Alguns órgãos do deputado Clodovil Hernandes serão doados, informa a direção do hospital em Brasil onde já foi confirmada sua morte cerebral.
Na Bahia, o líder histórico do movimento gay brasileiro, o antropólogo Luiz Mott analisa a trajetória do ex-deputado federal Clodovil Hernandes (PR-SP), que teve morte cerebral anunciada na tarde desta terça, como a de um "gay alienado e exibicionista". Mott critica o "desperdício" da intelegência do estilista num "projeto de vida furado".
Nascido em 7 de junho de 1937, em Elisiário, cidade a 402 km de São Paulo, Clodovil foi adotado por um casal de origem espanhola, Domingos Hernandes e Izabel Sanches Hernandes. Não conheceu seus pais verdadeiros e estudou em colégio interno. Homossexual assumido, não casou e nem teve filhos.
Estilista de alta costura, ator, cantor, apresentador de TV e professor primário, Clodovil iniciou a carreira política quando se filiou ao PTC, em 2005. Em 2006, foi eleito deputado federal por 493.951 votos, terceira maior votação do estado de São Paulo, para a legislatura de 2007 a 2011. Era seu primeiro mandato na Câmara.
Segundo ele, resolveu se candidatar depois de descobrir que estava com câncer na próstata - ele dizia que foi um "insight".
Na posse, entrou na chapelaria da Câmara dos Deputados vestido à moda antiga, como os antigos senhores de engenho da era colonial: terno creme, sapato marrom e branco, chapéu e bengala.
"É uma coisa retrô, uma roupa praticamente do passado, mas só porque eu queria que as pessoas vissem e entendessem que eu tenho muita saudade do Brasil como ele foi. Eu vou disseminar uma coisa aqui, além de elegância e das atitudes: a idéia de que a gente se transforma no que a gente quiser", afirmou à época.
Mudança de partido
Em setembro de 2007, Clodovil deixou o partido para ingressar no PR. O deputado foi acusado de infidelidade partidária e absolvido, na última quinta-feira (12) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em votação unânime, os ministros entenderam que o parlamentar não desrespeitou a legislação eleitoral ao deixar o PTC.
Clodovil alegou que trocou de partido por ter sido perseguido e também porque houve total abandono e "conduta antiética" da legenda pela qual foi eleito em 2006, com 493.951 votos, além de mudanças nos ideais do PTC. "Tenho certeza que 500 mil votos não podem pertencer ao partido, e sim a pessoa", destacou o deputado durante entrevista.
Após ser absolvido, Clodovil disse que fez sua campanha para as eleições de 2006 "com o coração". "Não gastei nada na minha campanha. Essas campanhas milionárias são sempre suspeitas. Eu fiz com o meu coração, mas antes disso trabalhei 40 anos", afirmou em tom de desabafo, após ter garantido seu mandato.
Apesar disso, o deputado afirmou que sua absolvição não é motivo para felicidade. "Não posso ficar feliz. Não é uma situação que traga felicidade. Sou feliz quando ajudo os pobres, quando cuido do povo que me colocou aqui", completou.
Atuação na Câmara
Na Câmara, participou das comissões permanentes de Direitos Humanos e Minorias, Educação e Cultura, de Relações Exteriores e de Defesa Nacional como titular, e participou como suplente da comissão de Seguridade Social e Família.
Em sua legislatura, apresentou 55 propostas, que iam desde temas ligados a infraestrutura, como o funcionamento de portos, até o controle de produtos para crianças.
Entre os projetos apresentados por Clodovil como deputado federal, foram aprovados em comissões: o de número 206/07, que autoriza o enteado a adotar o nome de família do padrasto; o projeto 2374/07, que inclui entre os exames que devem ser oferecidos ao trabalhador pelo empregador o exame de próstata para homens a partir de 40 anos.
Ele também foi autor da proposta de emenda constitucional (PEC) 280/08, que pretende diminuir o número de deputados federais de 513 para 250. A proposta tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em relação a esse tema, Clodovil propôs realizar um plebiscito para que os brasileiros respondam se são a favor ou contra a redução do número de deputados.
Homossexual assumido, Clodovil apresentou o projeto 580/07 para regulamentar a união civil de pessoas do mesmo sexo e, como filho adotivo, propôs que fosse criado o Dia da Mãe Adotiva. Ele também apresentou um projeto para obrigar o Estado a dar tratamento médico e psicológico imediato às vítimas de violência sexual.
Televisão e moda
Antes de ingressar na política, Clodovil foi professor primário, fez teatro, construiu longa carreira na televisão e foi estilista de sucesso.
Um de seus primeiros trabalhos na televisão foi no início da década de 80, quando apresentou o "TV Mulher", da TV Globo, voltado para o público feminino.
Na época, dava dicas de moda e desenhava modelos ao vivo. Ele dividiu o cenário com a jornalista Marília Gabriela e com a sexóloga Marta Suplicy, que também ainda não tinha entrado para a política.
Saúde
Em junho de 2007, o estilista, apresentador de TV e deputado federal havia sofrido um acidente vascular cerebral hemorrágico (AVC) de "leve intensidade".
Clodovil estava em Brasília quando sentiu uma dormência no lado direito do corpo e dificuldade em mexer as mãos. Ele voltou para São Paulo, onde ficou internado no Hospital Sírio-Libanês. O derrame foi uma decorrência, de acordo com os médicos, de um quadro de hipertensão arterial sistêmica.
Um mês antes, em maio de 2007, o deputado havia se internado na Clínica Santé para descansar. Após passar por avaliação clínica e teste ergométrico (eletrocardiograma de esforço), os médicos descartaram a necessidade de submetê-lo a cirurgia.
Clodovil também foi internado na Clínica Santé no final de março, com sintomas de dengue. Exames, no entanto, indicaram que ele não teve a doença.