Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA "UM JAGUNÇO EM PARIS", DE OLEONE COELHO FONTES

E toda essa longa trajetória nasceu lá em Chorrochó, quando tinha 12 anos de idade e teve a premonição de conhecer a Dinamarca após a visita a uma exposição de bodes em Uauá
13/10/2023 às 12:31
    O escritor Oleone Coelho Fontes é um dos maiores especialistas em narrativas do cangaço e um dos seus livros sobre as andanças de Lampião e seu bando pelo interior da Bahia, a chacina de soldados da PM em Queimadas pelo facínora, suas peripécias em Cumbe, Tucano, Pombal, Glória, Mirandela, etc, são, ao que conheço, o que melhor já se escreveu em ensaio sobre esse tema, com inúmeros depoimentos de pessoas que entrevistou em sua peregrinação por esses locais. Portanto, nada chutado ou inventado como há muitas histórias a respeito de Lampião que são inverídicas.

    Vou comentar, no entanto, um outra obra de sua pena intitulada "Um Jagunço em Paris" (Editora Ponto e Virgula, 2014, capa de Cristina Gatto e do editor Sérgio Sinoti, 300 páginas, R$60,00 - Livraria Escariz, Shopping Barra, e também em portais da internet) que é apresentado como um romance, mas entendo que sejam crônicas, narrativas de uma longa temporada em que morou e trabalhou na capital francesa como “colect glasses” em restaurante, artista de rua e empresário, linkadas  com sua ancestralidade em Chorrochó e os ensinamentos do seu pai José da Gama Oliveira (Zé Controle) e das vivências sertanejas. 

  Oleone, ao contrário de muitos autores que se deixaram seduzir por Paris e esqueceram suas raízes, também se apaixonou pela cidade, até se casou com uma francesa, mas, nunca perdeu de vista a sua origem de sertanejo, de jagunço, de uma personalidade que valoriza o lugar que que nasceu e se assenta sua família, a paisagem, os bois, os bodes, as cabras, as secas, o canto dos pássaros. 

   Claro, cada qual no seu espaço e quando estava interpretando os personagens “Fantasma da Ópera”, Joana D’Arc ou o “Quasímodo”, De Vitor Hugo, com sua trupe em portas de teatros e praças de Paris travestia-se de europeu que o cenário assim o exigia, usava o francês em linguagem e adereços europeus. 

  Com tanto tempo que viveu na capital francesa – 12 anos - absorveu e incorporou muito da sua cultura e tornou-se um expert. Daí que seu voo mais ousado, até diante da crise que pipocou no mundo ocidental a partir dos Estados Unidos - conhecida como a ‘crise imobiliária de 2008 - foi de tornar-se empresário e organizar uma empresa que desse suporte a cadeirantes. Não apenas o empurrar a cadeira de um idoso ou deficiente, mas, dar-lhe vida, leva-lo a conhecer a cidade e sua cultura. 

   E toda essa longa trajetória nasceu lá em Chorrochó, quando tinha 12 anos de idade e teve a premonição de conhecer a Dinamarca após a visita a uma exposição de bodes em Uauá e pregações do missionário evangélico, Eudálio Lima, em Chorrochó. Zé Controle e sua mãe Ossanta Vitória, sertaneja de Rodelas, eram crentes numa terra com predominância de católicos.

    Uma longa história, enredo de fato de uma prosa romanesca, com passagem por Salvador onde se tornou vendedor de farinha na Feira de Água de Meninos com tenda armada na enseda da Cidade Baixa, próximo a Baía de Todos os Santos, onde passou a conviver com outro mundo. Mas foi na França, em Paris, que conheceu a régua e o compasso, a cultura, a civilização europeia misturada com árabes e africanos, amadureceu, viveu a sua verdade e se afirmou como Domingos Afonso Oliveira, o homem saído do sertão; e também com Alphonse Paris Sertão, um clone de si, uma cópia afrancesada para abrir portas.

     E administra sua trajetória na capital da França orgulhoso de sua fibra, sem pedir ajuda financeira ao pai - fazendeiro de posses - e o faz sem pieguismo, de maneira autêntica, e quem conhece pessoalmente Oleone sabe que tudo o que ele colocou no livro é real, dele, íntimo, nada algo que possa representar uma artificialidade para cativar leitores.

   A publicação é densa, detalhista, Oleone conheceu de perto a burocracia francesa e peregrinou pela Prefeitura de Paris na sede da “Mairie” que é a Câmara dos Vereadores, no Hôtel de Ville (correspondente a Prefeitura), Place de Grève, e dialogou e tertuliou com vários edis, inclusive com Anne Hidalgo, que, na época, era a vereadora encarregada do urbanismo e arquitetura e hoje é a presidente da Câmara, consequentemente, prefeita de Paris. Na época, o presidente da Câmara e prefeito de Paris era Bertrand Delanoé.

   Parece algo surreal um sertanejo enfrentar a burocracia engravatada francesa para conseguir aprovar um projeto idealizado por ele para limpar Paris das bostas de cachorros. Sigamos Oleone: “Redigi cauteloso embora entusiástico relatório. Dirigi-o ao presidente da Câmara, monsieur docteur Bertrand Delanoé com cópia para os 37 parlamentares municiais. Busquei ser objetivo e sucinto. Ainda assim consumi oito laudas de papel ofício, digitalizadas em computador. Dei ao informe o título de Operação Excremento – Opération Excrément () ...texto em francês que foi revisado pelo pastor presbiteriano, reverendo Alfred-Bernard Akoka”.

   Uma luta, uma “guerra”, uma aventura romanceada de um cavaleiro andante da Várzea da Ema do Chorrochó na pátria gaulesa com vitória em aprovação ainda que repleto de exigências para sua execução empresarial, o que estava distante da sua capacidade empresarial (na época, zero), porém, um legado que ficou para Paris. 

   Esse é apenas um exemplo da trajetória de Alphonse Sertão, em Paris, que foi do inferno ao céu, nos anos iniciais da sua jornada experimentou a bonança e o paraíso sustentando-se à larga com fatura, vinhos e queijos, namorando  “mademoiselles” em aconchegos camas e mesas; para retornar ao inferno com a penúria imposta pela crise e o veto da burocracia francesa que não permitia mais o uso de personagens de sua cultura em explorações em portas de teatro, até o último suspiro quando criou um trio nordestino e foi viver em albergue e gares de estações de trem.

Uma jornada épica bem escrita digna de um roteiro para cinema. Com a morte de Zé Controle, em 2012, Oleone retornou a Bahia onde reside e ama seu serão e a literatura e está sempre nos deliciando com alguma nova obra. 

“Sou tão forte na queda quanto osso duro de roer> Nasci de um espírito de consistência da madeira de lei. Considero-me um jequitibá que anda vagando pelo mundo”, é como se define.