Numa roda de capoeira, o lugar do coletivo está sempre garantido. Partindo dessa premissa, o curso "Capoeira - Educação para a Paz", que tem início no próximo dia 30, segunda-feira, às 14h, com uma palestra da educadora Fátima Freire Dowbor, no Forte de Santo Antônio Além do Carmo, tem como principal objetivo formar capoeiristas-educadores.
"A capoeira tem princípios ancestrais, como o respeito mútuo, o respeito aos mais velhos, ao espaço e ao corpo do outro, que são importantes para assegurar a preservação da paz nas relações étnico-raciais", observa a historiadora Vanda Machado, idealizadora do curso e coordenadora do projeto Irê Ayó, da Secretaria de Cultura do Estado, em parceria com a Secretaria de Educação/Instituto Anísio Teixeira, que visa abrir espaço nas escolas para inclusão da cultura afro-brasileira nas escolas.
O curso "Capoeira - Educação para a Paz" vai aproximar o caráter dialógico e inclusivo da capoeira a vivências pedagógicas colaborativas como a metodologia do "círculo de cultura", desenvolvida pelo educador Paulo Freire. O tema será abordado por sua filha, a também educadora Fátima Freire Dowbor, na aula inaugural, com a palestra "Quem educa marca o corpo do outro".
O evento também contará com a apresentação do artista senegalês Doudou Coumbua Rose, que vai pedir a benção aos Mestres que ocupam o Forte de Antônio Além do Carmo, reduto histórico da luta e resistência de diversos grupos de capoeira em Salvador, agora sob gestão do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac/Secult).
Inicialmente, serão capacitados 80 capoeiristas, em duas turmas de 40 alunos, que assistirão aulas dos 30 módulos do curso. "Os capoeiristas-educadores serão multiplicadores, já que indiretamente atingem mais de 1,6 mil pessoas através de suas atividades com alunos em outros bairros e escolas da rede de ensino de Salvador", observa Machado, que insere a iniciativa dentro dos esforços de aplicação da Lei Federal Nº. 11.645/2008, que institui a obrigatoriedade do tema "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena" no currículo oficial da rede de ensino no Brasil. A realização deste curso deverá ser uma ação permanente, ao longo do ano, no Forte de Santo Antônio.
A roda de capoeira, defende Vanda Machado, é uma síntese do que pretende essa lei: "Precisamos fazer com que a gente veja o Brasil cirandado, ou seja, que o branco veja o negro e o índio, que o negro e o índio se vejam e vejam o branco, sem hierarquias", observa, destacando que é preciso redimensionar o papel do índio e do negro na história do país. "A capoeira tem um papel estruturante dentro desse processo porque é uma luta que tem como princípio a defesa, e não o ataque, através do jogo e do lúdico".
De acordo com o secretário de Cultura, Márcio Meirelles, essa é uma iniciativa de fundamental relevância para re-configurar outras formas de educação e de relações entre negros e não negros. "Nós sabemos que, historicamente, os dispositivos jurídicos para o povo negro impediram a sua cidadania plena e o acesso aos bens sociais em nosso país", explica.
Autonomia e solidariedade
Entre os temas que serão tratados no curso "Capoeira - Educação para a Paz", estão o estudo da capoeira como um saber ancestral, a partir de uma perspectiva histórica; a criação de cantigas e de instrumentos; e a compreensão da saúde como um bem individual e coletivo. Os capoeiristas também terão aulas de elaboração de projetos, o que visa dar mais autonomia a esses profissionais na hora de disputar recursos públicos, a exemplo dos editais estaduais e federais, para suas atividades.
A solidariedade e a relação entre capoeira e inclusão também têm destaque no conteúdo do curso. "Vou levar o educador-capoeirista a refletir sobre a inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais, para que todos sejam acolhidos no jogo", conta Maurício José Teixeira, o Mestre Louro, responsável pela inclusão da capoeira no currículo da APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, onde cerca de 200 alunos com Síndrome de Down jogam capoeira respeitando sua formação física e corporal.
Inscrições abertas
As inscrições para o curso já estão abertas. Para participar, eles precisam ser indicados por outros mestres, de diferentes bairros e escolas de capoeira da cidade de Salvador e região metropolitana. As aulas serão realizadas de segunda à sexta-feira, das 14h às 18h, no Forte de Santo Antônio Além do Carmo. A previsão é que a primeira turma receba o certificado no dia 15 de agosto.
Programação
15h - composição da roda de conversa
15h15 - Canto Africano - pedido de benção dos Mestres com o artista senegalês Doudou Coumbua Rose
15h30 - fala dos gestores públicos
16h - aula inaugural com Fátima Freire
17h - Roda de Capoeira
17h30 - Ajeun (merenda)