O Movimento Desocupa encaminhou nesta sexta-feira (13), ao Conselho Estadual de Cultura, uma "Carta Aberta sobre o Bairro 2 de Julho" pela qual busca sensibilizar o órgão para a necessidade de questionamento do projeto "Humanização do Bairro Santa Tereza", proposto pela Prefeitura, que delimita uma poligonal de intervenção que é praticamente igual à do projeto Cluster Santa Tereza, gestado por duas empresas privadas e com objetivos unicamente imobiliários: a Eurofort Patrimonial e a RFM Participações, (projeto que vem sendo desenvolvido pelo menos desde 2007).
A carta chama a atenção para a fragilidade e o preconceito contidos no projeto, que se propõe, por exemplo, a "redesenhar os seus cenários paisagísticos e físico-sociais [de Salvador] e oferecer à cidade um novo conceito de espaço urbano: o bairro humanizado"(sic!). Propõe também "dotar essa grande área de identidade e auto-estima, dando-lhe alma e corpo de um verdadeiro bairro, uma vez que os seus atuais moradores e usuários não possuem qualquer referência desse conceito" (...) "proporcionar um "upgrade" à imagem do bairro".
"É impossível pensar que não se tenha aprendido nada com as consequências deste tipo de intervenção que se preocupa exclusivamente com a estrutura física de uma bairro, sem qualquer rebatimento para os moradores e usuários da região. Essa tipo de pensamento retrógrado que segrega o patrimônio material do imaterial foi o mesmo que balizou as políticas adotadas de "revitalização" do Centro Histórico de Salvador, causando os problemas sociais nefastos já conhecidos e o mínimo de preocupação por parte do Estado com as populações que ali residiam", alerta o documento do movimento.
Citando dispositivos constitucionais e outras leis que configuram a compreensão atual dos sentidos do patrimônio histórico e cultural material e imaterial, a Carta Aberta alerta para a necessidade dos projetos de intervenção urbana levarem em conta, dentre outros aspectos, "a salvaguarda das populações economicamente mais vulneráveis que habitam essas regiões, no caso em questão, o Bairro 2 de Julho. Do contrário, estaríamos insistindo nessa dessasociação elitista do patrimônio, que atropela os interesses da coletividade, fere os direitos de moradia digna em prol da valorização dos imóveis. Pois sabemos que a consequência de projetos como esse são a expulsão da população tradicional para áreas distantes e desprovidas de toda a complexa e delicada teia social que foi sendo tecida ao longo de gerações", denuncia.
"Quem conhece o 2 de Julho reconhece nele imediatamente uma vida pulsante, seja de dia ou de noite, atrelada diretamente às pessoas que ali residem e frequentam: são rodas de capoeira, bares, restaurantes, feiras com os mais variados produtos e uma infinita gama de serviços que asseguram a vida de milhares de pessoas. Portanto, propostas de intervenção em um bairro tão importante para a cidade são bem-vindos, desde que desenvolvidas por um processo participativo legítimo e que sejam tomadas todas as medidas cabíveis para assegurar a permanência das pessoas que atualmente usam e habitam essa região. Do contrário, estaríamos mais uma vez concordando com o tipo de política que intervêm em um lugar para que apenas cidadãos de maior poder aquisitivo possam desfrutar dessas melhorias".
Por fim, tendo em vista o "inegável valor cultural da área do 2 de Julho e entorno para o Estado da Bahia, solicitamos desse Conselho uma manifestação acerca do referido Projeto Humanização do Bairro Santa Tereza e dos seus impactos sobre o patrimônio cultural da Cidade e do Estado. Da mesma forma, aguardamos por um posicionamento em relação ao projeto do hotel da grife Txai, que causará impactos sociais e paisagísticos na referida região".