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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA MESTIÇAGEM, IDENTIDADE E LIBERDADE, DE A. RISERIO

Antonio Risério expõe seus pontos de vistas sem medo dos patrulhamentos à esquerda e à direita
15/09/2023 às 09:02
  O antropólogo Antonio Risério é um polemista. Não é de hoje; nem de ontem que sua trajetória na literatura causa debates acalorados, críticas exacerbadas, desmesuradas até, com agressividades contra o escritor. E nesses tempos da internet em que a política dos extremos ganhou força e uma nova dimensão, onde ou você segue a cartilha de um (esquerda) ou do outro (direita) passa a ser considerado um ser anormal, ora comunista stalinista torturador comedor de crianças; ora fascista mussolinista, o livre pensar tornou-se uma prática que deveria ser extirpada do planeta.

Risério já disse em alto e audível som e em escritos de sua mordaz pena que vai seguir sua trilha saudável, sadia, sem se submeter a quaisquer congelamentos e postulados de cada extremo e lançou recentemente o livro "Mestiçagem, Identidade e Liberdade" (Editora TopBooks, Rio, 2023, capa e projeto gráfico Miriam Lerner - Equatorium Design, 365 páginas, R$80,00) uma obra bem fundamentada cutucando o cão com a vara curta, lançando flechas no olho do furacão, tratando esses temas com uma análise aprofundada e real de que o radicalismo e o politicamente que se diz correto quer destruir a mestiçagem, criar uma nova identidade forjada aos brasileiros e adulterar a liberdade.

Haja, pois, polêmica no que está escrito no contexto da obra. Observa-se, no conteúdo, que Risério não produz afirmativas aleatórias ou de alguém ressentido com isso ou aquilo e sim baseado em estudos e citações de autores renomados, de sua vivência como antropólogo e baiano de Salvador, a cidade mais mestiça do país, e é neste ponto que Risério bate forte nas teclas afirmando que o novo identitarismo, o neonegrismo, quer reduz essa situação que é sociológica e bem sedimenta, num binarismo negros x brancos, com uma ênfase esboçada no modelo norte-americano.

O que Risério prega em instância plena é o papel da mestiçagem na formação do povo brasileiro e uma defesa bem fundamentada contra a tentativa - em curso e com muitos atores engajados nessa estripulia, em especial, cita a Folha de São Paulo e a Rede Globo, entre outros - de falsificar a realidade social brasileira.

Cita Risério a historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco em "O Eu Soberano - Ensaios sobre as Derivas Identitárias": "Assim, longe de ser emancipador, o processo de redução identitarista reconstrói aquilo que pretende desfazer" e, acrescenta de sua pena: "E o mais grave de todo o paradoxo do "antiracismo racista". Tropeçamos hoje, todo santo dia, em falanges de militantes racistas que fazem contínua e obsessivamente intermináveis e lastimáveis pregações supostamente e só supostamente antirracistas".

 A toada é esta: Risério não alivia a pena e cita adiante Franz Fanon, autor de "Pele Preta, Máscaras Brancas": "Não vou fazer de mim mesmo o homem de qualquer passado. Minha pele preta não é um depósito para valores específicos. Não tenho coisas melhores a fazer nesse mundo do que vingar os pretos do século XVII? [...] Eu não sou escravo da escravidão que desumanizou meus ancestrais [...] Vejo-me no mundo e reconheço que tenho somente um direito: exigir um comportamento humano do outro".

  Para Risério: "É a turma contraditória que acha que ser antirracista é privilegiar a cor da pele, quando antirracista é quem não dá relevo algum a coloração epidérmica. Deveriam ouvir o Michael Jackson de "Black or White" cantando: "I´m not gonna spend my life being a color". O mulato Martin Luther King Jr., aliás, dizia que uma pessoa não deve ser julgada pela cor de sua pele, mas pela qualidade do seu caráter".

 A escrita de Risério é contundente e bem estruturada com citações de inúmeros autores em texto denso, sem capítulos definidos, o que exige dos leitores uma atenção especial na medida em que, embora a narrativa seja concectada dentro do que se propõe o autor, uma análise critica dos três enunciados em título a mestiçagem, a identidade e a liberdade, e sendo o Brasil um país onde se deu esse processo de trocas físico e culturais ao longo de séculos, os marcadores temporais são sempre alvissareiros para os leitores, facilitadores do entendimento.

Risério, no entanto, deixa seu pensamento fluir livremente e libera o verbo dentro de um encaminhamento lógico e pertinente. Diria, até intelectualizado demais para os leitores de entendimento médio. Faço essa observação, obviamente, sem desmerecer o que está escrito e quem quiser que também estude, se aprimore para poder acompanhar o que diz o autor e as observações que faz com base em autores internacionais estudiosos dessa matéria, sobretudo o tema identidade, que abraça e muitos campos da psicologia, e há bons textos de autores nacionais.

Riséroi também aborda o campo da política, quer do passado (as derrapagens de Fernando Henrique Cardoso e do IBGE); quer do presente, o Lulopetismo. "Com o PT assumindo o governo, em junho de 2003, as 'minorias' (hoje chamadas identitaristas) se instalaram aberta e ostensivamente na Esplanada dos Ministérios. Mudaram assim as relações dos movimentos sociais com o poder e com conjunto do mundo político partidário".

De acordo com a visão do autor: "Hoje, na verdade, temos um PT dividido entre a sua esquerda mofada de sempre e a triunfante esquerda identitarista 'pós-moderna' na performance da 'primeira dama' - além é claro de manter a sua aliança com o "centrão", vale dizer, a direita fisiológica e não abrir mão de sua longa tradição de clientelismo e corrupção (em menos de três meses do terceiro mandato de Lula, vemos a manutenção do 'orçamento secreto' instrumento de compra do Congresso Nacional, o que é um crime contra a democracia".

Portanto, prezados leitores, temos à venda nos portais de literatura um excelente livro sobre essa trilogia abordada por Risério - Mestiçagem, Identidade e Liberdade - com uma visão fora dos campos das teses congeladas à direita e à esquerda, obviamente sem ser 'centrão' ou algo fisiológico, e sim uma obra de um pensador e estudioso desses temas, desbancando desde a crença do racismo estrutural, povos originários, diversidade e ancestralidade e outras bobagens correntes à larga em boca dos amestrados; aos grilhões do pensamento direitista num país cuja identidade vem sendo forjada ao longo dos séculos, próprio, majoritariamente mestiça, e que não comporta imposições acadêmico-ideológica norte-americana nos campos analisados pelo autor entrelaçados com a política.