Já escrevi neste Ponto de Vista duas crônicas intituladas "Verdades Que Enganam" revelando que, na Bahia, especialmente em Salvador, persistem alguns mitos estabelecidos pelas autoridades e outros, com consentimento de setores da mídia, os quais, vão se mantendo no pódio apesar de serem irreais. Vários são, entre eles, dizer-se que "Salvador é a capital do desemprego", que tem "80% de afro-descendentes", que o "Carnaval abriga 2.200.000 nas ruas".
A re-eleição de João Henrique, como de certa maneira já aconteceu em 2004, ajuda a quebras esses mitos, um deles colocado no plano político, dando conta de que Salvador tem um eleitorado majoritariamente de esquerda, ou é uma cidade que tem eleitorado predominante socialista de esquerda. O que se viu, mais uma vez durante a última eleição foi um eleitorado preferencial de centro-direita.
Já no primeiro turno isso ficou bem claro, os candidatos centro-direita (João -30.97%; ACM Neto - 26.68%; Imbassahy 8.36%) somaram 66.01% dos votos válidos dos 1.300.000 eleitores que foram às urnas; enquanto os candidatos centro-esquerda (Pinheiro - 30.06%; e Hilton - 3.94%) atingiram 40% dos votos. Mesmo no segundo turno, quando há uma mistureba geral e parte do eleitorado da esquerda vota na direita; e vice versa, ainda assim, João obteve 58.46% dos votos contra 41.54% de Pinheiro.
Essa é a realidade e não adianta querer ficar vendo chifre em cabeça de cavalo. Fato, aliás, que já havia acontecido em 2004, quando João (PDT) obteve 43% dos votos válidos no 1º turno e deixou César Borges (PFL) e Nelson Pelegrino (PT), respectivamente, em 2º e 3º lugares, emparelhados, na casa dos 25% dos votos. E, o que foi ainda mais sintomático na dicotomia esquerda-direita foram dois candidatos da direita para o 2º turno.
Há de se dizer e justifica-se que Lula, nas duas últimas eleições para presidente, e Wagner, na eleição de governador, em 2006, obtiveram expressivas votações em Salvador, com Lula beirando a casa dos 90%. Ora, são realidades distintas. O eleitorado de Lula não se pautou pela ideologia tradicional da esquerda e direita, e sim pelo movimento trabalhador amplo geral e irrestrito, entendendo-se o trabalhador nos três níveis sociais e de escolaridade.
O caso de Wagner deve ser visto pela ótica da mudança, da fadiga de materiais do time de ACM e da anti-perpetuação do "carlismo" que já estava no poder desde 1991, sem considerar alguns anos das décadas de 1970/1980, e extravasou os limites dessa conceituação esquerda-direita, estratificada de forma muita clara pelas forças de apoio a Pinheiro e Hilton nas últimas eleições.
Outro mito quebrado por João, isso também ocorreu em 2004, aponta que a negritude expressa em conceitos de poder, da sua pujança eleitoral, e o povo-de-sangue e negro desta cidade tem um poder de fogo limitadíssimo nas eleições de Salvador. Com esse viés, e a eleição da vereadora Olívia Santana (PCdoB) encarna um pouco desse sentimento, sua força se limita ao âmbito da Câmara de Vereadores e não mais do que isso.
A eleição majoritária de Salvador não é pautada, como se faz crer nas tais "Verdades que Enganam" por essas vertentes conceituais, ainda minoritariamente ideológicas. Veja o caso da eleição do travesti Leo Kret do Brasil: a população lhe conferiu mais de 12 mil votos numa atitude de irreverência, de certo modo dentro do espírito do deboche baiano já citado em letra musical por Luis Caldas, ela (ela) que é uma autêntica indo-euro-afro-descendente, com matrilínea predominante afro, mas, distante das causas afro e gays das cartilhas Ilê Aiyê e outros, e do GGB.
Mais um mito destruído por João (também aconteceu em 2004) é de que a força da religião como segmento definido dentro de uma determinada seara de predomínio, não existe. Candidato católico e/ou candidato protestante; e/ou candidato vinculado ao candomblé e/ou ao espiritismo tanto faz como tanto fez para a grande maioria da população. João é crente e está aí reeleito na cidade que, supostamente, é uma das mais católicas do país.
Curioso esse fato inclusive porque todos os candidatos, exceto Hilton, foram beijar o anel cardinalício de dom Geraldo Majella, o arcebispo primaz do Brasil. Tratou-se, evidentemente, de um gesto de reverência à autoridade maior da igreja católica no Brasil e que entra para os anais da política pelo inusitado. Como no candomblé não existe uma mãe de santo autoridade máxima, cada uma tem seu poder espiritual de acordo com sua nação ancestral (jeje, angola, etc), e o mesmo acontece com os evangélicos e os espíritas, dom Geraldo, de certo, foi encarnado como uma autoridade ecumênica para todos.
Conclusão: o eleitorado de Salvador é insubmisso e segue a regra-geral (não ideológica) de eleger aquele que considera melhor para seus anseios imediatos.