CRÔNICA 5: BINGO CANTA WALDICK EM DUETO E DÁ AUTÓGRAFOS NA BARRA

Tasso Franco
24/08/2019 às 11:00
   Nos capítulos anteriores vimos como surgiu o galo Bingo encontrado semimorto numa encosta do Morro Ipiranga, em Salvador, e salvo por uma vendedora de cocos, Tássia Flor da Amanhã, como recuperou a saúde do animal e este de apegou à ela e foi viver junto de sua tenda no Morro do Cristo, ajuda a divulgar sua mercadoria atraindo clientes com seu canto mavioso, entoando músícas da MPB a ponto de ter participado de um programa de TV na emissora Cidade da Bahia, o 'Prosaico' ganhando fama.

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   Depois que Bingo participou do 'Prosaico' com o apresentador Carimbó revelando ao grande público a proeza de um galo que canta Zeca Pagodinho, Benito de Paula, Raimundo Fagner e outros bambas da MPB o pimposo pedrez ganhou fama e muita gente queria conhecê-lo de perto, ao vivo, até para saber se a TV não tinha feito algum truque mostrando um animal cantante, coisa rara de se presenciar, salvo em papagaios que, quando ensinados, cantam o hino nacional e recitam versos.

  Bingo se empoderou todo quando soube que seu nome era destaque nas rodas de conversas da cidade, no pé do balcão da tenda de Naninho, no Mercado Modelo, no Restaurante do Moreira, no Mocambinho, no balcão da Padaria Bola Verde, na Cantina da Lua e até nas rodas mais sofisticadas como no Árabe Gustafá, no vegano Cenoura e no asiático Tokayn.

  Dona Flor da Amanhã o advertiu: - Espero que a fama não lhe suba a cabeça como aconteceu com alguns artistas da música Axé e se mantenha humilde e colaborando com a venda dos cocos, comentou.

  O galo respondeu: - Tenho maturidade e juizo no lugar. A senhora pode ficar tranquila e vou ser a mesma pessoa de sempre. Ou melhor, o mesmo animal que conheceste caído na sarjeta.

  - Assim espero. Tenho visto muito espanador que desfilava neste circuito do Carnaval virar pavão e depois se apagar. A fama é passageira e é preciso saber aproveitá-la na dose certa, comentou Flor.

   - Esqueça! Vou ser igual a Roberto Marlos. Durar para a vida eterna, reservado, rico, discretíssimo, confidenciou o galo.

   Conversa vai, conversa vem entre a senhora e o galo quando chega a tenda o casal Vence e Vice responsáveis por ter divulgado as façanhas do galo na televisão. Doutor Vence solicita dois cocos e observa o galo na encosta ciscando a grama. 

   Comenta com dona Flor: - Vou pedir um autógrafo a Bingo antes que ele se mude para o Rio de Janeiro ou para os Estados Unidos como fazem os artistas famosos da Bahia.

  O galo ouviu a conversa e fez de conta que não era com ele. Não significava o primeiro fã a lhe pedir um autógrafo. Desconfiado como marido prestes e a ser traido desceu a encosta num movimento brusco do corpo e malocou-se entre as folhagens.

   Quando o médico deu por sí já bebericando a água de coco ao lado de sua amada Victória, apareceram mais três outros clientes querendo também conhecer o galo e conversando em algazarra entre eles, um chamado de Oliveira duvidando das façanhas do animal. Bingo sumiu de vez.

   Vence falou para dona Flor da Amanhã: - A glória já subiu à cabeça do novo astro baiano e só foi eu falar num autógrafo e ele escafeder-se.

   - Ele é tímido, desculpou-se Flor. O senhor pode deixar o papel e a caneta comigo que depois tomo o autógrafo e lhe entrego amanhã, disse ela ao médico.

   - Gostaríamos de ter uma deferência ao vivo do grande cantor, enalteceu Vice.

   - Juro para os senhores que Bingo está cansado. Ontem, deu mais de duzentos autógrafos desde que saiu aquela reportagem no 'Prosaico' e está com calos nos dedos, comentou Flor.

   - Que chique! - falou Oliveira intrometendo-se na conversa e apresentando os dois amigos que viera consigo conhecer o galo: - Este é doutor Bonfim  e este doutor Pina que estão curiosos para serem apresentados ao Bingo. Ambos adoram música, um é fã de Waldick Soriano e o outro de Chico Buarque. 

  - Eu nunca vi um bairro ter tantos doutores como a Barra! Nunca apreciei Bingo cantando uma música de Chico Buarque, compositor muito sofisticado. Agora, de Waldick ele sabe várias músicas de cor e salteado e as canta, repicou Flor.

   Doutor Bonfim ouriçou-se: Esse galo é dos meus e soltou a voz entoando um trecho de "Torturas de Amor": Hoje que a noite está calma/E que minh'alma esperava por ti/Apareceste afinal/Torturando este ser que te ador.

  O galo ouviu a canção e arrepiou as penas. Subiu a encosta, atendeu o pedido de dona Flor conferindo um autógrafo para doutores Vence e Vice, do próprio punho, ciscou meia dúzia de caroços de milho, abriu o peito e emendou: Volta fica comigo/Só mais uma noite/Quero viver junto a ti/Volta meu amor/Fica comigo não me desprezes/A noite é nossa/E o meu amor pertence a ti.

   O final da música foi feita em dueto Bonfim e o Galo, com Oliveira gravando som e imagem no seu celular: Hoje eu quero paz/ Quero ternura em nossas vidas/Quero viver por toda vida/Pensando em ti.

   Fez-se uma enorme roda de pessoas em vivas e aplausos. O galo agradeceu a todos e desceu a encosta indo para sua residência.

   Oliveira era só júbilo e entusiasmo: - Isso dá para divulgar no Elástico ou na Fátima Bermudas. 

   Pina enalteceu: - Esse galo vai virar personagem internacional. Nova Iorque e Londres o esperam.

   Bonfim fechou a conversa: - Tem voz para a Ópera de Paris.