Muito mais que uma fonte de renda, o artesanato no sertão da Bahia está ajudando a proteger a área onde vive e se reproduz uma ave brasileira ameaçada de extinção, a Arara-azul-de-lear (Anodorynchus leari), que só existe na caatinga baiana. Na década de 80, a população da espécie era de cerca de apenas 60 animais. Hoje, as últimas contagens de órgãos ambientais já mostram uma população de pouco mais de mil araras, nos nove municípios onde ela está: Paulo Afonso, Monte Santo, Euclides da Cunha, Campo Formoso, Jeremoabo, Sento Sé, Uauá, Canudos e Santa Brígida.
Os cuidados de instituições e moradores da caatinga vêm ajudando a diminuir os riscos de extinção da espécie, que atualmente está classificada como "criticamente em perigo", pelo CEMAV - Centro Nacional de Pesquisa para Conservação de Aves Silvestres. A comida preferida das aves é o coquinho do licuri, árvore cujas palmeiras tradicionalmente eram extraídas sem nenhum cuidado para mantê-la viva. E em alguns meses do ano, que antecediam o período chuvoso, as árvores eram cortadas, deixando a terra "limpa" para o plantio de milho e feijão ou para criação de pequenos animais como bodes e carneiros.
Sem o principal alimento, as araras buscavam uma alimentação alternativa, como o pinhão, o umbu, o mucunã, a baraúna e o fruto do mandacaru, mas, como numa resposta natural à ação humana, atacavam também os plantios de milho da região, deixando os agricultores irritados.
Há mais de 20 anos, foi criado o Programa de Conservação e Manejo da Arara-azul-de-lear para assegurar a sobrevivência dessa espécie de rara beleza. O programa desenvolve ações de pesquisa, educação ambiental e conservação do ambiente do qual as aves dependem. As comunidades sertanejas são envolvidas em projetos de geração de renda nas áreas onde as araras vivem. A Associação de Artesãos de Santa Brígida tem 23 associados que são parceiros do programa. Eles fazem peças de decoração e utensílios domésticos com a palha de licuri, mas aprenderam uma técnica de retirada da folha que não maltrata a árvore. "São duas folhas por palmeira a cada 90 dias. Desse jeito, o liculizeiro continua produzindo normalmente e não falta comida para a arara", ensina o presidente da associação, Zé de Rita.
As famílias estão aprendendo que, para ter renda, não precisam devastar o lugar onde elas e as araras moram
Para algumas famílias, o artesanato é um complemento no orçamento de casa, mas para outras, é a única fonte de renda. Por isso a importância de lidar de forma responsável com a mata nativa. No tingimento das peças são usados corantes naturais, retirados de ervas e arbustos da caatinga. "Assim, as famílias vão aprendendo que, para ter renda, não precisam devastar o lugar onde elas e as araras moram", garante a coordenadora do programa, a bióloga Simone Tenório, complementando que muitos aprenderam também a plantar sem precisar cortar a árvore. Outra matéria prima para o artesanato da região é a madeira morta de umburana. As aves silvestres, incluindo a arara, dão formato à maioria das peças esculpidas pelos artesãos.
Nos últimos anos, o Programa de Conservação e Manejo da Arara-azul-de-lear, financiado pela Fundação Loro Parque, vem ganhando o apoio do Sebrae, que ajuda na organização das associações para que o maior número de pessoas seja treinado na prática de um artesanato sustentável. "Recentemente, no povoado de Morada Velha, em Santa Brígida, um grupo de artesãos da cidade de Euclides da Cunha, foi conhecer a unidade de produção local para que possam praticar uma atividade semelhante onde eles vivem", conta a técnica do Sebrae em Paulo Afonso, Carmen Reis. Estudos feitos pelo programa mostraram que é em Euclides da Cunha onde estão concentrados 51% da área de alimentação da arara.
Juntas, a Associação dos Artesãos de Santa Brígida e a Associação dos Artesãos de Lear de Serra Branca, em Euclides da Cunha, comercializam peças em feiras e ventos da região e até em outros estados. O Sebrae também está apoiando ações para a ampliação do mercado comprador. "Os artesãos já entregaram amostras de peças que podem servir de embalagens especiais para os doces produzidos pela Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá - Coopercuc", diz Carmen. Atualmente, os artesãos de Serra Branca estão sendo capacitados em Gestão e Empreendedorismo.
O Sebrae integrou-se ao projeto aceitando o convite da Prefeitura de Euclides da Cunha e da Associação Movimento João de Barro e, envolvendo as comunidades, vem demonstrando que só há lucro quando o homem mantém com a natureza uma parceria responsável. (AG SEBRAE)