Durante toda a manhã desta quarta-feira (19), uma audiência pública promovida pelo deputado estadual Yulo Oiticica (PT) debateu a relação entre os territórios indígenas Pataxó Hã-Hã-Hãe no sul da Bahia, no município de Pau Brasil, e a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Com a participação de várias tribos e entidades ligadas à causa indígena, a audiência tomou como principal encaminhamento um manifesto pela nulidade dos títulos de posse dos invasores do território Pataxó Hã-Hã-Hãe pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O povo Pataxó Hã-Hã-Hãe luta há 26 anos pelo direito de voltar a viver em suas terras tradicionais. O processo julgamento do STF ocorrerá na próxima quarta-feira (26/11), em Brasília.
Além de parlamentares e caciques das tribos, Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe e Tuxá, a audiência também reuniu o procurador geral do estado, Sílvio Avelino, o advogado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Paulo Machado Guimarães, o coordenador da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Paulo Santilli, o membro da Comissão Executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Uilton Tuxá, o diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI), os antropólogos Maria Hilda e Ordep Serra.
Raposa Serra do Sol
Segundo o deputado estadual Yulo Oiticica há uma enorme relação entre o julgamento dos índios Pataxó Hã-Hã-Hãe e a demarcação das terras indígenas em Raposa Serra do Sol. "A decisão favorável aos Pataxó Hã-Hã-Hãe na Bahia criará uma jurisprudência para a conceituação do significado constitucional de território e povos indígenas. Sem dúvida, a discussão sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol passa pela Bahia", explicou Yulo.
Para o advogado do CIMI, Paulo Machado Guimarães, os ministros acolheram com atenção os índios Pataxó Hã-Hã-Hãe. "Os ministros sabem que o que está em jogo não é simplesmente o território Pataxó Hã-Hã-Hãe, nem o caso de Raposa Serra do Sol. Está em jogo a garantia do respeito às diferenças e as minorias", argumentou Guimarães. Já Paulo Santilli da Funai se restringiu a criticar a reação de setores isolados, mas poderosos economicamente, de impedirem judicialmente o início dos estudos que irão demarcar os territórios indígenas no país.
PGE
Depois de duras criticas dos caciques Gerson e Ilza Pataxó, o procurador Silvio Avelino argüiu que a posição do PGE no STF ocorreu por um erro histórico no início da década de 80 por órgãos federais, a exemplo do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que outorgou aos fazendeiros o direito sobre as terras indígenas.
A estudante de direito, Patrícia Pataxó disse que o PGE não pode se eximir da responsabilidade histórico que possui e se "não fosse a preocupação do deputado Yulo Oiticica, a luta indígena no estado seria varrida para debaixo do tapete". Explicou ao procurador geral, que não tem explicação à vexatória e preconceituosa argumentação do representante do Estado em Brasília, que "assumiu em público a ineficiência do Estado na garantia do direito a segurança dos povos indígenas na região".
O deputado Yulo Oiticica reforçou o pronunciamento de Patrícia Pataxó, e disse que esteve em Brasília e ficou surpreso com o discurso terrorista e preconceituoso do procurador, sem qualquer sintonia com a posição apresentada na Conferência Estadual de Direitos Humanos pelo governador Jacques Wagner.
Histórico
Os Pataxó Hã-Hã-Hãe possuem uma história marcada por perseguições, intolerâncias e mortes. Em 1926, o então Serviço de Proteção ao Índio (SPI) demarcou uma área de 300 km² para os indígenas e os colocou aldeados. A partir daí, começaram os conflitos com fazendeiros e em 1937, a área foi reduzida e homologada. Na década de 1940, o SPI iniciou a prática ilegal de arrendamento das terras indígenas aos fazendeiros. Estes fizeram com que alguns índios trabalhassem para eles e mataram muitos outros. Os que sobreviveram se espalharam. Entre 1976 e 1980, os governadores da Bahia, Roberto Santos e Antônio Carlos Magalhães, distribuíram títulos de propriedade aos fazendeiros arrendatários.
Algumas famílias indígenas conseguiram resistir em seus territórios como a da liderança Samado, na localidade de Panelão. Outras, que tinham se dispersado, iniciaram, a partir de 1982, o processo de retomada de suas terras numa área de cerca de mil hectares, invadida pelo proprietário da fazenda São Lucas. Na mesma época, a Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou com a ação na justiça, pedindo a declaração de nulidade dos títulos de propriedade emitidos para os fazendeiros. Em novembro deste mesmo ano, a ação já estava no STF, onde se encontra aguardando decisão definitiva até hoje. Atualmente a comunidade ocupa apenas 18 mil dos 54 hectares reivindicados.
"Muitos parentes que passaram por essa luta já se foram assassinados na disputa pela terra. Já perdemos mais de 20 lideranças", relatou Ilsa Pataxó Hã-Hã-Hãe, cacique do seu povo. "Queremos viver em paz. Nossos filhos terem a segurança de que vamos sair e voltar para casa. O povo tá cansado. Por isso pedimos a anulação desses títulos pra que a gente possa viver em paz na nossa terra", complementou Reginaldo Pataxó Hã-Hã-Hãe.