Turismo

O ÚLTIMO VAPOR E A ROTA PIRAPORA-BOM JESUS DA LAPA, p WALDECK ORNELAS

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.
Tasso Franco , Salvador | 14/07/2025 às 10:50
Benjamin Guimarães datas de 1913
Foto: Emutur Pirapora

Coube a Minas Gerais, um estado mediterrâneo, guardar uma preciosidade histórica e cultural, o vapor Benjamim Guimarães, construído em 1913, que desde a primeira metade do século passado, realizou o transporte de passageiros e mercadorias, entre Pirapora (MG) e Juazeiro (BA), percorrendo todo o curso navegável do rio São Francisco. Agora, depois de 12 anos parado – cinco deles fora da água – o barco acaba de ser recuperado pela Empresa Municipal de Turismo de Pirapora (EMUTUR), sua atual proprietária. O Benjamim é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.

Fez parte de um lote, denominado Americanos – pela origem de sua fabricação – que foram trazidos ao Brasil para navegar no Pará, onde não se adaptaram, porque tinham fundo chato, tal como usado no rio Mississipi. Ficaram por anos no porto de Belém, até serem adquiridos e incorporados, por companhias diversas, à navegação no rio São Francisco. É o que nos conta Ermi Ferrari Magalhães, fundador e ex-presidente da União dos Barqueiros do Médio São Francisco, em seu importante trabalho documental e histórico “Navegação no Rio São Francisco – da canoa ao último vapor”.

Trata-se, agora, da terceira recuperação por que passa o barco. Não basta, contudo, recuperá-lo repetidamente. É preciso dar-lhe uso. E nobre. Neste sentido, sugiro que se estude a reativação parcial de sua antiga missão. Proponho o estabelecimento de uma rota turística regular, de médio curso, entre Pirapora (MG) e Bom Jesus da Lapa (BA).

No caso de Bom Jesus da Lapa, é uma cidade de turismo religioso, para onde os romeiros se dirigem durante todo o ano, uma devoção que alcança o ápice no início de agosto, quando é realizada a festa do Bom Jesus. Convém não pensar que houve aqui um erro de digitação, para não confundir com os remeiros, palavra também associada ao rio São Francisco e referida àquelas pessoas que, na calha do rio, dependem da atividade de remo para sua subsistência. 

Turismo é o uso que o Benjamim Guimarães passou a ter em Pirapora. Tive a oportunidade de conhecê-lo ainda em suas funções originais, certa noite, em 1974, chegando a Carinhanha. Quando ouvi o seu apito, interrompi o jantar, levantei-me imediatamente da mesa para ir até o porto, aguardar a sua ancoragem.

Esta viagem foi muito marcante para mim, porque era a primeira vez que se realizava, na Bahia, um estudo técnico específico sobre a então Região Administrativa de Santa Maria da Vitória, sob os auspícios de um convênio do antigo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau) com a Fundação CPE, órgão da Secretaria de Planejamento do Estado. Nessa ocasião tive contato com os “gerais”, o que me inspirou, em 1980, já como diretor do antigo Centro de Planejamento da Bahia (Ceplab), a propor o Programa de Ocupação Econômica do Oeste, gênese do atual Matopiba.

Desde então o vale do São Francisco tem passado por grandes transformações. Além da expressiva produção de grãos atualmente existente, a implantação de importantes projetos de irrigação às suas margens, gerando grande produção agrícola. Mas o destaque vai para as várias pontes que o cruzaram, além da tradicional e icônica ponte Presidente Dutra, entre Juazeiro e Petrolina (PE). Na Bahia, em Ibotirama (BR-242), Carinhanha (BR-030) e Barra, além da ponte ferroviária, ainda sem uso, em Bom Jesus da Lapa, como parte da FIOL II. Em Minas, a ponte entre Januária e Pedras de Maria da Cruz (MGC-135). Mais três outras pontes estão em construção no norte de Minas, em Manga, São Francisco e São Romão, todas com mais de 1km de extensão cada, a substituir travessias hidroviárias.

Que a retorno do Benjamim Guimarães – o último vapor – às águas do rio São Francisco possa se tornar um símbolo e um chamamento ao restabelecimento da hidrovia, um importante componente da logística ao longo desse curso d’água, voltando a interligar Pirapora a Juazeiro, para restabelecer um meio de transporte que nunca devia ter sido interrompido, não fora a submissão absoluta do Brasil ao rodoviarismo.