Cultura

CÉSARE LA ROCCA: VAI-SE O HOMEM; FICA A OBRA PARA SEMPRE,pTASSO FRANCO

Projeto Axé beneficiou mais de 30 mil jovens para a cidadania
Tasso Franco , da redação em Salvador | 18/09/2021 às 18:48
Césare Flório La Rocca, 83 anos
Foto: REP
 
O filósofo e teólogo flortentino Césare de Flório La Rocca foi uma das personalidades mais importantes de Salvador entre o final do século XX e primeiros 20 anos do século XXI atuando no Projeto Axé, que beneficiou 30 mil jovens no Centro Histórico e adjacências. Tive oportunidade de conhecer o Axé e Césare de forma mais aprofundada quando fui secretário de Comunicação da Prefeitura (1997/2004) e mantivemos alguns contatos. Poderiam ser mais detalhados, porém, diante de tantos afazeres que tínhamos, nossa relação não foi estreita.

No entanto, estive no Axé, conheço seu trabalho e ainda hoje sou cliente do projeto que espero ter vida longa. Césare faz parte de um grupo de estrangeiros que se apaixonou por Salvador, outros tantos trazidos por Edgard Santos na fundação da UFBA, em 1947, e que deram valiosas contribuições à cidade e sua gente. O trabalho de Césare - incansável, batendo de porta em porta sem perder a altivez e às vezes até molestado - é meritório e mais eficaz do que alguns projetos governamentais.

Lembremos aqui de alguns estrangeiros que deixaram marcas admiráveis em Salvador e na Bahia: o fotógrafo e antropólogo francês Pierre Fatumbi Verger; o argentino Hector Julio Páride Bernabó (Carybé); a italiana Lina Bo Bardi; o suiço Anton Walter Smetak; o ceramista alemão Horst Udo Erich Knoff; o espanhol Valentin Calderon de La Vara; o suiço maestro Ernest Widmer; o arqueólogo alemão Karl Borromaeus Ott (Carlos Ott); o antropólogo e escritor português Pedro Agostinho; o poeta da natureza e poloinês Franz Krajcberg, entre outros, que se dedicaram à cultura baiana e universal.

Césare foi especial. Chegou ao Brasil no final dos anos 1960 e vivia, desde 1990, em Salvador, onde montou a sede do projeto Axé no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador. Através da ONG criada por ele, mais de 30 mil crianças e jovens carentes da Bahia tiveram acesso a ações educativas e culturais, como aulas de capoeira, teatro, dança, música e moda. O mais importante é que ensinava para a vida e não para a sala de aula. Quem participava do Axé aos poucos tornava-se cidadão e mudava de vida. Era uma transformação que os próprios alunos e depois profissionais em várias áreas testemunhavam.

Fiório La Rocca foi representante do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) no Brasil e também ajudou na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante cidadania e direitos para este público. Em 2015, da Assembleia Legislativa da Bahia, o título de Cidadão Baiano, maior honraria da casa, concedida para pessoas que prestaram relevantes serviços no estado. No mesmo ano, o projeto Axé foi homenageado na Câmara Municipal, em razão dos 25 anos de atividades. 

Era um cidadão de origem italiana, baiano de coração, soteropolitano por amor à terra, a causa e a sua gente, nunca ouviu-se falar de um Césare desanimado. Compreendia como funcionavam as coisas no Brasil, as interrelações com o poder público e com a cultura e seus guetos, seus temidos e enraizados supostos donos, e tocava o Projeto Axé como podia. 

Morrer no hospital fundado por Santa Dulce dos Pobres não é nenhum demérito. Pelo contrário, o Santo Antônio é democrático e baiano por natureza. Mas, observando-se que os bens possuidos da Bahia têm seus fins noutros sitios e não onde também morreram os jornalistas pobres Domingos Souza (Dominguinhos) e Vicente de Paula Santos, Césare foi abrigado na casa do Pai entre os pobres, os dessassistidos e desamparados pelo poder financeiro. Pobre chegou; pobre ficou.

Césare La Rocca é um símbolo de Salvador, para sempre (TF)