Cultura

A FRATERNA OLARIA E OS DOIS EXTREMOS, POR OVIDIO LEMOS FONSECA NETO

Ovidio Lemos Fonseca Neto é advogado, escritor e poeta das horas vagas
Ovidio Lemos Fonseca , Bahia | 10/05/2025 às 16:24
Polarização
Foto: Freepik

O atual cenário sociopolítico no Brasil continua permeado pela dicotomia que se afigura no fenômeno já conhecido como polarização. 

Nesse prisma, percebe-se o crescente poder de sedução do extremismo, como se houvesse uma única fonte da mais pura e cristalina água, onde qualquer outro manancial existente fosse necessariamente contaminado, não havendo ali a menor gota própria para o consumo, de onde nenhuma virtude poderia brotar. A fertilidade das qualidades seria algo exclusivo de um único terreno, sendo tudo mais terra arrasada.

De um ponto de vista mais “flexível”, muitos também são os que admitem beberem de uma água não tão pura assim, mas afirmam categoricamente que as outras fontes existentes são fétidas e inconsumíveis. Tal posicionamento encontra sempre amparo não nas próprias graças, mas sim nas limitações alheias. A assunção das próprias falhas beira ao pecado.

Ponto comum entre os dois cenários apontados é a certeza inequívoca e infalível das convicções dos filiados a cada lado do embate, partidários ou não, como paladinos da verdade em defesa da pátria, como se assumissem posição definida do lado divino em combate ao profano. Esses agentes da vida cotidiana parecem ter os exatos pesos e medidas da balança da justiça, sendo inconteste o cálculo matemático de que as ações de suas agremiações são mais felizes que qualquer outra.

A limitação parece satisfazer os protagonistas de um filme de um ator só, presos em suas produções cinematográficas onde se faz ode ao monólogo. Assim, encontra-se a poesia no discurso milimetricamente comum, feito em escala industrial, como se a troca de ideias e a possibilidade de assimilação de novos pontos de vista custassem a expulsão do Eden. A repetição das narrativas beira ao automatismo. Os novos horizontes são sempre os mesmos.

Não tão raro se encontra algum desses indivíduos que dizem ter feito uma transição transcendental, oriundos de uma ala contrária e que passam a encontrar no lado oposto a verdade absoluta, como finalmente achassem o genuíno caminho para a salvação.

Necessário aqui afastar qualquer ideia de generalização, pois o bom senso e o equilíbrio coabitam em ambos os flancos, sempre havendo aqueles que, mesmo se familiarizando com determinada tendência, observam o campo das possibilidades, admitindo a ideia de construção e reconstrução de conceitos, reconhecendo no outro um campo fértil para colheita de ideias mais maduras e bem selecionadas.

A vida clama pelo diálogo, demandando que venhamos a assumir a falibilidade das ideias rígidas sustentadas a todo custo. Não obstante o fato de ser o caráter moldado por convicções firmes, é necessário também observar que o afastamento da humildade e a ânsia por se ter a razão, no sentido de pertencimento ao “lado certo”, causa atraso e o afastamento das verdadeiras soluções.

Por certo, o extremismo continua contaminando a muitos, como peste que se espalha em cenário pandêmico, em que o antídoto é fornecido pela disponibilidade de desenvolvimento de olhar amplo, não individualista, da aceitação das diferenças e do espírito conciliatório. Não se trata de sujeição ao pensamento alheio, mas da habilidade de convivência com prismas diferenciados.

Muito além de solução política, é preciso pensar no rearranjo do organismo social, onde a polarização afetou, e continua afetando, relações familiares, profissionais, religiosas e tantas outras. Se tal problemática fosse obra de orquestração de alguma força, certamente tal agente teria se apoiado na máxima: dividir para conquistar. 

O contramovimento a tal hipótese seria obviamente a união, ou a reunião, dos pedaços de uma peça quebrada e dividida, como se o oleiro fizesse dos cacos um vaso novo, ainda mais robusto e formoso. Sejamos protagonistas desse longa-metragem de atuação coletiva, dessa grande e fraterna olaria.