CACAU, O NOVO CULTIVO QUERIDINHO DO BRASIL

Walmir Rosário
21/04/2024 às 10:15
Muito cuspe e giz já foi gasto para explicar as nuances do cultivo do cacau e a cultura dos cacauicultores do Sul da Bahia. O cacauicultor era odiado e amado em livros, reportagens de jornais, rádios, televisões, passando pelos workshops e congressos, com os prós e contras explícitos em acalorados e exaustivos debates. Ora os produtores eram elogiados pela proteção da Mata Atlântica, outras vezes execrados pela monocultura e destruição.

Em cada um desses debates era comum alguém citar trechos de livros do itabunense Jorge Amado, mostrando o cacauicultor como um criminoso contumaz na eliminação da floresta, acredito que por desconhecer o tema. Agora se descobre ser a cacauicultura a avalista na manutenção da nossa rica Mata Atlântica. Que ninguém leve isso a sério, pois os pioneiros não sabiam que os pés de cacau também produziam a pleno sol.

Hoje, passado muito tempo dedicado à pesquisa, o cacau brasileiro pode ser plantado de norte a sul, leste a oeste, independente de clima e altitude, com comprovações científicas e a recomendações técnicas pertinentes. Há alguns anos, era considerado impossível, e seria considerado louco quem tentasse plantar cacau já nas chamadas áreas de transição. Muitos se aventuraram e colheram bons resultados. Os 100 milímetros de chuvas mensais foram solucionados com a irrigação e fertirrigação.

Em meados da década de 1960, com a erradicação do café na região de Ubaíra, Santa Inês, Mutuípe e boa parte do Recôncavo, a Ceplac, de forma corajosa, substituiu muitas dessas áreas com o plantio de cacau. Renovou as esperanças dos produtores rurais em fazendas de apenas terras nuas. Era a ciência rural chegando na hora certa para iniciar, na Bahia, o Brasil do agro vencedor de hoje.

Em tempos atuais, lemos, ouvimos e vemos reportagens sobre a cacauicultura pedindo espaço e ultrapassando novas fronteiras nunca antes imagináveis para receber os pés de cacau. E não são mais aqueles plantados em sementes, na ponta do facão, como faziam os pioneiros das “terras do sem fim”. Nem pensar! Eles utilizam o que de mais modernos saem dos laboratórios: clones altamente produtivos, tolerantes às doenças, com alto teor de gordura conforme manda a engenharia genética.

Na conjuntura atual do cacau não mais nos desesperamos com o preço de manutenção do estoque regulador e os acordos da Organização Internacional do Cacau. A demanda está aquecida e a oferta em déficit, o que faz aumentar o preço. E o cacauicultor brasileiro aproveita para vender o produto a preço mais que justo e investir na lavoura utilizando as mais modernas técnicas do mundo. Ele tem meios de influir na política econômica, exportando e produzindo chocolate para o mercado interno.

Agora, grande parte da produção brasileira tradicional está sob os cuidados de agricultores, filhos e netos dos pioneiros, que deixaram as grandes cidades e capitais para enfrentar o dia a dia na fazenda, na busca de erradicar ou minorar os efeitos devastadores da vassoura de bruxa no capital familiar. Repovoaram a lavoura com material genético adequado e produzem chocolate de qualidade, ao contrário de antes, quando o cacau era uma simples commoditie.

Pesava contra a cacauicultura o espírito empreendedor do cacauicultor sem disposição de ganhar novos mercados com produtos de alta qualidade, embora tivesse coragem de implantar a cacauicultura em todo o Sul da Bahia, numa área compreendendo mais de 100 municípios. E não apenas plantou cacau, implantou uma cultura, a cacaueira, por meio do “visgo do cacau”, e que resistiu a todo o tipo de intempérie, inclusive a vassoura de bruxa.

Infelizmente, o cacauicultor de antes não teve o devido preparo, e dependia da ajuda de mecanismos governamentais para convencer os empresários chocolateiros dos países europeus, extremamente colonialistas, a comparem o cacau brasileiro, de melhor qualidade, do que o africano e asiático. Se os pais não tiveram essa ousadia comercial, seus filhos e netos fazem isso sem qualquer cerimônia, conquistando novos mercados.

Lembro-me de uma reportagem que fiz com um dos grandes produtores e sindicalista da cacauicultura, Weldon Setenta, que ganhou o Brasil e o mundo. Quando perguntei se não teria sido mais viável ao produtor diversificar a produção, ele me deu a seguinte resposta:

– Como produtor rural não posso descuidar ou diminuir os investimentos na produção de cacau em que o mercado me paga US$ 5 mil a tonelada, para produzir outros, vendidos a preços bem menores. O que falta é uma política de governo para a agricultura – revelou.

Essa entrevista foi feita há muitas décadas e agora o preço do cacau em amêndoas dobrou, chegando a US$ 10 mil. Podemos afirmar que o cacau continua sendo uma excelente commoditie, desde que produzido com qualidade, sem falarmos na verticalização da produção, incluindo desde o cacau fino ao produto final, do simples chocolate caseiro aos chocolates especiais que ganham prêmios em todo o mundo.

Se antes dizíamos que os cacauicultores tinham problemas insolúveis, tanto da porteira pra dentro como da porteira pra fora, acredito que esses percalços foram reduzidos e as novas oportunidades aproveitadas. Não é por acaso que o agro brasileiro nada de braçadas e consegue se manter na dianteira da produção brasileira vendida para o nosso consumo e o mundial, alimentando pessoas com produtos de qualidade.

Só posso desejar sucesso aos novos cacauicultores do cerrado aos dos estados nordestinos, inclusive beirando à caatinga pelo espírito inovador; aos da Amazônia, que conseguiram vencer o estigma de cacau de baixa qualidade e hoje são premiados; e aos paulistas da região de Registro, que viram no cacau uma excelente oportunidade em dar ênfase ao cultivo do cacau. Já os do Sul da Bahia nos dão demonstração de que acreditar na ciência é uma atitude inteligente, mesmo que demorem gerações.

O cacau foi, é, e sempre será, o manjar dos deuses!