Salvador

SALVADOR 459 ANOS:HISTÓRIA QUE PRECISA SER MELHOR ESTUDADA E REESCRITA

É o retrato fiel da Bahia
| 29/03/2008 às 11:03
Américo Vespúcio fez o primeiro mapa do território de Salvador. Esquecido pela cidade (Foto/Rep)
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  Miudinhas históricas sobre o aniversário de Salvador - 459 anos:

  1. Você saberia dizer qual a cidade mais velha: Salvador ou Recife? Os pernambucanos dizem que é Recife porque consideram a data de instalação da Capitana de Pernambuco, 1534, como um marco de história da cidade. Daí que Recife completará, em 2008, 174 anos. A Capitania da Bahia é da mesma época da de Pernambuco (1534), mas os historiadores baianos se limitaram ao documento de Almeirin, que criou a cidade do Salvador (no papel), em 1548.

  2. Ainda assim, só consideraram como a data de aniversário da cidade, 29 de março de 1549, data em que a esquadra de Tomé de Souza chegou a Baía de Todos os Santos. O curioso é que Tomé passou uma semana na nau capitânea e só desembarcou em abril. Ademais, a cidade só começou a ser construída em 2 de maio. Os historiadores passaram a borracha em tudo e definiram que a data seria 29 de março, como até hoje se comemora.

  3. Veja bem: até a décade de 1940, data do quatricentenário de fundação da cidade, as comemorações ao 29 de março não existiam. A partir de 1949, quando definida a data, se 29 de março, 2 de maio, 13 de junho (instalação do governo e procisssão de Corpus Christi) é que se iniciaram as comemorações de aniversário da cidade.

  4. Vale ainda lembrar que antes da instalação da Capitania da Bahia já existia uma vila (Vila do Caramuru) que se ergueu no altiplano do hoje bairro da Graça, isso por volta de 1520. A capela da Graça, a primeira da Bahia, é de 1529, depois que Catarina Du Brézil (nome original que a tupinambá Quayadin foi batizada em Saint Mallo, na França, depois popularizado para Catarina do Brasil) se converteu ao catolicismo e ergeu a capela com a ajuda do seu marido, Diogo Álvares, o Caramuru.

  5. Então, a rigor, as datas das localidades dos povoamentos onde hoje se situa Salvador deveriam ser: 499 anos (chegada de Diogo Álvares a Bahia); 180 anos (instalação da Vila do Caramuru, por Diogo Álvares); 474 anos (data de indicação da Capitania da Bahia (o 1º donatário, Francisco Pereira Coutinho só chegou em 1536); 460 anos (data que foi publicado o Regimento de Almeirin, documento que o rei Dom João III institiu a cidade do Salvador); 459 anos (chegada de Tomé de Souza).

  6. Portanto, tem datas para todos os gostos, mas, a que vale (oficialmente) é 29 de março de 1549, ainda que não existisse sequer o marco inicial da cidade e Tomé de Souza permanecesse à bordo.

  7. É por essas e outras que Salvador é uma cidade repleta de contrastes desde a narrativa dos seus fatos históricos. O bispado da Bahia, criado pelo Papa Júlio III (bula Super Specula Militantes) foi criado em 25 de fevereiro de 1551 e o 1º bispo a chegar em Salvador, para assumir o cargo, Dom Pedro (Pero) Fernandes Sardinha só desembarcou na cidade no dia 22 de junho de 1552.

  8. Missa e casamentos já se faziam na Capela de Nossa Senhora da Graça (hoje um pequeno mosteiro beneditino no bairro da Graça) desde 1530. E alguns filhos de Diogo Álvares e Catarina Paraguaçu foram casados ai, antes da chegada do bispo e de criação da Diocese.

  9. Situe-se, também, que vieram cinco padres jesuitas comandados por Manoel da Nóbrega na esquadra de Tomé de Souza e rezavam missas na antiga Sé de Palha, a igrejinha da Ajuda, ainda hoje no centro de Salvador. Portanto, antes da chegada do bispo.

  10. E aí: alguém reverencia esses personagens da história original da cidade (ainda vila)? Zero. Não há uma estátua, nem de sabão, de Diogo Álvares na cidade. A praça Catarina Paraguaçu é num beco da Graça. A praça principal homenageia um médico quando deveria ser Caratina Paraguaçu.

  11. Querem mais exemplos interessantes: salvo o Restaurante Pereira, alguém fala em Francisco Pereira Coutinho, o primeiro capitão hereditário da Bahia? Zero. As ruas principais da Barra são Princesa Isabel, Princesa Leopoldina, Miguel Bournier. César Zama e por aí vai. A princesa Leopoldina, filha de Dom Pedro II, nunca pisou os pés na Bahia. Morreu jovem, em Viena. Da mesma forma, a princesa Isabel.

  12. O Porto da Barra deveria se chamar Porto da Vila Velha do Pereira. Nada mais justo. Mas, os nossos vereadores estão preocupados com o PDDU porque dá mais resultados. A história que se lixe.

  13. Aqui vai outro exemplo interessante do ponto de vista histórico: o navegador português Gonçalo Coelho foi quem descobriu a Bahia (Cabral descobriu o Brasil quando era Terra de Santa Cruz ou Ilha de Vera Cruz). Não existia a Bahia nessa época (1500). O acidente geográfico Baía de Todos os Santos foi achado pela expedição de Gonçalo Coelho em 1º de novembro de 1501. Mas, Gonçalo Coelho é um sujeito tão desconhecido da história da Bahia (e de Salvador) que muita gente ainda acha que, quem descobriu a Bahia (Baía) foi Amércio Vespúcio.

  14. Américo Vespúcio era o cartógrafo da expedição de Conçalo Coelho. Ou seja, era o mapista (desenhista) que fez o primeiro croqui do local onde hoje se situa a cidade do Salvador. Alguém conhece alguma Praça com o nome de Américo Vespúcio em Salvador? A praça Municipal deveria ser chamada de Américo Vespúcio ou Gonçalo Ceolho. Mas, nada, zero.  

   15. Outra coisa curiosa. Diogo Álvares, o Caramuru, desembarcou no Rio Vermelho em 1509, constituiu família com as tupinambás, casou com Catarina Paraguaçu, é responsável pela primeira miscigenação baiana, viveu aqui até sua morte (está sepultado na Catedral da Sé), ajudou Tomé a construir a cidade e nem uma medalhinha de latão pra ele. A Praça do Rio Vermelho chama-se Colombo. Ora, Cristovão Colombo nunca veio na Bahia. 

  16.  Ademais, a estátua de Colombo, o qual, foi um grande navegador está afixada de costas para o mar.

  17. E a Rua Direita do Palácio? É a Rua mais antiga do Brasil. Nome belíssimo, histórico. Pois bem: passou uma esquadra de navios chilenos em Salvador no século passado e trocaram o nome desta rua para Chile. Uma aberração. O Chile não tem nada a ver com a Bahia. É tão distante da Bahia em termos de cultura, história, etc, quanto a China. Mas, o que vale é esse nome Rua Chile. Passaram a borracha em mais de 300 anos de história.

  18. Por enquanto é só. Mas, tem muito mais coisa. O prefeito atual de Salvador, João Henrique, em artigo publicado hoje, em A Tarde, diz que não adianta viver no passado. Tem que se pensar no futuro. 

  19. A frase tem duplo efeito porque é impossível do ponto de vista da contemporaneidade, do bom senso, etc, etc, ser governante de uma cidade como Salvador e não olhar o seu passado pelo menos com a ótica da sua história.

  20. A frase é do ministro Gilberto Gil, da Cultura, também dita hoje ao Terra Magazine: Salvador é o fundamento do país.

   21. E, pra entender Salvador tem que abraçar sua história e sua gente. História que precisa ser reescrita para colocar os pontos nos iis.