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MIDIA VAI EXCLUIR AFOXÉS DO CARNAVAL DE SALVADOR, POR TASSO FRANCO

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| 16/12/2008 às 22:26
Afoxé Filhos de Gandhy aberto ao povo-de-santo, a turistas e empresários
Foto: Foto: Arquivo

            Os órgãos que comandam o Carnaval de Salvador - Prefeitura através da Emtursa, Conselho do Carnaval e congêneres - anunciam que o tema escolhido para servir de marketing institucional da festa é Afoxés, em substituição aos desejados e preteridos Carmem Miranda e Dorival Caimmy, por questões de direitos autorais para aqueles que cuidam da imagem memorial desses artistas. Dinheiro. O pessoal queria grana alta e a Prefeitura pulou fora.


Com essa moldura completamente desconhecida da modelagem mercantilista do Carnaval e distante da contemporaneidade internacional, em termos de marketing (difusão e venda de um produto conhecido, atual), Afoxés, no entanto, tem a grandeza de trazer à luz da mídia (não sei se terá o espaço merecido, como a capoeira não teve este ano) um segmento da cultura baiana que sobrevive aos trancos e barrancos, e ainda não desapareceu graças a existência do Filhos de Gandhy.


E, também, graças a pequenos grupos comunitários, hoje, mais autênticos do que Filhos de Gandhy, porque neste saem além de filhos do povo de santo, turistas de todas as matizes religiosas, endinheirados baianos que querem tirar uma foto com o turbante e os colares, e personalidades da política e das artes. O Filhos do Congo, de Nadinho, ou Filhas de Olorum, esses ainda mantém as raízes ligadas ao bairro onde vivem, aos candombés que freqüentam e cultuam, produzem suas músicas e adereços, tudo de uma forma artesanal e com muitas dificuldades.


         Afoxé, é também chamado de Candomblé de rua. Trata-se de uma manifestação indo-euro-afro-brasileira com raízes no povo iorubá, portanto, com matrilínea predominante africana, em que seus integrantes são vinculados (em tese) a um terreiro do povo de santo. O termo afoxé provém da língua iorubá. É composto por três termos: a, prefixo nominal; fo, significa dizer, pronunciar; xé, significa realizar-se. Segundo mestre Antonio Risério, afoxé quer dizer o enunciado que faz acontecer.


            O afoxé tem comportamento específico, quando comunitário, seus foliões têm consciência de grupo, de valores e hábitos que os distinguem de qualquer outro bloco. Para quem não conhece o candomblé e seus cântico é como se fosse um bloco carnavalesco diferente, mas é o candomblé de rua, segundo o exagerado Raul Lody. Não chega a ser bem assim, mas, tem alguma analogia.


As principais características dos afoxés são as roupas (a exceção do pessoal do Gandhy que está sempre de branco, o tapete branco da paz) nas cores dos orixás, as cantigas com palavras em língua iorubá, instrumentos de percussão, atabaques, agogôs, afoxés e xequerês. O ritmo da dança na rua é o mesmo dos terreiros, bem como a melodia entoada. Os cantos são puxados em solo, por alguém de destaque no grupo, e são repetidos por todos, inclusive os instrumentistas.


Antes da saída dos afoxés ocorre o ritual religioso (como a cerimônia do "padê de Exu" feita antes dos ritos aos orixás numa festa de terreiro). O afoxé Embaixada da África foi a primeira manifestação negra a desfilar pelas ruas da Bahia, em 1885. Em seu primeiro desfile, utilizou indumentária importada da África. No ano seguinte, surgiu o afoxé Pândegos da África.


Dito isto, pois; o tema Afoxés não é midiático e as emissoras de TV que transmitem o Carnaval de Salvador para o Brasil e alguns países, em flashs ou asssociadas a web e outros canais internacionais, não vão dar a mínima importância a ele, assim como aconteceu com a capoeira que, embora seja a manifestação cultural da Bahia mais difundida no mundo, passou batida em 2008.


O que fazer? Nada. O Carnaval de Salvador tem sua rotina própria, uma engrenagem empresarial fabulosa, patrocínio de multinacionais e pouco pode ser modificado porque onde existe a trilha do dinheiro, do show bizz, do estrelato e da disputa consumista e de fixação de marcas e produtos, tudo o mais vira acessório. O tema Afoxés vai ser, portanto, acessório.


De toda maneira, com a exclusão de Carmen Miranda e Dorival Caimmy, este agora mais carioca que baiano, a Prefeitura e o Conselho do Carnaval acertaram no que não viram. A cultura e a TVE agradecem. O canal governamental, pelo menos, organiza depoimentos para a memória da cidade. Já é alguma coisa.