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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA ANALISA LIVRO DE EZRA POUND “ABC DA LITERATURA”

O "ABC da Literatura" tem sido usado como manual por muitos críticos literários e também sido estudado em círculos acadêmicos do ensino da arte de analisar a literatura
03/02/2023 às 18:55
    O poeta e crítico literário norte-americano Ezra Pound (1885/1972) pioneiro do movimento modernista conhecido como imagismo - maior simplicidade de expressão por meio do uso de imagens concisas, uma transição para o modernismo na literatura de língua inglesa - era rigoroso na análise e comentários de autores poetas em versos e/ou prosas da língua inglesa, em especial, mas também de obras em francês, italiano e alemão noutros campos como o da filosofia.

  Para Pound, o método adequado de estudar literatura é o dos biologistas: exame cuidado e direto da matéria, comparação de uma lâmina ou espécime com outra. Augusto de Campos - um dos seus tradutores - diz: "Este é o seu método ideogrâmico (crítica via comparação e tradução)... A estrutura ideogrâmica é uma das chaves do método crítico e da própria poesia de Pound centrado no postulado Dichten=Condensare (poesia condensada)"

   Vê-se, quão complexo é esse autor. O que vamos comentar não está relacionado com sua obra poética e sim sobre o livro-aula que nos legou intitulado "ABC da Literatura" (Editora Cultrix, 240 páginas, SP, organização e apresentação da edição brasileira de Augusto de Campos com tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes, 1ª edição 1970, 12º edição 2013, 2ª reimpressão 2020) onde expõe (ou ensina) sobre o método ideogrâmico, o que é literatura, qual a utilidade da linguagem; testes e exercícios de composição, Whitman, tratado de métrica, a estrofe, Homero, Safo, antologia clássica chinesa compilada por Confúcio e comentários sobre diversos autores desde Guillaume de Poictiers a Guido Cavalcanti; Dante Alighieri a Jules Laforgue.

   Na visão de Pound os escritores são classificados em inventores, mestres, diluidores, bons escritores sem qualidades salientes, belles lettres - não inventaram nada, mas se especializaram numa parte particular da arte de esvrever -, lançadores de moda. Para cada categoria dá uma explicação (não necessariamente que o leitor possa aceitar como válidas, mas bem pertinentes) e para a poesia classificou em três modalidades: Melopeia - com palavras impregnadas de uma propriedade musical (som, ritmo) que orienta o seu significado (Homero); Fanopeia - imagens sobre a imaginação visual (Li T'ai-Po e outros chineses com seus ideogramas); Logopeia - domínio das manifestações verbais (Proécio). 

  O poeta conceitua que as duas primeiras categorias de escritores - inventores e mestres - e a familiaridade com eles (homens que descobriram um novo processo; homens que combinaram certo número de processos tão bem ou melhor que os inventores) permitem avaliar quase qualquer livro à primeira vista. O crítico observa, ainda, que a criação é fundamental e deve estar presente em tudo na crítica pela discussão (formulações gerais), crítica via tradução (entendida como recriação); crítica pelo exercício do estilo de uma época; crítica via música; crítica via poesia. 

   O "ABC da Literatura" tem sido usado como manual por muitos críticos literários e também sido estudado em círculos acadêmicos do ensino da arte de analisar a literatura. Estabelece que os melhores críticos são aqueles que contribuem para melhorar a arte que criticam; que focalizam a atenção no melhor que se escreve; e a vermina pestilenta são aqueles que desviam a atenção dos melhores para a segunda classe ou para seus próprios escritos críticos. 

  Vamos agora a algumas observações de Pound no ABC: "Vocês não aceitariam cheques de um estrangeiro sem referências. A referência de um escritor é o seu 'nome". Depois de um certo tempo, ele passa a ter crédito. Ele pode ser sólido, ou pode ser como saudoso Sr. Kteuger".

  "O crítico que não tira suas próprias conclusões, a propósito das medições que ele mesmo fez, não é digno de confiança. Ele não é um medidor mas um repetidor de conclusões de outros homens".

  "Pisanello pintou cavalos de tal maneira que a gente se recorda da pintura e o Duque de Milão o enviou a Bolonha para comprar cavalos. Escapa à minha compreensão o motivo pelo qual uma espécie semelhante de 'faro equestre' não possa ser aplicada ao estudo da literatura. Bastava a Pisanello olhar para os cavalos. Se alguém quiser saber alguma coisa sobre poesia, deve fazer uma das duas coisas ou ambas. E, olhar para ela e escutá-la. E, quem sabe, até mesmo pensar sobre ela".

  Em nossa opinião - olha nós como crítica tendo que tirar conclusões próprias - Pound está correto quando diz que, só depois de algum tempo o escritor passa a ter crédito, e, de fato, sua obra pode ser duradoura ou não. Entendendo-se o duradouro espacial para os leitores. Geoffrey Chaucer - um dos poetas em prosa citado por ele - escreveu os "Contos da Cantuária" no século XIV e até os dias atuais o livro é bem vendido.
  Também concordo que a (o) crítica (o) deve tirar suas próprias conclusões de uma obra, porém sem impor seu pensamento como algo conclusivo. Deve opinar deixando espaço para que os leitores também possam tirar suas próprias conclusões.

  E quando a inusitada comparação dos cavalos de Pisanello com a poesia, o 'faro' é fundamental ao leitor e só se entende (quando se entende em várias maneiras) uma poesia quando se para escutá-la e a melhor maneira de fazer isso é repetir mentalmente uma estrofe até que ela seja absorvida, pensada ao seu modo. 

  Mais conceitos emitidos por Pound: "A literatura não existe num vácuo. Os escritores, como tais, têm uma função social definida, exatamente proporcional a competência como escritores... e os bons são aqueles que mantém a linguagem eficiente...o homem lúdico não pode permanecer quieto e resignado enquanto o seu país deixa que a literatura decaia...um povo que cresce habituado à má literatura é um povo que está em vias de perder o pulso do seu país e de si próprio".

  "Quando se trata de poesia, há uma porção de gente que nem mesmo sabe que o seu país não ocupa toda a superfície útil do planeta. A simples ideia disso parece um insulto a tais pessoas... a informação nova em Odisseia ainda é nova. Odisseu (Ulisses) ainda á 'muito humano'; não é de nenhum modo um presunçoso ou uma bela figura de tapeçaria". 

  Não posso e nem devo detalhar todas as lições - se é que podemos chamar assim - de Pound em seu ABC. Contextualizado o que escreveu esse poeta nascido no século XIX e que vive até a década de 1970 do século XX com grandes transformações nas sociedades do pós II Guerra Mundial percebemos que este abcedário é um livro atualíssimo e que contém ensinamentos valiosos, ótimo para reflexões sobretudo de quem, como eu, aprecia e a literatura e a comenta, ainda que sem o embasamento acadêmico de estudos mais aprofundados, porém, olhando as obras sob o ponto de vista dos leitores normais.