vai ser traído (a). Embora viva muito bem com meu marido botei isso na cabeça e estou achando que ele vai me trair com outra mulher.

   A senhora deu um discreto sorriso, aproximou mais sua cadeira da mesa e levantou o pano vermelho que cobria uma bola de cristal. Colocou a mão direita sobre a bola e mandou que eu colocasse minhas mãos entrecruzadas sobre a mão dela. 

   Assim que fiz isso ela colocou a outra mão dela sobre as minhas mãos, retirou sua mão direita debaixo das minhas e ficou a meditar olhando para a bola de cristal.  

   Cinco ou seis minutos depois mandou que eu retirasse as minhas mãos e deixou só as dela. 

  Passados mais uns poucos minutos, disse que tudo estava bem comigo e com meu marido, mas havia detectado alguns sinais cintilantes em forma de raio em forquilha, preocupantes.

   Em seguida, quis saber se meu esposo estava paquerando alguma mulher e vice-versa e se eu desejava que a cobra, de fato, engolisse Roque. E, ademais, se eu temia que a cobra penetrasse nele ou em mim. 
  Confesso que gelei.

   - Isso aqui é não é uma mesa com pano verde que a cobre - disse a vidente dando tique toques com o dedo cata piolho na tábua. É um túmulo, uma sepultura. O que se fala morre aqui. Portanto, abra seu coração e diga se está desconfiada de alguma coisa.

   Eu então falei que estava com ciúme de uma senhora cliente nossa, empresária dona de uma loja de móveis em Aracaju. Revelei, também, que já havia sonhado com a cobra me penetrando; quanto penetrando em meu marido, noutra ocasião.

   Falei que nossa filha depois de concluído o ensino fundamental foi estudar psicologia na capital sergipana e, recentemente, nos enviou uma carta destacando que um estrangeiro chamado Freud escreveu um livro sobre a interpretação dos sonhos e assegura que a maioria deles representa um desejo latente das pessoas e eu me apavorei ainda mais.

  - Ah! Minha senhora! – suspirou a vidente – ciúme é o que mais existe neste mundo entre mulheres e também entre os homens. A maioria dos meus clientes sempre tem esse problema e resolvemos com alguma facilidade desde que a pessoas nos forneça uma fotografia da amante, namorada ou paquera de esposo que colocamos na caixa do sapo.

   Nisso, a senhora estalou os dedos das mãos e, do nada, do oculto ou do sei lá de que, apareceu um sapo enorme sobre a mesa me mirando com aqueles olhos cristalizados e colocando a língua de fora e a recolhendo como se fosse engolir um inseto. 

   Fiquei nervosa, inquieta na cadeira. A madame Samuelina – a essa altura lembrei-me da bruxa Calona, mas elas não se pareciam, porém, como advertiu-me o carpina Sílvio poderia ser outra bruxa - disse que eu não temesse o sapo, pois era um animal dócil e purificador das almas.

   Em seguida, passou a mão embaixo da mesa tocando uma sirene e reapareceu na sala o anão segurando uma caixa retangular forrada de roxo com a tampa aberta. Imediatamente, o sapo deu um pulo e caiu dentro. Ela a tampou e o anão o levou para o quarto da porta de pano. 

   A senhora afiançava que aquele sapo quando lambe a foto de uma pessoa, a seu pedido e por consentimento da (o) cliente, encaminha um fim pacifico ao ser que será atingido por algum mau subido, um acidente, uma queda, sendo conduzido (a) para Alfa Six noutra esfera espiritual, parando de importunar a família alheia.

   Eu ainda quis saber algo mais sobre esse planeta Alfa Six e ela foi diligente em dizer que são muitos os Universos Paralelos encerrando a consulta e destacando que a decisão agora seria minha e que eu tirasse essa cobra e essa senhora rival da minha cabeça.

   Confesso que sai um pouco cambaleando as pernas da consulta. Ao ser conduzida pelo anão a sala de espera onde ele tinha sua mesinha de trabalho havia um vaso de vidro repleto de cascas de frutas contendo água aromatizada.

   Ele me deu um copo daquela água forte dizendo que me revigoraria em instantes, me acalmaria, e que tudo o que estava acontecendo comigo se dava, eventualmente, com outras clientes. 

  Fez, no entanto, a ressalva de que, observando o olhar da vidente quando ele entrou no quarto para acomodar o sapo, que meu caso era tranquilo e não havia nada de grave.

  Deu-me um galho de arruda e abriu a porta de saída para eu ir embora. Quando cheguei ao terreiro, de fato, estava equilibrada, com as pernas firmes, porém, com o semblante carregado de preocupações tanto que o motoboy perguntou se eu não queria descansar mais um pouco até seguirmos a viagem de volta.

   Eu respirei fundo, olhei para o sol pelas frestas das folhas da cajazeira, coloquei o capacete na cabeça, disse ao rapaz que minha visita aqueles local ninguém deveria saber no nosso povoado, ele assentiu explicando que essa advertência já recebera do anão, e como “conhecia tanto a fama dele quanto da bruxa-cigana não iria de jeito algum desobedecer aos feiticeiros” – assim foram suas palavras - ligou a moto, eu subi na garupa e partimos.

   Fizemos uma viagem suave, tranquila, a moto deslizando em velocidade média e a brisa do sertão invadindo nossos corpos, minha mente limpa sem nada pensar, a moto flutuando como se estivesse indo para Alfa Six e quando dei conta de mim tinha abraçado o corpo do motoboy com delicadeza sentindo seus músculos fortes e rijos.

  Esses gestos, sem ao menos fazer o sinal da cruz por precaução, me pareceram uma tentação, mas eu não conseguia me conter e fui alisando seu peitoral e riscando-o com minhas unhas, descendo-as ao ponto flamejante e duro até que, ao avistar o povoado e o telhado das casas, retornei ao normal.

  Ele contornou a praça da Capela estacionou a moto eu paguei a corrida e disse que se precisasse dos seus serviços o chamaria novamente.

*** No próximo capitulo: Ohana conta a filha e ao marido sobre a consulta com a vidente.