Política

PERFIL DE ACM NETO SEGUNDO MATÉRIA PUBLICADA NO VALOR ECONÔMICO

A reportagem é de Paulo de Tarso Lyra e Raquel Salgado
| 03/04/2008 às 11:39
Protegido por santinhos, figa e um crucifixo pendurados em duas correntes, uma de ouro e outra de couro. É assim, com muita fé e ainda pouco apoio político, que Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM) vai disputar a cadeira de prefeito de Salvador e levar em frente a missão de reerguer o partido de seu falecido avô no Estado.


Aos 29 anos, esse será o primeiro cargo majoritário ao qual Neto concorrerá. Por enquanto, o DEM não fechou aliança com nenhum outro partido e o apoio mais expressivo recebido por Neto veio há pouco tempo, por parte do ex-governador da cidade Paulo Souto. O jovem, que foi eleito deputado federal pela primeira vez com 400 mil votos em 2002, aos 24 anos, não parece intimidado com a disputa. "Participar do pleito já será um ganho para o partido", acredita Neto.


O baiano "respira política" desde que nasceu. Quando pequeno, costumava se apresentar a desconhecidos sempre de maneira muito formal. Dizia: "Prazer, sou Antonio Carlos Magalhães Neto, neto do governador Antonio Carlos Magalhães."


Um pouco mais tarde, por volta dos oito anos, já lia o jornal de cabo a rabo todos os dias e, por estar sempre atento aos problemas do prédio onde morava e interessado em colocar ordem no local, ao invés de brincar com as crianças de sua idade, foi eleito síndico-mirim. Na mesma época, ajudava nas campanhas do avô. Ao lado dos pais, participava de comícios e distribuía santinhos.


Com a morte de seu tio, o senador Luís Eduardo Magalhães, Neto passou a atrair as atenções do avô, antes voltadas quase que exclusivamente ao filho. O apoio de ACM e o sobrenome conhecido foram essenciais para a expressiva votação que Neto recebeu em 2003.


Em fevereiro de 2003, chegava à Câmara com a maior votação recebida por um deputado baiano até então - 400.275 votos. Era seu primeiro mandato e o sobrenome famoso pesava nas costas. Na campanha, foi essencial para buscar votos em um Estado onde seu avô se orgulhava em dizer que "elegeria um poste, se assim quisesse". Em Brasília, contudo, as condições eram diferentes. O PT chegara ao poder, empurrando, pela primeira vez em sua história, o PFL (hoje DEM) para a oposição.


Cinco anos depois, em 2008, contrariando todos os prognósticos, ACM Neto é escolhido, por unanimidade, líder da bancada na Câmara - um acordo interno impediu a disputa no voto com o ruralista Ronaldo Caiado (GO). Um feito complicado, já que não está mais apoiado na influência do avô - morto em julho de 2007. "Ele chegou porque tem méritos. Se não os tivesse, era o momento propício para expurgar o sobrenome da cúpula partidária", declarou o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN).


O próprio ACM Neto, um pouco mais de 1m60, cabelos sempre penteados com gel e gravata de nó largo, reconhece que chegou ao Congresso num misto de "expectativa, curiosidade e preconceito". Recebeu até apelido: grampinho, baseado em outra acusação que pesava contra seu avô - a de grampear os inimigos políticos locais.


Sua eleição o tornava o único sucessor político viável da família. "Me soltaram numa floresta, eu tinha que sair dela", resumiu o deputado. "É um jovem extremamente talentoso", confirmou o vice-líder do DEM na Casa, José Carlos Aleluia (BA), formado nas entranhas do carlismo mas que andou se afastando do clã em alguns momentos.


"Ele tem uma característica rara em alguém tão jovem: senso crítico para avaliar os erros do velho (senador ACM) e construir seu próprio caminho", completou Agripino Maia. Mas independência necessita de esforço e ACM Neto, disposto a ser algo além de um mero filhote político, resolveu se debruçar sobre o regimento interno da Casa.


Foi indicado, ainda em 2003, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e debateu com o governo as reformas da Previdência e tributária. Como parlamentar, relatou, em dezembro do ano passado, um projeto na CCJ que busca legalizar a profissão de prostituta e tem em mãos um projeto que altera o Código Civil, definindo, entre outros pontos, a união civil estável entre pessoas do mesmo sexo. ACM Neto foi eleito, pelo grupo Gay da Bahia, o "parlamentar mais gato" da CPI dos Correios.


Neto era um fiel interlocutor do chefe da Casa Civil, José Dirceu. Conversavam com freqüência e o pefelista, em vários momentos, ajudou o Planalto a aprovar as emendas constitucionais que passavam pela Casa. "É verdade, nós tínhamos um bom relacionamento", relembra. Mas também ajudou a emperrar a reforma tributária, quando os assuntos da Bahia começaram a entrar em jogo, especialmente o debate sobre o Fundo de Desenvolvimento Regional e o debate se os recursos deveriam ser administrados pelo Banco do Nordeste (BNB) ou pelos governadores estaduais.


O rompimento com Dirceu começou com o caso Waldomiro Diniz e solidificou-se na campanha para a Prefeitura de Salvador, em 2004: o senador ACM reclamou que o governo federal apoiara ostensivamente o petista Nelson Pellegrino, prejudicando a candidatura do pefelista César Borges. As urnas acabaram elegendo o pedetista - hoje no PMDB - João Henrique, na primeira grande derrota do carlismo na Bahia.


Veio 2005 e ACM Neto entrou na primeira "grande escola política" de sua curta carreira, como define: a CPI dos Correios, que apurou o mensalão. Nomeado pelo presidente da comissão, Delcídio Amaral (PT-MS), sub-relator de fundos de pensão, teve que encarar um assunto árduo, com o qual não tinha nenhuma intimidade. Trocou a vida de recém-casado por longas noites em claro e fins de semana em Brasília. "A política é uma profissão muito injusta para a família", reconhece. "Eu o indiquei porque, ao longo dos trabalhos da CPI, ele começou a demonstrar um grande interesse pelo assunto", elogiou Delcídio.


Neto sabia que estava diante de uma grande vitrine. "A atuação dele foi intensa e midiática. É claro que o fato de a família ser dona de uma retransmissora da Globo na Bahia ajudou ainda mais nessa performance", provoca a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC). Além do relatório sobre os fundos de pensão, foi dele, por exemplo, a denúncia de que a GDK dera um Land Rover para o então secretário-geral do PT Sílvio Pereira.


É dessa época também um dos maiores arrependimentos de sua ainda curta experiência parlamentar: Neto ameaçou dar um murro no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando surgiram denúncias e suspeitas de que parlamentares de oposição estariam sendo grampeados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). "Eu me arrependo disso. Se acontecesse hoje, eu contaria até dez. Mas era um momento de radicalismo excessivo, uma sensação de que poderíamos e deveríamos ir até as últimas conseqüências para não deixar nada acobertado", relembra.


"O Neto será um grande parlamentar quando abandonar esses arroubos emocionais. Como líder de bancada, você é catalisador, não pode chutar o pau da barraca sempre", ensina Delcídio.


Finda a CPI, ACM Neto voltou-se às suas bases para buscar a reeleição. Conseguiu, até com mais votos do que 2002: 436.966. Mas ele não sabia que os dez meses seguintes (outubro de 2006 a julho de 2007) seriam o inferno astral do grupo. Internamente, o grupo político começava a se esfacelar e muitos aliados, que eram considerados fiéis, migraram para a base petista, local e nacional. "Depois de tanto tempo no poder, os vícios passam a superar as virtudes".


Esse esvaziamento fica explícito em números. Ao longo do primeiro mandato do presidente Lula, o PFL perdeu 32 parlamentares, todos para partidos da base . Neste período, três pefelistas baianos aderiram ao governo.


O êxodo neste segundo mandato não terminou. Até agora, cinco deputados cansaram de ser oposição e viraram governo, sendo três baianos - José Rocha, Jusmani Oliveira e Tonha Magalhães, todos filiados ao PR. No Senado, César Borges, que concorreu à prefeitura em 2004, reclamou de falta de espaço interno na legenda, também migrou para o PR.


Depois da derrota nas urnas para o petista Jaques Wagner, ACM começou a ter graves problema de saúde, internações freqüentes e sucessivas até que faleceu no dia 20 de julho de 2007. "Se você rebobinar o filme, olhar para trás, é de assustar. Em menos de um ano, perdemos o governo, parte de aliados e o principal líder político do grupo. Nesse meio tempo, eu sofri um acidente de carro e tomei uma facada no meio da rua".


Agora, de olho nas eleições municipais, ACM Neto quer mostrar que o carlismo não morreu. Mas está repaginado. Como de resto o seu partido, o Democratas, que passa por um intenso processo de renovação e troca de gerações nos postos de comando. ACM Neto aposta em uma boa atuação na liderança do partido. Já convocou os técnicos do DEM para, por exemplo, esmiuçar, ponto a ponto, a nova reforma tributária encaminhada pelo Executivo.


Sonha em ajudar o partido a repetir, nesse ano, o desempenho do ano passado, quando tornou-se o principal contraponto ao aumento da carga tributária do país, culminando com a derrubada da CPMF. Quer, ainda, unir a legenda, diminuindo as tensões internas. "O DEM precisa se consolidar em 2008 para chegarmos fortes em 2010", projeta o baiano.


"Agora ele terá que mostrar que pode ser um candidato forte mesmo sem a presença do avô", diz Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Nacional. Geddel e Neto têm se aproximado nos últimos tempos. Antes inimigo declarado de ACM, distante de seu neto, mas com contato com Luís Eduardo, Geddel agora já foi entrevistado pela TV Bahia, da família Magalhães, e aceitou convite de Neto para ir ao camarote da rede em um festival de música.


"Com a morte do senador, é como se um ponto fosse colocado na política baiana. A divisão entre carlistas e não-carlistas deixa de existir", explica o deputado federal. Para ele, hoje há diferentes forças políticas na Bahia que dialogam entre si e "elas construirão um novo desenho político no Estado".


Além da maior presença na televisão, Neto tem feito, nos fins de semana, caminhadas pela cidade e pelo interior, além de inúmeras reuniões com prefeitos e lideranças comunitárias. A presença do deputado não se restringe apenas à Brasília e à Bahia.


Ele tem mantido conversas com os governadores de São Paulo e de Minas Gerais, José Serra e Aécio Neves. E já colocou na rua seu figurino mais brando. Com a fala mansa e usando uma camisa pólo para fora da calça, Neto evoca um ar mais despojado. Durante a entrevista, em seu escritório em Salvador, come alguns pedaços de abará (bolinho típico baiano) com vatapá e camarão em cima da mesa de trabalho onde convivem a bíblia, uma imagem de Nossa Senhora, um colar dos Filhos de Gandhi - bloco de música afro - e um olho grego para espantar mau olhado.
 
Disputa na BA desafia aliança Wagner-Geddel
Raquel Salgado
02/04/2008
A primeira disputa eleitoral na Bahia sem a presença do senador Antonio Carlos Magalhães, embaralhou as alianças políticas no Estado. Será a primeira prova de fogo para a aliança dos novos caciques da política baiana, o governador Jaques Wagner (PT), e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB).


O ministro aposta todas as suas fichas na reeleição do prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro (PMDB), contra o qual se lançarão o ex-prefeito Antonio Imbassahy (PSDB), rompido com o carlismo e em rota de aproximação com o governador petista, além do deputado federal Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM).


Com um eleitorado mais avesso ao carlismo do que o resto do Estado, Salvador reelegeu um prefeito apenas uma vez desde a redemocratização e nem sempre vota no candidato apoiado pelo governo do Estado. O que está em jogo é muito mais do que a cadeira da Prefeitura de Salvador. O arranjo das forças políticas - que agora estão bastante pulverizadas - será essencial para a definição do cenário do pleito de 2010.


Os partidos mais à esquerda no espectro político, como o PSB, PCdoB e o próprio PT, podem lançar candidatos próprios, respectivamente: Lídice da Mata (ex-prefeita e atual deputada federal), Olívia Santana (vereadora) e Nelson Pellegrino (deputado federal).


A expectativa do DEM é que a fragilidade do atual prefeito, mal avaliado pela população, possa ajudar o partido a estancar ou pelo menos amenizar a sangria vivida pelo partido na Bahia desde 2004, quando perdeu a capital.


O PT, por sua vez, precisa se fortalecer para as eleições estaduais, mas ainda não definiu suas fichas este ano. Está entre a candidatura própria do deputado Nelson Pellegrino (PT), o apoio a João Henrique, ou aliança efetiva com o PSDB de Imbassahay. Esta última opção, além de selar o esfriamento das relações entre Wagner e Geddel, colocaria o governador no mesmo rumo aberto pelo prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, de aproximação entre petistas e tucanos.


Já a dificuldade a ser enfrentada pelo DEM e por Antonio Carlos Magalhães Neto, candidato à eleição da capital e que tem em mãos a missão de reerguer o partido, não é apenas a ausência do ex-comandante, ACM.


Sem cargos relevantes no Estado e na esfera federal, além da perda do apoio de muitas prefeituras, está complicado para o partido representante do carlismo se colocar como real alternativa de poder para os baianos. "Minha candidatura não será fruto apenas de um desejo pessoal, mas de um apelo do partido após sofrermos significativas derrotas", declara o deputado federal ACM Neto.


Além disso, o DEM não conta mais com a máquina partidária: estima-se que cerca de 120 prefeitos tenham deixado a legenda no ano passado e migrado, em sua maioria, para o PMDB; não tem mais cargos federais e também não poderá utilizar tanto o seu poder midiático. A rede Bahia, de propriedade da família de ACM, que tem seis filiadas da Globo no Estado, começou um processo de profissionalização este ano e tende a ser mais isenta nessas eleições.


"O DEM ficou reduzido a seu núcleo duro. A base que em 2004 sustentou César Borges, candidato do partido, foi esfacelada", avalia Joviniano Neto, professor do Centro de Recursos Humanos (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O pesquisador refere-se à saída de Imbassahy do DEM. Em 2005, ele rompeu com o então PFL e se filiou ao PSDB.


O resultado é que agora em 2008, Imbassahy e ACM Neto deverão se enfrentar. A parte mais conservadora também está dispersa e o apoio que há quatro anos ficou concentrado no candidato do PFL, está difuso entre o DEM e o PSDB.


O ex-prefeito tucano, por outro lado, não quer mais estar atrelado ao carlismo. Sua idéia é buscar o apoio do governador Jaques Wagner, a quem deu suporte nas eleições de 2006. Ao mesmo tempo, Imbassahy ainda é visto com simpatia por um terço dos eleitores afinados com o jeito carlista de fazer política, o que pode fazer com que ele tire votos de ACM Neto.


"Não acho ruim receber esses votos", diz o tucano. Mas ele conta que está de olho nos insatisfeitos com a gestão do atual prefeito e que, ao mesmo tempo, simpatizem com o PT. "Como disse Fernando Henrique Cardoso, do jeito que o PT e o PSDB estão, seremos a vanguarda do atraso. Acredito que os dois partidos têm quadros excelentes na Bahia e uma aliança fortaleceria ambos", explica.


Os ganhos do PT com essa aliança são menos evidentes, mas apontam na busca de Wagner por um rumo desatrelado do de Geddel . Em jogo, a disputa de 2010, que, dado o apetite do ministro, pode transformá-lo de aliado de primeira hora a rival do governador.


O ministro tem buscado, e conseguido, cargos federais com representação na Bahia. O exemplo mais recente é a superintendência da Sudene, que ficou para Paulo Fontana, nome por ele indicado.


"Geddel é paciente, por isso pode ser que não queira já em 2010 partir para o embate com Wagner e continue na base de apoio. De qualquer forma, ele está cada vez mais forte", avalia o professor Paulo Fábio Dantas Neto, da UFBA.


Sua tática, segundo o estudioso da política baiana, é bastante semelhante à utilizada pelo senador ACM: manter-se forte tanto na esfera estadual quanto na regional. "A isso se deve a longevidade do carlismo. Quando seus políticos perderam espaço no governo federal, seu poder começou a refluir", analisa Dantas Neto. Resta saber se as demais forças políticas vão deixar que isso aconteça novamente.