Saúde

FRANÇA ENFRENTA FALTA DE MÉDICOS E ENFERMEIRAS NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Com Le Monde informações
Tasso Franco , Paris | 28/05/2022 às 05:43
Pandemia da Covid teria ampliado o problema
Foto: BJÁ
  Acesso filtrado e encerramentos em cascata: a escassez de cuidadores em situações de emergência está a transformar-se num “desastre” , com já 120 serviços obrigados a limitar a sua atividade ou a preparar-se para ela, prelúdio para um verão “excruciante” .

 Da memória de um médico emergencista, “nunca experimentamos tamanha tensão mesmo antes do período de verão” . Falta de médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem ou "leitos a jusante" para transferir pacientes: os serviços de emergência desses hospitais enfrentam sérias "dificuldades" , segundo uma lista elaborada pela associação SAMU-Urgências de França (SUdF) e que a AFP obteve.

Estes 120 serviços representam quase 20% dos cerca de 620 estabelecimentos – públicos e privados – que acolhem um ou mais serviços de urgência. Nenhum território é poupado, com 60 departamentos afetados em todas as regiões, segundo esta contagem que não inclui a Córsega, as Antilhas e a Guiana. Para um praticante que trabalha num dos estabelecimentos em causa, “a situação é catastrófica” e faria “quase lamentar a pandemia” de Covid.

Sinal adicional de uma crise sem precedentes, 14 dos 32 maiores hospitais franceses (CHU e CHR) estão nesta lista. A de Bordeaux acaba de introduzir o “acesso regulado” todas as noites entre as 20h e as 8h. Exceto "emergência comprovada" , é impossível entrar no primeiro serviço da Nova Aquitânia sem um telefonema prévio para o 15.


COMENTÁRIO DO LE MONDE

Onde fala o Sr. Véran quando afirma, no dia 12 de maio na BFM-TV, que os problemas da falta de cuidadores, levando ao fechamento de leitos e serviços hospitalares, não decorrem apenas de um problema de salários, mas de organização ?

Ele tem razão ao dizer que há um verdadeiro problema organizacional no hospital público, quando o fechamento de leitos e serviços provoca o caos dentro do hospital, obrigando os cuidadores a alterar horários, a retornar às férias, a cuidar de pacientes cuja patologia eles nem sempre sabe muito bem. Ele está certo ao dizer que esse problema organizacional corre o risco de levar a uma forma de maus-tratos para os profissionais sobreviventes e para os pacientes que aguardam um leito para serem tratados adequadamente.

Mas ele não confunde o efeito e a causa? A desorganização “organizada” não é fruto de políticas de saúde empreendidas há várias décadas, centradas apenas na rentabilidade financeira dos hospitais públicos? A desorganização - a causa de tudo - não resultou da falta de meios que a crise do Covid-19 obscureceu em parte? Acreditava-se que essa crise sanitária levaria a um questionamento das políticas de saúde pública neoliberais, mas acontece que em 2022 nada foi feito, ao contrário do que afirma o governo ao repetir que bilhões foram destinados ao hospital público. Em muitos estabelecimentos faltam milhões para "completar" o Ségur - este mantra repetido pelo ministro -, adiando os pedidos de reforços necessários para suprir a falta de pessoal. Os hospitais não seriam capazes de organizar a escassez? Eles não seriam capazes de atrair cuidadores – tão bem pagos agora?

Uma burocracia avassaladora
Outro nome para desorganização é burocracia. O Sr. Véran tem razão quando aponta que os encargos administrativos que pesam sobre os cuidadores os impedem de segurar aquela mão, de tranquilizar aquele paciente, quando é necessário rastrear, anotar, inserir dados abstratos nos computadores do serviço, e em seguida, processe-os para contagem. O Sr. Véran tem mil vezes razão em apontar que esse peso insano só pode prejudicar a qualidade do trabalho. Mas esse peso administrativo não é consequência de uma forma de privatização do hospital cujo único imperativo categórico seria o equilíbrio das despesas?