A comunidade do 2 de julho, no centro de Salvador, rejeita o projeto da Fundação Mário Leal Ferreira de mudar o nome da localidade para Santa Tereza e, mais ainda, do termo “humanização” utilizado pelo órgão, para definir a proposta.
Foi o que ficou evidente durante a audiência pública conjunta Câmara Municipal-Assembleia Legislativa, realizada na noite dessa quinta-feira, 12, no Centro de Cultura da CMS. Demonstrando insatisfação, os representantes da área repetiram em coro: “Meu bairro é 2 de Julho”, diante da apresentação feita pela equipe técnica da autarquia, ligada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente (Sedham).
Moradores e frequentadores lotaram o auditório para defender a melhoria dos serviços públicos, com a preservação da identidade do bairro, famoso pelo comércio informal. Questionaram ainda, além da mudança do nome, a falta de consulta popular, de estudo de impacto de vizinhança e de adequação ao Estatuto das Cidades.
Organizada pela vereadora Marta Rodrigues (PT), presidente da Comissão de Reparação, em parceria com a deputada Maria del Carmen (PT), coordenadora da Subcomissão Especial de Desenvolvimento Urbano da Alba, o encontro foi precedido de visita ao bairro, com a presença do relator nacional do Direito Humano à Cidade, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, Leandro Franklin Gorsdorf.
A entidade é uma articulação nacional de 36 movimentos e organizações da sociedade civil. A atividade contou, ainda, com apoio da Sociedade Brasileira de Urbanismo e do Movimento Desocupa.
Legislação ignorada
No final do debate, o relator apresentou uma radiografia preliminar, mas contundente, antecipando alguns pontos do relatório final, a ser apresentado em 30 dias. Segundo Gorsdorf, o projeto ignora as diretrizes da legislação, como PDDU e Estatuto da Cidade, bem como os direitos da população.
Ele sugeriu a formação de uma comissão de acompanhamento das ações do projeto, que deve ser apresentado no bairro e não, como foi, na Associação Comercial. “A população local não pode ser esquecida, é protagonista neste processo", defendeu.
A comunidade está preocupada com a ameaça da retirada dos moradores para dar lugar a empreendimentos de luxo. “Eles só deverão sair se quiserem, frisou o relator. A procuradora Hortênsia Pinho, do Ministério Público, deixou claro que os encaminhamentos da audiência servirão de base para processo que o órgão abrirá com o objetivo de apurar os trâmites seguidos pelo projeto.
Urbanista, Laila Mourad disse não ter dúvidas sobre o início do processo de sucateamento e especulação imobiliária há alguns anos, para desvalorizar e esvaziar o bairro e entregá-lo à iniciativa privada. Ivana Chastinet, moradora do bairro, tratou o plano da FML como um “shopping center”: “O que querem fazer não é um bairro, porque bairro tem vida”.
Historiadora e moradora do 2 de Julho, Wlamira Albuquerque foi categórica: “Não queremos ser coadjuvantes desse processo”. Coordenador do Movimento Desocupa, o arquiteto Ícaro Vilaça, frequentador assíduo do bairro, protestou: “A prova de que o projeto é comercial é que antes de ser discutido com a comunidade foi apresentado aos empresários, na Associação Comercial, e na Espanha”.
Participaram da mesa, ainda, Ubiratan Castro, representando o governo estadual; Socorro Fialho, da Sedur; Beatriz Lima, do Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador; a defensora pública Melina Teixeira; Maria Carmen, presidente da Associação de Moradores, e Cassilda Povoas, moradora.