Cultura

ROSA DE LIMA COMENTA MOVIMENTO POETAS NA PRAÇA, DOUGLAS DE ALMEIDA

Hoje, passados mais de 35 anos o MPP está vivo e sendo analisado e estudado por especialistas e alguns integrantes seguem no campo da poesia.
Rosa de Lima , Salvador | 12/07/2025 às 13:27
Movimento Poetas na Praça, organizado por Douglas de Almeida
Foto: BJÁ
   O título completo do livro organizado por Douglas de Almeida é “Movimento Poetas na Praça – entre a transgressão e a tradição – (CMS, Selo Castro Alves, 2015, 150 páginas, foto da capa jornal Correio da Bahia, 1999; fotografias das imagens Nilo Motta; projeto gráfico Jéssica Coelho) obra que narra a trajetória de um grupo de poetas da Bahia e de outros estados que se utilizaram da Praça da Piedade, centro histórico de Salvador, para fazer as suas performances num tempo em que a ditadura militar no Brasil reinava e a censura e a repressão aos artistas era intensa.

O livro é dedicado a Agenor Campos, Antônio Short, Dorival Limoeiro, Eduardo Teles, Isaías Monteiro, Lino Almeida, Zeca Magalhães e Zewilson Bacelar “que já nos deixaram” segundo anotações e agradecime3ntos especiais a Manuel Mayan. Ametista Nunes, Flávio Sarlo e Nilo Motta “pelas reuniões e constantes opiniões durante todo o processo de construção”, a poeta Semírames Sé, ao poeta Alex Simões e ao jornalista Rafael Barreto; a Carlos Verçosa e a Gustavo Felicíssimo, a Paulo David, a Paulo Câmara (presidente da CMS), ao vereador Everaldo Augusto e ao Sindicato dos Bancários. 

  A obra, como escreve Everaldo Augusto, é um resgate histórico e literário das décadas de 1970/1980 de uma cidade afro, cidade musa, cidade rebelde, que se despedia dos seus tempos de província e entrava no rol das metrópoles, com toda teimosia de não deixar de ser o que é”. 

  Ainda de acordo o saber de Everaldo., “apresentar os poetas na praça é trazer para nosso convício aquelas e aqueles poetas de origem familiar diversa, outros tantos vindos do interior do estado para estudar na capital e os inveterados moradores das residências estudantis, todos eles seduzidos pela transgressão, todos sedentos de boemia, de militância política e de aventuras, inclusive as aventuras literárias”.

   O livro, pois, traz essa narrativa e Douglas de Almeida destaca que o movimento surgiu com a proposta de “levar a poesia às ruas deselitizando-a e,, como estratégia para seduzir o grande público ao universo poético, utilizou a oralidade. No seu início, em virtude do seu momento histórico, mesmo com a heterogeneidade dos seus integrantes, a predominância era de uma poética com temas sociais, políticos, até panfletários, constituindo-se, de certa forma, em um movimento de resistência político-cultural. Nessa época, por motivos óbvios, o grupo era cortejado pelas esquerdas, e em especial, pelo PcdoB”.

   Ainda segundo Douglas, o grupo Poetas na Praça, “como qualquer movimento, teve suas influências e referências. Suas raízes deitam-se nos versos e na postura do poeta seiscentista Gregório de Mattos e Guerra, passando pela grandiloquência de Castro Alves até os conhecidos nordestinos, sem esquecer a influência da espirituosidade de matriz africana na cultura baiana”. 

   De fato, o Poetas na Praça obteve uma boa repercussão na mídia de Salvador, impulsionada, inicialmente por uma matéria de página em A Tarde, assinada por Jolivaldo Freitas, em 20 de novembro de 1979, “Na praça, no meio do povo, eles mantêm o valor da poesia”, mas, também, nunca agregou um médio e ou grande público em torno dos seus dizeres, quer porque a poesia por sua natureza exige uma atenção especial; quer porque a poesia alternativa na época entendida como desdobramento da poesia marginal dos anos 1980, no Brasil, era ainda mais difícil de ser entendida pelos leigos.

   Isso, evidente, não retira os méritos dos poetas alternativos nem o movimento que aconteceu na praça da Piedade possa ser entendido como um modismo passageiro sem importância, uma performance de uns tresloucados, ainda que muita gente visse dessa maneira. 

   “Dentro de uma visão mais ampla e num contexto nacional – observa o organizador do livro – o Movimento Poetas na Praça estava inserido no movimento alternativo brasileiro de poesia dos anos 1980”. 
   E quem foram (e ainda são) alguns desses poetas? Diria, salvo melhor juízo, que o mais destacado marginal foi Antônio Short, entre os homens; e Ametista Nunes, entre as mulheres. Assisti alguns recitais de Short na praça e em lançamentos de livros e outros. 

  Numa entrevista ao escritor Guido Guerra ele disse: - No início, não havia um consenso ideológico. Havia abertura para todos os segmentos. Se você fosse de direita podia entrar no Movimento. Se fosse de esquerda, também. Se fosse católico, a mesma coisa. Se fosse Testemunha de Jeová, idem. Em outras palavras: ninguém estava ali para censurar ninguém. Nem admitia censura. Nem interna, nem externa. O PcdoB estava lá, o MR-8 também, o Pecebão nem se fala, anarquistas, direitistas. No Movimento Poetas na Praça o importante era preservar a liberdade de todos e a verdade de cada um. A gente tentou descolocar uma prática de democracia bem aberta”.

   Tem sentido essa afirmação de Short em relação a democracia bem aberta viés que PcdoB, Pecebão e outros não têm e querem artistas e outros engajados à sua ideologia, o que no Movimento Poetas na Praça, livre, de pensar absolutamente livre, não colou. Não agregou ainda que algum dos poetas pudesse ser simpático à causa comunista, mas isso fora circuito do movimento artístico na lide pessoal.

   Egressa do MONOPO e do Caderno Literário da Faculdade de Direito da UFBA, Amestista Nunes – segundo a publicação – foi uma das destacadas mulheres do MPP. Feminista e ainda hoje comunista e adepta de um visual dark (não dispensa as botas pretas e as pulseiras) Ametista chegou a ser presa por pichar poemas nos muros com o grupo Baldeação, o irmão dela, Haroldo Nunes, foi exilado no Chile e na Argentina e se preparava para o exílio na União Soviética quando se matou em 1975.

   “A primeira grande contribuição dos poetas da praça foi a divulgação e a popularização da poesia, empregando o discurso do humanismo” aponta a poeta que define a poesia como “a solidão para todos”. 
   O MPP – de acordo com o autor do livro – pode ser dividido em três fases: a primeira abaixo a ditadura remonta 1979 quando individual ou coletivamente por diversos motivos terminaram agrupando-se na Praça da Piedade. Cada poeta trouxe sua experiência; Antônio Short era um dos coordenadores da Semana do Livro Baiano (SELIBRA) e tinha publicado “Itinerário de Rua, 1972) e organizado a Expo Poemas em Cartaz, 1977. 

   Neste período foi nítida a liderança de Geraldo Maia, Eduardo Tele e Antônio Short que estiveram à frente dos recitais e da publicação de antologias.

   A segunda fase é considerada a da diversidade quando os poetas na praça passaram a constituir um movimento: ou seja “passaram a atuar diversos grupos de tendências distintas, às vezes, antagônicas, mas guardando alguns pontos em comum, que seriam: ênfase na oralidade, atitude contestatória, a poesia como profissão e a Praça da Piedade como ponto de irradiação”.

   E a terceira fase chamada a fragmentação que se inicia em 1986 com a realização do Festival de Poesia Bahia, organizado pela revista Sem Perfil e pelo grupo Arte Delírio Noturno, A partir desse encontro houve uma separação entre os grupos mais atuantes, os subgrupos passaram a organizar isoladamente suas próprias atividades, e a partir do governo José Sarney (1085-1990) e como consequência do Movimento Diretas Já perderam aquilo que os unia, que era o “Abaixo a Ditadura” deu-se a fragmentação e há um consenso que o movimento de extinguiu em 1989.

   O que ficou é um legado importante para a cidade do Salvador e seus movimentos culturais. Hoje, passados mais de 35 anos o MPP está vivo e sendo analisado e estudado por especialistas e alguns integrantes seguem no campo da poesia. 

   Na opinião de Douglas de Almeida “este registro (o livro editado em 2015 pela CMS) não pretende estipular quem foi mais ou quem foi menos poeta, estabelecer hierarquia entre seus integrantes. Tem o intuito de documentar esta experiência de fundamental importância para a cultura da Bahia e ser uma mostra da diversidade da produção literária dos seus integrantes”.

   Sem dúvida, é isso que representa “Movimento Poetas na Praça – entre a transgressão e a tradição”, e, claro, cada qual que escolha a sua preferência em poemas como escolhi a minha como escolhi “Das Botas Sangrentas Nascerão Flores” de Antônio Short quando diz: Do caos de cada ser/ Nascerão flores vigilantes/ Loucas de outros desejos/ Que ainda estão guardados/No ventre fértil e dourado? Do fantasma da liberdade.

  Ou como ´poetizou Joelson Meira: A praça está cheia de opções/Cheia de vocês/Que passam e percebem/ Que sabem o que falamos/E o que estamos sentindo:/Em cada poeta/A luta personificada, em cada poesia/O desespero de todos/Em cada olhar,/Estão os preconceitos,/Que também é repressão/Chamam-nos de malucos/ Mas param para nos escutar,/O que está acontecendo?/Todos vocês sabem,/Mas tem medo de falar/Prepararam muito bem vossas cabeças/Mas, um dia.../Eles sugarão tanto vosso sangue/E vocês até se lembrarão de nós/Poetas na praça.