Turismo

COMO A PANDEMIA AFETOU AS LOJAS DA BAIXA DE LISBOA SEM TURISTAS

Com informações do Dinário de Noticias
Diario de Noticias , Lisboa | 16/07/2020 às 18:45
Clara Ladeira, da "garrafeira mercearia fina" que, por esta altura, estaria cheia de turistas
Foto: Geraldo Santos
e fosse inaugurada hoje a Manuel Tavares seria uma loja gourmet e até já ganhou prémios nessa área. Mas há 160 anos, quando nasceu, chamaram-lhe "garrafeira e mercearia fina". Os líquidos são a especialidade, sobretudo o vinho do Porto, mas também tem queijos e enchidos, frutos secos, geleias e chocolates, enfim, um mundo de sabores e cheiros que cabem na Rua da Betesga, a mais pequena de Lisboa. Há clientes que lhe chamam "a loja das tentações", sobretudo turistas, mas estes, agora, desapareceram. A faturação baixou 80% e este é um problema de muitas outras lojas históricas da Baixa.

Manuel Tavares fundou a "garrafeira e mercearia fina" em 1860, permaneceu na família até 1993, quando a venderam aos atuais sócios: pai e os dois filhos. "Mantivemos a traça antiga e as características, não há nenhuma loja assim em Lisboa. Tem garrafeira, sobretudo o vinho do Porto, charcutaria, frutos secos, geleias, chocolates, produtos gourmet, produtos de qualidade e de preferência nacionais. Aqui, pode comprar um queijo e ser aconselhado sobre o melhor vinho para o acompanhar", descreve Carla Ladeira, 57 anos, nora de um dos sócios e gerente.

Dois andares de coisas boas numa rua com dez metros. A cave é dedicada aos vinhos, licores, whiskies, etc., facilmente se encontra um porto do ano de um nascimento para oferta. No primeiro piso, os líquidos juntam-se a uma infinidade de produtos, alguns embalados em cortiça. "Os clientes dizem que é a loja das tentações, que entram para comprar uma coisa e levam várias", conta Alice Batista, 54 anos, 20 deles a trabalhar nesta casa. "Vim fazer a transição do escudo para o euro."

Alice é uma das dez funcionárias da empresa, todos em lay-off parcial. Nunca fecharam, mas reduziram o horário dada a falta de clientes. Clara lamenta: "Passam horas sem entrar uma pessoa. Entre março e outubro, vinham os estrangeiros que agora deixaram de viajar. Começam a aparecer turistas mas são poucos e não estão a entrar. E os portugueses, além de terem medo de sair de casa, foram de férias. Não estamos numa zona residencial, só aqui vem quem se desloca à Baixa. Temos quebras de 80%."

Sem faturar no estado de emergência (20 de março a 4 de maio), as vendas passaram a 10% com a reabertura do comércio, melhoraram ligeiramente, mas não ultrapassam os 20%. A faturação diminuiu 50% na garrafeira, 30% nos outros produtos. Têm loja online há dois anos, mas a vocação é o atendimento presencial.
 
A nacionalidade dos clientes vinha a mudar, antes da covid-19 eram de todo o lado: ingleses, alemães, franceses, italianos e espanhóis. O número de americanos diminuiu muito com o 11 de Setembro, mas chegaram mais brasileiros e angolanos.

Regras de segurança sanitária afixadas à porta, só podem entrar três pessoas de cada vez, gel desinfetante, tapete para limpar os sapatos, máscaras. Faltam os clientes. "Estamos a ver o que isto dá, a sobreviver e ver como é que as coisas correm até ao final do ano, a curto prazo não vejo grande perspetiva", diz Clara . O seu maior receio? "Não aguentar financeiramente a empresa, temos dinheiro de parte, mas há limites."

Piccadilly na Rua Augusta
Saindo da Betesga em direção ao Rossio, encontramos a Rua Augusta, pedonal há muitos anos e com pergaminhos no comércio local. Mantém-se por lá a Londres Salão na área dos tecidos de gama alta , enquanto outras igualmente importantes fecharam. A Casa Sousa encerrou as portas em 2013, a Casa Frazão em 2018 . Chegaram a existir 20 lojas de tecidos na Baixa.

Clientes, e até alguns funcionários destes espaços, foram para a Londres Salão. "O ano de 2019 foi excecional, o melhor da última década, e este tinha começado muito bem. Até ao estado de emergência estávamos melhor do que o ano passado. De repente, ficámos a zero", conta José Quadros, filho do proprietário. Sem faturar e com toda a coleção primavera-verão comprada, os prejuízos são grandes. Uma situação três vezes pior do que na crise de 2008, diz o gestor, quando as quebras rondaram os 18%.

"Estamos a fazer 35% da faturação; 40% dos clientes são estrangeiros e estes desapareceram, como desapareceu quem comprava tecidos para as toilettes dos casamentos e batizados". José Quadros gere a empresa desde 1986, tinha acabado o curso de Gestão. Além do pai, são sócios a tia e a prima. Com a pandemia, estiveram dois dias sem faturar, o que nunca acontecera. "Nem no 25 de Abril, o meu pai conta que vendeu quatro metros de tafetá." Têm cinco funcionários, três em lay-off total e dois em parcial. "É uma equipa fantástica e que tem 30 anos de experiência", sublinha José.

Fecharam no dia 17 de março, "já não havia ninguém na rua", para a reabrir a 7 de maio, depois de uma limpeza profunda e colocação de equipamentos de higiene, nomeadamente um dispensador de desinfetante que se aciona com o pé. E só entram dois clientes. Os estrangeiros vinham de Angola e de Moçambique, também de Brasil, Rússia, França, Itália (de onde são a maioria dos tecidos) e Espanha.

O estabelecimento abriu como Alfaiataria Londres Salão, em 1911, pelas mãos de Augusto Brandão. Numa das suas viagens, ficou impressionado com a rua londrina dos alfaiates, em Piccadilly Circus, e replicou esses ateliês em Portugal. A decoração e o mobiliário vieram de Londres e ainda hoje se mantêm.

A família Quadros comprou o negócio em 1950 e transformou a alfaiataria numa loja de tecidos de gama alta (sedas naturais, rendas, linhos, lantejoulas, etc.) Numa grande intervenção em 1999, voltaram à fachada original que se tinha perdido pelo caminho recorrendo a uma foto das montras da Rua Augusta, ornamentadas para receber Isabel II, em 1957. "Há duas boas lojas de tecidos em Portugal, o Cunha Rodrigues, no Porto, e a Londres Salão, em Lisboa", garante José Quadros.

Espera que o nível de vendas volte à normalidade em 2021, mas sente-se de mãos atadas por agora. "Não depende de mim, a Baixa está deserta. Até pode ser que as vendas disparem, o meu problema é saber como vamos viver até lá."