Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA ANALISA LIVRO "É A ALES", DO PRÊMIO NOBEL 2023, JON FOSSE

Livro que o autor põe o leitor para pensar na existência humana das primeiras linhas às últimas – o amor, a dor, a solidão, a compaixão e o que mais se queira entender.
27/10/2023 às 09:53
 A Academia Sueca premiou o escritor norueguês Jon Fosse com o prêmio Nobel de Literatura 2023. Fosse é desconhecido da maioria dos brasileiros e só tem dois livros publicados em português: "Melancolia", editado pela Tordesilhas, em 2015: e "É a Ales", em 2023, pela Companhia das Letras, embora seja autor de uma extensa obra em prosa, poesia, ensaios, contos, livros infantis e peças teatrais que vem publicando em seu país desde 1981, na Europa e nos Estados Unidos. 

Não é, portanto, um novato, um desses fenômenos que aparecem fazendo grande sucesso com uma obra (às vezes única) e desaparecem, e já foi laureado com "Nordic Council Literature Prize", Oslo, que vem agraciando escritores de línguas nórdicas desde 1962 e já laureou Samuel Beckett, Virginia Woof, Rudyard Kipling entre outros.

Aliás, não chega a ser novidade, a Academia Sueca premiar escritores que são desconhecidos dos brasileiros e só lembrando os mais recentes, ano passado, foi a francesa Annie Emaux; em 2021, Abdulrazak Gumah, da Tanzânia; em 2020 Louise Gluck, poetisa, EUA; Peter Handke, austríaco, 2019; Olga Tokarczuk, polonesa, 2018; Kazuo Ishigura, nipo-britânico, 2017; e todos eles têm poucas obras editadas no Brasil. 

No caso de Fosse, a Fósforo e a Companhia das Letras prometem edições de novos livros deste norueguês que criou um novo estilo (enigmático) de escrever. É o que dizem. O Le Monde destaca que é o Beckett do século XXI. Para quem não está familiarizado com o estilo de Samuel Beckett, o irlandês que nos brindou com a peça "Esperando Godot" classifica-se como teatro do absurdo. Ou seja, de desolação, solidão e incomunicabilidade da humanidade.

Não conheço nenhum peça de Fosse e li, recentemente, uma das suas duas obras editadas no Brasil, o "É A Ales" (Editora Companhia das Letras, 108 páginas, tradução Guilherme da Silva Braga, capa xilogravura de Edvard Munch, 1ª edição 2023, SP, R$64,90 Amazon) uma ficção em prosa que retrata a história de um homem que sai com um pequeno barco para pescar (ou passear) num fiorde, num dia sombrio, chuvoso, escuro e com ventania para nunca mais voltar; e de uma mulher (Signe) que fica a sua espera observando o seu espectro a partir de uma janela de sua casa.

Simples, assim se apresenta o enredo, um homem que morre afogado por navegar num dia impróprio e de uma mulher que fica anos a fio, à sua espera. Diria que, de fato, é um roteiro que se mostra apenas aparentemente simplório, de fácil interpretação, mas não é. 

O autor desenvolve o texto, sobretudo a percepção que a mulher tem do possível retorno do marido, o pensar, que torna o livro de um enredo complexo na medida em que, as interpretações dos comportamentos mentais dos personagens levam os leitores de roldão, ora se sentindo Signe (a mulher) e suas angústias na expectativa de que, Ales vai voltar; ora, entendendo que Ales está vivo e, de fato, retornaria. Eis, pois, a complicação. O sensorial do livro.

E esse diálogo, em boa medida, se passa entre os dois. Acompanhe um trecho: - Você vai ao Fiorde, é nisso que você está pensando, diz Signe. – Eu não estou pensando em nada, diz Asle. – Em nada, diz Signe. – É, diz Asle. Não estou pensando em nada, ele diz. Eu sou estou aqui parado, ele diz. – Você só está aí parado, diz Signe. – É, diz Asle. – Que dia é hoje, diz Signe. – Terça-feira, diz Asle. É uma terça-feira no fim de novembro, e o ano é 1979, ele diz. – Os anos passam depressa, diz Signe. – Incrivelmente depressa, diz Asle. – É uma terça-feira no fim de novembro, diz Signe. – É, diz Asle...e ele se afasta da janela e segue em direção à porta que dá para o corredor. – Você está indo, diz Signe. – Estou, diz Asle. – Aonde você vai, diz Signe. – Eu vou dar um passeio, diz Asle. – Bem, você, deve poder, diz Signe. – Claro, diz Asle

   Creio que o autor usa conceitos do beheviorismo, da psicologia comportamental, com base no meio em que os personagens estão inseridos, na Noruega fria, sombria, escura de um tempo outonal (novembro) em que o principal personagem Asle, o homem, vai ao encontro da morte, parece-nos proposital, na medida em que deixa a sua esposa, com quem vivia há anos numa velha e acolhedora casa, aquecida, para dar um passeio num Fiorde usando um pequeno barco de madeira num tempo de mar revolto, numa espécie de visita a caldeira do inferno.

  Acompanhemos o raciocínio do escritor: [...Ela pensa, então olha para a janela e se vê parada defronte a janela olhando para fora e então se vê indo em direção à sala e se vê pegando uma acha de lenha, se abaixando e colocando-a dentro da estufa e então se vê em silêncio olhando para a porta, e ele entra na sala, fecha a porta...- Eu vou dar um passeio no Fiorde, diz Asle. – Tudo bem, diz Signe. – O dia clareou um pouco, diz Asle. ´É está tão claro quanto fica nesta altura do ano, diz Signe. – Pelo menos está claro o bastante para um passeio, diz Asle. – Para você nem faz tanta diferença assim diz Signe. – Não, diz Asle.  

  Não devo, pois, assim penso (aqui imitando o autor pois essa é a expressão mais usada no livro, a exaustão, um lugar comum que poderia até se tornar um enfado, no sentido de tanto pensar, porém, o autor a usa com uma simplicidade tal que torna agradável e criativo) contextualizar mais diálogos desse naipe deixando que os leitores tirem suas próprias conclusões. 

  O certo é que, Fosse navega entre presente e passado dessa família de poucos entes, um casal (aparentemente sem amigos) que vivia isolado nas proximidades de um fiorde, centraliza o âmago do enredo na mulher (sem filhos) dedicada ao marido (sem ambições e que tem amor, além da esposa a seu pequeno barco) e trata do passado (avô, a trisavó) na reverberações dos diálogos. 

Livro que o autor põe o leitor para pensar na existência humana das primeiras linhas às últimas – o amor, a dor, a solidão, a compaixão e o que mais se queira entender.