Liliana Peixinho - Jornalista, memorialista, ativista humanitária. Especialização em Jornalismo Científico, Cultura e Meio Ambiente. Fundadora de mídias e grupos independentes: AMA- Amigos do Meio Ambiente
Liliana Peixinho , Salvador |
10/06/2025 às 09:37
No Rastro do Fogo, dia 13 de junho
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Desde sua descoberta, há cerca de 1,5 milhão de anos, o fogo, além das múltiplas utilidades industriais, promove encantamento, ludicidade, movimento à vida em celebrações, rituais, festejos como o São João.
A história do fogo na humanidade é longa e fascinante e a relação com as festas de São João tem origem na Europa, onde são celebradas desde a Idade Média. A festa, comemorada em muitos países, ganhou especial calendário no Brasil, onde a região Nordeste se destaca como exemplo de tradição ancestral.
Rituais planeta afora
Na China, os fogos de artifício têm uma longa história e são usados para celebrar o Ano Novo Chinês e outras ocasiões festivas. Na Europa, os fogos de artifício foram introduzidos no século XVII e se tornaram uma tradição em muitas cidades, especialmente durante as celebrações de Ano Novo e festivais. No Japão, a arte da espada é uma parte importante da cultura samurai e é praticada ainda hoje em forma de kendo e iaido. Culturas compartilhadas planeta afora e são referências para novas culturas.
Memória
A preservação e promoção das tradições culturais e históricas são fundamentais para manter viva a identidade e a memória de uma sociedade. Os registros memoriais, reportagens, trabalhos de pesquisa, literatura, música, e farta documentação sobre essas tradições culturais e históricas são fundamentais para preservação da identidade dos povos.
Legado
Nas escolas, instituições sociais, famílias, grupos de artes, a educação é ferramenta importante para transmitir e preservar informações históricas para as novas gerações. Em redes proativas a prática das celebrações são reforçadas em criatividade e compromisso coletivo, como a realização de festivais, quadrilhas, alvoradas, calumbis, que favorecem o desenvolvimento social através de atividades de
turismo cultural como instrumento gerador de divisas, movimento econômico.
Sustentação
O olhar integrado sobre a riqueza sociocultural desse cenário é desafio quando se trata de promover práticas sustentáveis, harmoniosas com o ambiente onde a vida requer cuidado para garantir o equilíbrio entre produção e preservação.
Festa aguardada
Durante todo o ano a população brasileira planeja, escolhe sua programação para se deslocar das grandes metrópoles para estados do Nordeste como Bahia, Ceará, Pernambuco, Paraíba, onde ritmos musicais como o forró, o baião, o xaxado, tocados com sanfona, triângulo, zabumba, embalam as ruas, barracas típicas e espaços privados, especialmente decorados com balões, fogueiras, chapéus de palha, tecidos de chitas.
Riqueza junina
Além da culinária, baseada em grãos como milho, raízes frutas típicas, produção de licores, bolos, canjicas, em profusão cultural, o colorido da Natureza ganha espaço e forma nas vestimentas, decoração pública e brilho no fogo da fogueiras e artifícios pirotécnicos. A fogueira é símbolo sagrado para a comunhão de rituais, compadrio, danças, cantos, em alegria coletiva.
No rastro do Fogo
O documentário "No Rastro do Fogo”, terá apresentação pública, dia 13 de Junho, na Sala Sala Walter da Silveira, Barris, em Salvador, o cineasta e diretor do filme, Guto Peixinho, apresenta um olhar integrado sobre a tradicional "Guerra de Espadas", da cidade de Senhor do Bonfim -Bahia.
Como festejo cultural de grande mobilização popular da cidade, a queima de espadas, tradição anual do dia em 23 de Junho, "não é apenas uma competição lúdica, mas também um espetáculo público nos festejos juninos do interior", diz o cineasta, cujo roteiro resgata a tradição de décadas de comemoração durante a queima das fogueiras de Ramos, onde, nas árvores, são pendurados presentes, defendidos pelos espadeiros. Um ritual de proteção para, no dito popular, " não comer a fogueira crua", ou seja, só pegar os presentes depois que a fogueira queimar o tronco e cair ao chão.
A partir da Guerra/Show de Espadas o filme mostra, através de depoimentos e imagens, a preparação das casas, pessoas e ruas, e o processo de fabricação artesanal das espadas de fogo para a noite de São João. Realizado de maneira independente o curtametragem, em 25 minutos, expõe com sensibilidade e vigor visual, um olhar potente sobre a “Guerra/show de espadas” como prática centenária nas ruas de Senhor do Bonfim, conduzindo o espectador por um território onde a cultura popular se mistura ao risco, à emoção e à luta por reconhecimento.
O filme não apenas registra o espetáculo de luz e som das espadas de fogo nas ruas durante os festejos juninos. Questiona os limites entre tradição e transgressão. E detalha os bastidores do envolvimento e paixão de famílias envolvidas na produção, artesanal do artefato.
Apesar de sua importância cultural, a prática da queima de espadas foi proibida judicialmente em 2017, o que gerou debate sobre a preservação das tradições populares.
Para o diretor do documentário,
cineasta Guto Peixinho, “No Rastro do Fogo” mais que um registro histórico, é uma provocação poética e política sobre o direito de existir e persistir diante uma expressão genuinamente popular. É um filme que gera reflexões e reacende o debate sobre a preservação do patrimônio imaterial brasileiro.
Patrimônio imaterial
Em 2017 foi sancionado pela prefeitura de Senhor do Bonfim, o projeto de lei que transformou a tradicional guerra de espadas em patrimônio cultural e imaterial da cidade.
Realizado de maneira independente o curtametragem “No Rastro do Fogo” tem 25 minutos de duração e foi contemplado no Edital de Licenciamento para exibição em TV Pública pela Lei Paulo Gustavo do Estado da Bahia, 2024.
Na exibição do filme, em Salvador, na Sala de Cinema Walter da Silveira, 13 de Junho de 2025, o debate estará aberto para aprofundar o cenário sobre tradição e caminhos sensatos para rituais com o fogo.
O filme " No Rastro do fogo" tem apoio institucional da Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural do Estado (FUNCEB/SecultBA). O projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo - Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal.
A Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar no 195, de 8 de julho de 2022.
Fogos de artifício
O uso de fogos de artifício com design e efeitos visuais para celebrações, planeta afora, é tradição que passou a exigir novos cuidados em segurança coletiva do ambiente vida.
Ao jornalismo factual, apressado, falta o olhar detalhado, transversal, integrado, sobre a cadeia de informações em torno dos fatos. A mídia, de forma geral, é sensacionalista e em pautas como uso de fogos de artifício nos festejos juninos o foco se restringe a acidentes, queimados, sequelas, e até mostra elevados custos para o Sistema de Saúde, sem apresentar um olhar que aponte alternativas preventivas para valorizar as tradições culturais .
Sobre o sensacionalismo da imprensa há análises de que geralmente são utilizados recortes que ignoram os contextos históricos e sociais. Limita-se a focar nos casos de queimaduras, sem mostrar, por exemplo, as consequências de criminalização bancada pelo Estado, que provocou prisões, condenações, mutilações e violações de direitos humanos.
Proibição
Em cidades da Bahia, o uso de fogos de artifício como a espada, foi proibido, como nas cidades de Cruz das Almas e Senhor do Bonfim.
A partir de 2017, agentes culturais de Senhor do Bonfim vêm realizando, junto aos órgãos públicos, uma série de ações, Brasil afora, para legalizar a atividade através da Associação de Utilidade Pública ACESB, onde segurança na fabricação, indicação de espaços distantes de aglomerações de pessoas, residências e estabelecimentos comerciais, possam ser alternativas para que a volta dos festejos possa ser realizada de forma tranquila, com estrutura adequada para os espadeiros e observadores.
Batalha legal
Segundo informações da Associação Cultural dos Espadeiros de Senhor do Bonfim (ACESB) a entidade vem se consolidando como a principal responsável pela articulação técnica e institucional em defesa da legalização da Guerra de Espadas na Bahia. Criada em 2017, em meio a um cenário de forte repressão à prática dessa manifestação cultural centenária, a entidade tem protagonizado ações concretas e estratégicas para garantir a continuidade da tradição dentro da legalidade, da segurança e do respeito às normas vigentes.
Regulamentação
Um marco decisivo nesse processo, conforme a direção da Associação, foi a assinatura do Termo de Cooperação Técnica com o Sindicato das Indústrias de Explosivos do Estado de Minas Gerais (SINDIEMG), que representa os maiores fabricantes de artefatos pirotécnicos do Brasil. A parceria foi firmada em abril de 2025, durante visita da diretoria da ACESB à cidade de Santo Antônio do Monte (MG), município que é responsável por 96% da produção nacional de fogos de artifício.
Segundo a diretoria da ACESB a cooperação técnica tem como objetivo orientar e apoiar o processo de regulamentação da fabricação das espadas, incluindo a definição de um modelo seguro, a adequação às normas técnicas e a solicitação de autorização junto ao Exército Brasileiro, órgão responsável pelo controle do setor pirotécnico no país.
A comitiva da ACESB também esteve no Centro de Excelência em Pirotecnia do SENAI-MG, o único da América Latina com estrutura voltada exclusivamente ao desenvolvimento e certificação de artefatos pirotécnicos. Também visitaram fábricas referência no país, conhecendo suas rotinas, exigências legais e padrões de segurança necessários para a produção regulamentada.
Fabricação
Com esse suporte técnico, a ACESB planeja se preparar para construir em Senhor do Bonfim a primeira fábrica regulamentada de espadas do Brasil. A proposta, segundo a direção, é assegurar a legalidade e a segurança da prática no sentido de gerar empregos, fortalecer a economia local e posicionar o município como polo nacional na produção legalizada de espadas. Estudioso do assunto Alex ressalta que o Brasil é o segundo maior produtor de fogos de fogos de artifício do mundo. E que não há fábricas de fogos regulamentadas na Bahia e que município de Senhor do Bonfim pode ser o pioneiro.
Reconhecimento
Como resultado desse trabalho, a direção informa que ACESB obteve importantes reconhecimentos institucionais. Em maio, foi sancionada a Lei Estadual nº 14.919/2025, de autoria do deputado estadual Bobô, que declarou a associação de Utilidade Pública Estadual. Pouco antes, a Câmara de Vereadores de Senhor do Bonfim aprovou por unanimidade a Lei Municipal nº 1.806/2025, de autoria do vereador Ary Urbano, reconhecendo a entidade como de Utilidade Pública Municipal.
Essas duas leis, analisam os representantes, são instrumentos fundamentais para fortalecer a capacidade da ACESB em estabelecer parcerias, acessar políticas públicas e estruturar juridicamente seus projetos. A direção acredita que com base nesses reconhecimentos, a entidade poderá avançar em etapas decisivas do processo de regulamentação, como a implantação de uma fábrica de espadas e a certificação técnica do artefato.
Diálogo
Nesse processo de ações pelo reconhecimento da atividade uma reunião foi realizada, dia 16 de maio, no Ministério Público da Bahia, com a presença de representantes da Polícia Militar, Polícia Civil e da Câmara Municipal. Na ocasião, a ACESB apresentou o plano de regulamentação da fabricação das espadas, detalhando etapas e parcerias envolvidas. "O plano foi bem recebido pelas instituições presentes, que reconheceram o esforço da entidade em construir uma alternativa legal, segura e viável para preservar a tradição", declara Alex Barbosa, membro da ACLASB . O encontro reforçou o compromisso com o diálogo institucional, com a segurança pública e com a construção coletiva de soluções para o futuro da Guerra de Espadas.
Parcerias
Além da atuação junto ao setor pirotécnico, a ACESB informou que fortalecido suas relações com o meio acadêmico. Além de firmar parceria com o curso de História da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), a entidade integra a Comissão Mista que elabora o projeto de reconhecimento do São João de Senhor do Bonfim como Patrimônio Cultural da Bahia e do Brasil, incluindo a Guerra de Espadas e outras expressões da cultura popular. Participa, também, de um Grupo de Trabalho com o curso de Enfermagem da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que estuda medidas de mitigação de riscos à saúde pública, promovendo ações preventivas, educativas e a elaboração de protocolos de segurança.
Compromisso social
Nessa trajetória a direção da ACESB acredita que é possível defender a tradição da Guerra de Espadas com responsabilidade, respeito à lei e compromisso com o futuro. Para concluir, a entidade considera que ao invés de apenas resistir à repressão, optou por construir soluções concretas, baseadas em conhecimento técnico, respaldo jurídico e diálogo institucional.
Para o ex-vice prefeito de Senhor do Bonfim, Dr Aurélio Soares
"penso que deve se estabelecer um espaço especial para a prática da queima de espadas assim como existe atualmente para apresentação das bandas de forró".
Para a também bonfinense, Rita de Cássia Costa Luna, Mentora de Carreiras e Consultora Empresarial "Sou contra a proibição, desde que aconteça em locais específicos em horários pré-determinados e a população que gosta de soltar espadas se proteja adequadamente para evitar acidentes graves".
Para o advogado criminalista, Dr Sérgio Reis "a proibição é absurda e não tem base legal. O MP faz uso do art.16 da Lei de Armas, sustentando que a espada junina é um perigoso explosivo! Infelizmente o TJBA acata essa aberração e, com isto, fere a nossa tradição".
Alternativas
Sobre alternativas de áreas a direção da ACESB informa que "temos áreas já identificadas que podem ser locais específicos para a prática. Mas é preciso ser definido em conjunto com MP, Polícia, Bombeiros e Município, levando em consideração diversos aspectos".
Ainda de acordo com informações da diretoria "a principal prioridade da ACESB é viabilizar a regulamentação da fabricação das espadas, etapa indispensável para a legalização da prática. Em reuniões feitas com instituições ligadas à segurança sobre fabricação de fogos a diretoria informou que o "apoio técnico do SINDIEMG, os reconhecimentos conquistados por meio dos títulos de utilidade pública, o acolhimento do plano por parte das instituições públicas e as parcerias firmadas com universidades, a associação consolida uma base sólida que a posiciona na liderança da luta pela preservação dessa manifestação cultural".
Apesar da fabricação, comercialização e queima de espadas seguirem proibidas judicialmente, a ACESB permanece empenhada em encontrar caminhos legais e sustentáveis para garantir que a tradição siga viva, segura e respeitada. A missão é regulamentar, legalizar e manter acesa a chama de uma das mais genuínas expressões da cultura nordestina".
Segundo Alex Barbosa
a ACESB está focada no processo de regulamentação da fabricação. E contam com a Cooperação Técnica, baseada em critérios de segurança e legalidade, com os maiores fabricantes de fogos do país".
Enquanto a fabricação, comercialização e queima de espadas continuam proibidas judicialmente, a ACESB informa estar recomendado, em suas manifestações, que as pessoas não soltem espadas.