Salvador

FESTA DE IEMANJÁ É A ÚNICA DO CICLO POPULAR QUE HOMENAGEIA UMA ORIXÁ

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| 31/01/2010 às 14:04
Washington Santana tem a missão de produzir o presente principal
Foto: Rejane Carneiro

Um olhar que preserva a história e alimenta a alma. Sustenta uma das mais glamorosas festas populares da cidade do Salvador e atrai uma multidão admiradora da tradição e da magia afro brasileira. A Festa de Iemanjá reúne nas praias do Rio Vermelho, no dia 2 de fevereiro, fiéis e admiradores. Um dia de homenagens que dão o tom de um encontro que acontece desde 1923, ano que a vila de pescadores passava por um momento de pouco pescado e passou a pedir, através de sua crença, por dias melhores que logo chegaram.


Se para alguns a festa se resume ao 2 de fevereiro, para outros ela revela um árduo trabalho de um ano inteiro. Uma missão obstinada, cheia de fé e de respeito à cultura popular, conduzida pelo artista plástico Washington Santana, que tem a missão de produzir o "Presente Principal" destinado a orixá de origem africana. A peça leva meses para ser confeccionada. É pensada, repensada e guardada à sete chaves até o dia da festa, quando ganha espaço especial no cenário da embarcação principal - o Barco Rio Vermelho - que lidera o cortejo com 300 outras embarcações e levam para alto-mar, a seis milhas da costa, os balaios, carregados de presentes, pentes, espelhos, sabonetes, perfumes, flores e jóias.


Há mais de 20 anos Santana vive com intensidade esse momento da festa. É um dos mais fervorosos participantes. Há três, comanda a principal obra de arte que homenageia Iemanjá e é vista e admirada por dezena de milhares de pessoas. "A festa terá muitas décadas ou séculos de sobrevivência, banhada de lavandas e flores na borda do atlântico e fincada na tradição afro brasileira", afirma um entusiasmado Washington Santana. Para alimentar ainda mais a magia que toma conta da festa, ele não revela como será o "Presente Principal". "Apenas três pessoas já conhecem o projeto", afirma. As únicas informações que deixa escapar sobre a peça é que ela terá 1,20 m de altura e 1,50 m de comprimento.


Irrequieto e polêmico, Santana é um artista plástico muito bem conceituado junto à crítica especializada nacional e estrangeira. O seu talento é do mundo, mas tem marcas profundas no cenário da Bahia de tantas raízes africanas. São dele, por exemplo, as gigantescas e polêmicas esculturas com tubos de polietileno do Dique do Tororó, em Salvador. Marca registrada de uma cidade que é a "cara" da África.


A polêmica é marca do trabalho do artista. Em sua primeira mostra individual, em 1973, abriu mão de expor em uma luxuosa galeria e apresentou o seu trabalho no Morro do Cristo, em Salvador, deixando as obras ao ar livre. É vasculhando o lixo à cata de frascos de desodorantes e de perfumes, pedaços partidos de óculos ou de escovas, que Santana encontra inspiração para as suas obras. Considerado um "poeta do lixo", suas obras surgem de entulhos do Aterro de Canabrava, passam pelos restos do manicômio de Santa Mônica, pelo lixo da periferia de Nova Iork e chegam aos depósitos públicos de São Paulo que revelam o incontrolável desperdício produzido por uma sociedade cada vez mais consumista. Estar, neste momento, no comando da criação de uma das mais importantes peças do sincretismo religioso da Bahia é estar perto do que acredita. É estar em paz. Feliz e realizado. Cheio de fé e de esperança.