Galo Bingo ocupa área à beira mar no Morro do Cristo -II

Tasso Franco
26/07/2019 às 12:58
Resumo do 1ª Capítulo: Moradora do Alto das Pombas e vendedora de cocos verdes no Morro do Cristo, dona Tássia Flor da Manhã, salva da morte um galo cantor que estava desfalecido na enconsta do Morro Ipiranga, em Salvador. E passa a chamá-lo de Bingo. Nasce daí uma amizade.

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Salvo da morte Bingo recebia diariamente uma ração de comida que dona Tássia Flor da Manhã trazia de casa para alimentá-lo: milho, pão cassetinho molhado e água. Daí, após essa 'obrigação' diária armava sua tenda de vender cocos verdes quase em frente ao Morro do Cristo, na Barra, e tocava a vida adiante. 

A distância entre sua tenda e a morada de Bingo era a largura da Avenida Oceânica, algo em torno de 12 metros, área bem movimentada por veículos que sobem em direção ao bairro de Ondina, Rio Vermelho até Itapuã; e os que descem em direção a Barra e ao centro da capital baiana. 

Durante o Carnaval, que a maior festa de rua do planeta segundo consta na propaganda da Prefeitura, esse trecho compreende parte do circuito Dodô ou Barra-Ondina onde desfilam milhares de pessoas, diariamente, e duas dúzias ou mais de trios elétricos e bandas durante uma semana de folia. Um exagero. A propaganda da Prefeitura diz que é bom para incrementar o turismo.

Dona Tássia sempre fica de olho no padre (o galo) e na missa (sua tenda de cocos) onde ganhar o pão-de-cada dia, agora, dividido, em pequena parte com Bingo. Fica preocupado com alguém descuido do animal, um escorrego até a pista, e ser atropelado por algum veiculo. Já viu muita coisa do seu ponto de trabalho: batida de veiculos, atropelamento de pessoas e cães, queda de bicileteiros. batida de carros nas muretas, daí sua tensão. 

Lá um dia da primavera de 2018 eis que ao levantar as vistas em direção à morada do galo notou que o bicho estava quase na beira da pista, numa muretinha, batendo as asas, salvo engano cantarolando uma música de Gilberto Gil, e astuciando se poderia atravessar a pista. Assim pensou a sua amiga. 

Gritou: - Bingo, cuidado com os carros. Volte para a encosta e vá ciscar. Choveu ontem e a terra tá molhada.

O galo não lhe deu atenção e olhava o vai e vem dos veiculos, especialmente dos ônibus, pois, sabe que motorista de bus não é brincadeira, esperando o melhor momento para atravessar a avenida e fazer uma visita a tenda de cocos de dona Cássia.

A vendedora de cocos colocou as mãos na cabeça louvando aos céus e exclamando: - Valha-me Deus, Bingo vai atravessar a pista.

Não deu outra: o galo aproveitou um momento de menor fluxo dos veiculos e pimba atravessou a primeira pasta, a mão descendo da Ondina para a Barra, parou na faixa amarela central esperando uma kombi que mercava ovos passar, depois passou um ônibus verde que tirou um fino no seu penacho de trás, e seguiu em direção a tenda. 

Dona Tássia quase morre de susto e tomou dois goles de água com açúcar além de passar uma reprimenta no galo: - Está ficando maluco. Arriscado a morrer e virar defundo no asfalto!

Bingo respondeu: - Decidi mudar de casa. Quero morar aqui do lado da senhora nessa encosta do Morro do Cristo.

- Meu filho, aqui é muito mais periogoso do que onde você estava, a encosta é mais íngreme e dá para o mar. De repende vê escorrega e como galo não sabe nadar vai morrer afogado, dise.

- Engano da senhora - respondeu o galo - aqui tem mais folhagens para minha alimentação e proteção contra o sol e a chuva e sei nadar sim senhora.

- Você já viu galo nadar! Galo no máximo voa pequenas distâncias, canta, namorada com galinhas, marcas horas e só.

- Seja como for. Vou morar aqui agora que fica mais perto da senhora, tem essa vista maravilhosa do mar, e posso ser uma atração para a venda dos seus cocos.

- Era só o que faltava um galo conquistador de clientes, sorriu Tássia já admitindo que não teria outra alternativa a não ser acolher Bingo onde ele queria.

Então disse ela: - Bem, se ajeite aí. Faça um reconhecimento do terreno. Vou colocar sua vasilha de água próximo das cadeiras que coloco para atender os clientes, onde também será o local de sua comida.

O galo agradeceu com um belo canto da música de Benito de Paula que o mago do samba cantou na casa de Zeca Pagodinho, em Xerém.

Ao terminar a canção repetiu o refrão: Mas chegou, o Carnaval/ Ela não desfilou/ Em chorei/ Na Avenida eu chorei/ Não pensei que um dia a cabrocha que tanto amei.

Dona Tássia Flor da Manha ficou de queixo caído. O galo saiu todo prosa para acomodar-se numa folhagem da encosta à beira mar observando o 'Tenebroso' e a rota onde os portugueses chegaram para erguer a cidade do Salvador.