O ACERVO DA BIBLIOTECA RUY BARBOSA,

Luis Guilherme Pontes Tavares
05/11/2021 às 19:55
    A Biblioteca Ruy Barbosa pertenceu à Associação dos Empregados do Comércio do Estado da Bahia. Funcionava, quando a consultei, no primeiro andar do imóvel da Rua Tira Chapéu, vizinho à Câmara Municipal de Salvador, e possuía mais de dez mil títulos de livros e periódicos, estrangeiros e nacionais, publicados entre o início do século XIX e o meado do século XX. O imóvel a que me referi, como é de conhecimento público, foi adquirido pelo empresário mineiro Antonio Mazzafera e, sob a denominação de Palacete Tira Chapéu, sediará complexo gastronômico com cerca de oito restaurantes com cardápios distintos.

Muito bem! Para onde foram os livros que preenchiam as estantes do segundo andar?

Tive ocasião de entrar em contato telefônico com o escritório do empresário, no Fera Palace Hotel, mas não houve esclarecimento; submergimos na pandemia e o diálogo não prosperou. Resta-me, pois, contar o que sei sobre a biblioteca.

Em 2001, após concluir o doutorado na FFLCH/USP e defender tese sobre a vida e a obra do editor baiano Arthur Arezio da Fonseca (1873-1940), resolvi pesquisar a respeito do contemporâneo e possível mestre dele, o editor baiano, nascido em Cachoeira, Cincinnato José Melchiades (1858-1920). Empreendi a busca, entre os mais de dez mil volumes da Biblioteca Ruy Barbosa, dos títulos com o selo editorial da Typographia Bahiana de Cincinnato Melchiades. Não recordo se fiz isso utilizando a proteção de luvas e máscara, lembro apenas que encontrei várias publicações da empresa dele.

Adianto que o esforço não foi em vão. Apresentei trabalhos a respeito em eventos acadêmicos e, alguns anos depois, publiquei o livro de minha autoria Anotações sobre Cincinnato José Melchides e a Typographia Bahiana (Salvador: e.a., 2017).

Voltando ao que mais interessa. Face a indignação que me causou, no início da década de 2000, a perspectiva da Bahia perder o acervo reunido pela Associação dos Empregados do Comércio do Estado da Bahia, remeti correspondência para a Fundação Gregório de Mattos (FGM), para as bibliotecas nacionais do Brasil e de Portugal, para bibliófilos, inclusive o empresário José Mindlin (1914-2010), e para outros destinatários locais, nacionais e estrangeiros, apelando a todos para que evitassem o que, suponho, tenha acontecido: os livros e periódicos, alguns do início do século XIX, “desapareceram”. Denuncio, portanto, o descaso daqueles que deveriam zelar pelo valioso patrimônio.

Registro que o professor Luis Henrique Dias Tavares (1926-2020), então conselheiro de Cultura do Estado da Bahia, oficiou o então secretário Paulo Gaudenzi a respeito e, de pronto, ele pediu providências da Biblioteca Pública do Estado. Todavia, os técnicos consideraram que o acervo da Associação poderia contaminar os impressos protegidos na biblioteca dos Barris e a diligência foi interrompida sem qualquer alternativa. É provável que tudo o que relato aqui não tenha me feito bem na época, assim como as consequências permanecem me inquietando: onde estão os mais de dez mil livros que folheei em 2001?

Lembro dos periódicos portugueses encadernados, dos muitos livros estrangeiros ilustrados com espécimes da flora e da fauna brasileiras, lembro também de vários títulos publicados durante a Ditadura Vargas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

A título de ilustração, destaco meia dúzia de livros que me chamou a atenção:

 

1. CARNEIRO, Manoel Borges. Resumo chronologico das leis mais uteis no foto e uso da vida civil (...) contendo as leis até 1611. Lisboa: Impressão Regia, 1818.

2. DIAS, Manoel Joaquim de Bulhões. O livro indispensável á Guarda Nacional. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1859.

3. RODRIGUES, J. Barbosa. Sertum palmarum brasiliensium. 2 v. Bruxelas: Typographie Verve Monnom, 1903.

4. BOCCANERA JUNIOR, Silio. As telas historicas do Paço Municipal da Bahia. Biographias. Salvador: Livraria e Typographia do Commercio, 1922.

5. O Antonio Maria. Periódico português ilustrado por Raphael Bordallo Pinheiro (1846-1905). Lisboa: Litografia Guedes, l879 e outros anos.

6. ACHILLES, Aristheu. Aspectos da ação do DIP. (Publicado originalmente na revista O Observatório Economico e Financeiro). Rio de Janeiro: DIP, 1941.

Enfim, lhes asseguro que tentei evitar o que parece que aconteceu. Lembro que estive com a administração da Associação dos Empregados mais de uma vez, ora sozinho, ora em companhia de quadros qualificados. Até imaginei a possibilidade de trocar o acervo antigo por livros mais recentes e abrigar o tesouro na Associação Bahiana de Imprensa (ABI). Fato é que, sequer, consegui a cópia do catálogo do acervo e se falo do que vi é porque aspiro que se deposite alguma confiança no que estou escrevendo.

Feliz Dia da Cultura, minha querida Bahia!