O mais antigo integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello foi o sétimo ministro da mais alta corte do país a votar a favor do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, nesta quinta-feira (29). O julgamento foi suspenso por 20 minutos logo em seguida.
Celso de Mello seguiu o posicionamento dos ministros Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello - primeiro a votar nesta quinta. Falta apenas o voto do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para concluir o julgamento.
"Devemos adotar uma postura que mais de adapte à ordem pública e aprovar as pesquisas", disse o decano do Supremo, ao defender a constitucionalidade da Lei de Biossegurança, em pauta no Supremo.
"Desculpem-me a expressão, mas o destino de todos esses embriões seria o lixo sanitário. Dá-se-lhes, portanto, uma destinação nobre", sustentou. "Não vejo qualquer ofensa à dignidade humana o uso de pré-embriões inviáveis ou congelados, que não teriam como destino senão um lamentável descarte", complementou o ministro.
OUTROS VOTOS
O ministro lembrou que a manipulação de células-tronco embrionárias não seria o mesmo que um aborto, afastando da discussão o tema religioso, que permeia o debate.
"O Estado é laico. Haverá sempre uma clara e precisa demarcação de domínios próprios de atuação do poder civil e do poder religioso. No Estado laico, a fé é questão privada", ressaltou o decano.
Celso de Mello destacou também que o marco do início da vida é uma questão "moral". "Não se trata propriamente do início da vida individual, mas em que momento a sociedade decide dar ao ente biológico o status de indivíduo. Esta não é uma questão científica e biológica, mas arbitrária e moral."
Com isso, o STF está prestes a liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias, como previsto na Lei de Biossegurança, sem nenhuma restrição. O placar está em 7 votos contra três pela liberação das pesquisas sem ressalvas. No entanto, algum ministro ainda pode pedir vista - o que interromperia o julgamento - ou mudar o voto, já que a sessão não acabou.
VOTO DO MINISTRO
MARCO AURÉLIO
O ministro Marco Aurélio votou, há pouco, pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 e pela total constitucionalidade do artigo 5º da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas para fins terapêuticos.
Com o voto dele e o de Celson de Melo, agora já são sete os votos a favor da lei, sem restrições, contra três votos, que querem impor-lhe limitações. Pelas pesquisas e, portanto, pela improcedência total da ADI votaram o relator, ministro Carlos Ayres Brito, e os ministros Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. Este último apenas defendeu maior controle na realização dessas pesquisas.
No outro pólo estão os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, que pediu vista do processo quando do início do seu julgamento, em março deste ano, e ontem apresentou voto pela procedência parcial da ADI, posicionando-se favoravelmente às pesquisas, mas impondo restrições. Votos semelhantes, porém um pouco menos rigorosos, foram proferidos pelos ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau.
O ministro Marco Aurélio disse que o artigo 5º da Lei de Biossegurança, impugnado na ADI proposta pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, "está em harmonia com a Constituição Federal, notadamente com os artigos 1º e 5º e com o princípio da razoabilidade". O artigo 1º estabelece, em seu inciso III, o direito fundamental da dignidade da pessoa humana e o artigo 5º, caput, prevê a inviolabilidade do direito à vida.
Interpretações
Marco Aurélio iniciou seu voto advertindo para o risco de o STF assumir o papel de legislador, ao propor restrições a uma lei que, segundo ele, foi aprovada com apoio de 96% dos senadores e 85% dos deputados federais o que sinaliza a sua "razoabilidade". Em sua visão, o artigo de uma lei ou é constitucional, ou não o é, mas não cabe ao Supremo propor-lhe complementações.
O ministro disse, também, que interpretações outras que não no âmbito do direito são incabíveis em um tal julgamento, porque "o contexto em exame é técnico-jurídico".
Início da vida
O ministro observou, em seu voto, que não há, quanto ao início da vida, baliza que não seja simplesmente opinativa. Lembrou que há, a respeito, várias concepções sobre embrião, feto e filho no colo da mãe. Para os filósofos da Antiguidade, por exemplo, só havia vida (alma) no feto a partir do 40º dia de gestação, quando masculino, e do 80º ao 90º dia, quando feminino.
Ele lembrou que Aristóteles concebia três estágios para o início da vida: a vegetal, que se dá na fertilização; a animal, que se dá na concepção, e a racional, que ocorrer quando do nascimento com vida. Também Santo Agostinho, um dos pais da Igreja Católica, concebia, segundo o ministro, um embrio inanimatus e um embrio aninmatus , entendendo este segundo como ser humano que já adquiriu alma.
Por fim, ele citou um caso decidido na Suprema Corte dos Estados Unidos, que julgou que o feto tem direito à proteção de sua vida a partir da 28ª semana da gestação, podendo este período ser encurtado para 24 semanas. Essa decisão, observou, tornou dispensável a discussão sobre pesquisas com células-tronco embrionárias naquele país, que apenas não financia tais pesquisas com recursos públicos. Mas, nos diversos estados daquele país, a legislação difere. Tanto assim que o governo da Califórnia financia essas pesquisas.
"O início da vida não pressupõe só a fecundação, mas a viabilidade da gravidez, da gestação humana", afirmou arco Aurélio. "Dizer que a Constituição protege a vida uterina já é discutível, quando se considera o aborto terapêutico ou o aborto de filho gerado com violência", observou. E, no caso, segundo ele, a fecundação ocorreu in vitro, não no útero materno. "A possibilidade jurídica depende do nascimento com vida", afirmou.
O ministro Marco Aurélio lembrou que a Lei de Biossegurança prevê pesquisas com células-tronco embrionárias produzidas in vitro consideradas inviáveis para a reprodução humana e, portanto descartáveis, às quais não está reservado outro destino que não o lixo.
Ele citou entrevista dada às "Páginas Amarelas" da revista "Veja" pelo ganhador do Prêmio Nobel David Baltimore, que assim se teria manifestado sobre a discussão travada no Brasil em torno do tema: "Não sei falar a respeito do aspecto jurídico, mas do ponto de vista científico. É uma discussão sem sentido, porque os embriões já foram descartados, o casal já teve os filhos que queria. O fato é que o embrião seria descartado".
Diante disso, o ministro disse que seria muito egoísmo jogar no lixo embriões que poderiam ser usados para pesquisar a cura de diversas doenças, entre elas, por exemplo, doenças do aparelho locomotor e o Mal de Parkinson, contribuindo para a felicidade de seres humanos fisicamente limitados.
Contrapondo-se ao voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Marco Aurélio acompanhou o voto do relator, ministro Carlos Ayres Brito, no sentido de que não se pode obrigar um casal a ter um número de filhos equivalente àquele de embriões produzidos in vitro, quando o casal já tiver obtido desse processo o número de filhos que desejava.
Por fim, o ministro citou o fato de todos os principais países do mundo, exceto a Itália, permitirem pesquisas com células-tronco embrionárias, com graduações variadas. E disse que não utilizar um acervo de material de pesquisa disponível equivaleria a um gesto de egoísmo e uma grande cegueira.
Ele concluiu seu voto citando o Padre Vieira, segundo o qual a cegueira com olhos cerrados é menos grave do que a cegueira com os olhos abertos.