Boleiro, de olho nas curvas da jabulani, reflito:
Às vezes o toque de bola do time da Espanha, como o do Barcelona, lembra-me o antigo ‘toco e me voy' argentino, de técnica refinada, cheio de triangulações por todo o campo. Quando um está com a posse da bola, logo se apresentam dois , de um lado e de outro, como opções de passe. Isso no campo inteiro. É bonito de se ver.
Recordo-me do velho e folclórico Gentil Cardoso, treinador dos anos 50, que dizia como máxima para seus atletas: ‘Quem pede, recebe; quem se desloca, tem preferência'.
Isso tudo parece superado, antigo, romântico... diante dos resultados. Os times modernos não se preocupam em jogar, ter a bola, valorizar a posse, trocar passes, ter o domínio das ações e do campo, dar espetáculo. Porque isso nem sempre significa eficiência. E a meta é vencer.
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Faço essa reflexão em cima dos resultados obtidos por Espanha e Brasil na primeira rodada de classificação da Copa do Mundo da África. O time de Dunga, tido como pragmático, defensivo e apenas bom no contragolpe, ganhou da Coréia do Sul, teve o domínio do jogo, a posse de bola, mas o placar foi apertado. Os coreanos defenderam-se com nove, sempre, e somente já no final do jogo arriscou alguns ataques na base do chutão para a área adversária. Assim fez um gol, pegando a zaga brasileira dorminhocando no frio e Júlio Cesar travado, a bater o queixo, diante do quê fazer durante todo o tempo do jogo.
Foi duro atravessar a floresta de pernas amarelas, iguais, ocupando todo o espaço defensivo coreano. A única alternativa, nessas ocasiões, é atacar pelos flancos, chegando à linha de fundo. Mas desaprendemos de fazer isso. Não temos mais ponteiros, como Garrincha, Edu, Osni, Jesum, que desmantelavam os ‘ferrolhos' com dribles na beira do gramado e cruzavam forte pra dentro da pequena área. Fatal. Hoje os laterais chegam na intermediária e levantam a bola pra dentro da grande área. Em 98% dos levantamentos, a zaga, de frente, melhor posicionada, corta.
O gol de Maicon foi uma rara jogada de fundo. Elano aprofundou, no tempo certo, e o lateral brasileiro, quase em cima da linha, acertou um chutaço entre o goleiro e a trave, com efeito, indefensável. O segundo gol foi resultado de um passe primoroso de Robinho, raríssimo hoje em dia, rasteiro e insinuante, rasgando o meio da zaga. Elano, que jogou com Robinho desde menino, adivinhou, lançou-se no tempo certo e só tirou do goleiro.
O 2 x 1 teve um ranço de frustração, pra quem esperava, acreditava numa goleada. Mas, depois de vermos a bela e poderosa Espanha levar um ‘gude preso' da sofrível Suíça... Ah, valeu a nossa apertada vitória, sim.
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Cadê a ‘Fúria Espanhola'?
A Espanha teve a bola, o domínio do jogo o tempo e o campo inteiro, trocando passes, invertendo jogadas e posicionamentos, tentando abrir espaço para as finalizações... Mas os leves e técnicos atletas espanhóis batiam-se no muro suíço. Grandalhões louros, robustos e obstinados, rebatiam todas, não davam brechas, e o tempo foi passando. O goleiro Casillas, espanhol, nem pegava na bola, o controle do jogo era absoluto. Mas foi a Suíça que fez 1 x 0 num chutão despretencioso do seu goleiro para frente. A zaga se atrapalhou no corte, a bola sobrou para o atacante Fernandez (suíço, de origem africana) que matou o jogo. Uma zebra listrada de vermelho e branco em plena África, pastando!
‘Maldita África, maldita Copa!', lamentam-se os espanhóis, lembrando que o time, campeão europeu, tido como um dos melhores e candidatíssimo ao título, sempre se dá mal em competições jogadas no continente africano e nunca atuou bem numa Copa do Mundo. Uma maldição que os atormenta, há décadas. ‘Non creo em brujas, pero que las hay, hay!'
Faltou aos espanhóis os tais ponteiros, abertos, chegando na linha de fundo. Pelo meio não tinha espaços para a penetração. Os chutes de fora estavam descalibrados e o goleiro suíço parecia seguro. A Espanha jogou muito e chutou pouco. Parecia dar espetáculo, mas sem gana de ganhar o jogo.
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Zumbidos de longe
Não sei se é por estar bem longe ... já me acostumei e até gosto do barulho de enxame das vuvuzelas. Lembra-me o zumbido dos cortiços de abelhas (agitadas) de Vô Antero, meus tempos de infância na roça.
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Barbas de molho
Anunciaram oficialmente que o Morumbi (SP) está fora da Copa 2014. O projeto de reforma apresentado à Fifa não tem respaldo financeiro, o governo federal não vai bancar. Ricardão, o presidente da CBF, está metido nesse ‘embrulho' paulista, tem muito interesse em jogo. O time do São Paulo pode estar mesmo fora da jogada, mas São Paulo, a maior cidade do país, ninguém imagina fora do evento. Nem o Ricardão nem o governo paulista, o mais rico dos estados brasileiros e onde se joga o melhor futebol do país. Vão ter de dar um jeito nisso. Quem? É esperar pra ver.
Cá com meus botões, barbas de molho, só penso no tal arenão que pretendem plantar diante do Dique do Tororó depois da demolição e implosão da velha Fonte Nova. Por enquanto, por lá, apenas desalojaram Bobô e sua turma, fecharam as piscinas olímpicas e fizeram um cerdadinho pra enganar os trouxas, dizendo que as obras começaram. Pois bem. Essa Copa 2014 na Bahia ainda vai render muito zumbido de vuvuzelas, quem viver verá!