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Rosa de Lima

PARIS É UMA FESTA DE ERNEST HEMINGWAY, VEJA CRÍTICA DE ROSA DE LIMA

Hemingway faz um livro bem intimista, uma Paris dele e dos seus amigos, e não se envolveu com a cultura francesa nem seguiu nenhum escritor famoso dessa época na França
28/10/2022 às 08:39
   Confesso que sou fã de Ernest Hemingway escritor que adiciona aos seus textos muito de sua personalidade marcada por aventuras, coragem, destemor, uma efervescente vida amorosa, armas, safaris, um enredo digno de cinema como foram alguns dos seus livros e de si. Hemingway necessitava desse contexto para produzir suas obras indo com frequência as corridas de touros na Espanha e tornando-se amigo de famosos toureiros matadores, participando de safaris na África matando animais selvagens como se fossem troféus de guerra, servindo como motorista de ambulância na I Guerra Mundial, na Itália, e aventurando-se usando um submarino no mar do Golfo do México quando foi morar em Cuba na época da II Guerra Mundial, enfim, um multiaventureiro.

  Há, portanto, na produção literária de Hemingway textos para todos os gostos. Vamos, de inicial, porque voltaremos a falar dele em "Por que os Sinos Dobram", comentar o livro "Paris é uma Festa" (Editora Bertrand Brasil, 30ª Edição, tradução Ênio Silveira, RJ, 2021, 249 páginas, R$54,80 em portais internet) que aborda um período em que viveu na capital francesa após o fim da Primeira Guerra Mundial, 1918, depois de ter sido ferido na Itália, época classificada por Gertrude Stein, escritora norte-americana, como da "Geração Perdida", quando muitos americanos do Norte e outros europeus foram morar em Paris, que era considerada a cidade luz - no sentido de iluminada por novas ideias e artes plásticas - um paraíso cultural emergente no pós-Guerra.

  E foi exatamente em Paris que Hemingway decidiu ser escritor acumulando as funções de contista com a de correspondente de guerra para o jornal "Toronto Star" e iniciando a venda dos seus textos para jornais dos Estados Unidos e da Alemanha. Vida dura, difícil, apertada até para fazer as refeições, sem amigos, numa cidade que falava outra linha e tinha uma cultura diferenciada da sua.

  Em "Paris é uma Festa" o escritor narra em crônicas como conseguiu se firmar com a ajuda de Gertrude Stein, da sua esposa Hadley, de Sylvia Beach proprietária da livraria "Shakespeare Company" (livraria instalada em Paris que só tinha obras em inglês e lhe emprestava livros) e de escritores já famosos como Erza Pound, James Joyce, Ford Madox Ford, Scott Fitzgeral e John Quinn que o apoiaram, incentivaram e encaminharam alguns dos seus textos para os editores.

  Hemingway, era, no entanto, um obstinado, um disciplinado escritor e vai impondo aos poucos seu estilo literário mais solto, mais livre, sem ser influenciado diretamente por esse ou aquele autor, mas tendo a oportunidade de conhecer as obras da literatura mundial, dos russos aos ingleses e norte-americanos. Vence, sendo premiado como Nobel de Literatura, em 1954, prêmio que nem foi buscar.

  Em "Paris é uma Festa" o autor narra exatamente como morava na cidade, na Rue 74 Cardinal Lemoine, em Notre-Dame des Champs, as condições em que vivia e escrevia num pequeno apartamento sobre uma marcenaria, os cafés e bares que frequentava, os porres que tomava, a frequência que ia ao apartamento de Stein na Rue Fleurus 27, como tomou conhecimento de autores como Tolstói, Dostoievsk, Stendhal, todo cenário de um roteiro que vai de 1921 a 1926.

  O curioso é que Hemingway só começou a escrever este livro em 1957, quando já estava morando em Cuba e só concluiu em 1960, observando-se que na década de 1920 as anotações e os textos finais para edições em livros eram feitos na caneta tinteiro e em cadernos. Não saberia dizer se as narrativas contidas no livro "Paris é uma Festa", 20 crônicas e citações de ruas, cafés, encontros, tertúlias, aventuras, o autor teria anotado para depois transcrevê-las ou se fez de memória, uma vez que já tinha se passado 30 anos e ele andava com sinais de depressão, abusava de bebidas alcoólicas e veio a se matar com um tiro de espingarda em 1961.

  O certo é que Paris deu-lhe sensibilidade e cultura e o que relata, desde a crônica que abre o livro "Um bom café na Place Saint-Michel" até a última "Paris continua dentro de nós" o autor faz os mais diversos comentários sobre a cidade, o nascente bairro de Montparnasse e o café e restaurante Closerie des Lilas, seu predileto e o mais citado, seus amigos e confidentes Erza Pound, Ford Madox Ford, Scott Fitzgerald, a livraria Shakespeare and Company e seu anjo da guarda Sylvia Beach e sobretudo Gertrudes Stein, a escritora norte-americana que vivia com outra escritora Alice B. Toklas, e em sua casa o casal recebia com frequência escritores e artistas como Picasso, Matisse, Appolinaire e outros.

 Hemingway faz um livro bem intimista, uma Paris dele e dos seus amigos, e não se envolveu com a cultura francesa nem seguiu nenhum escritor famoso dessa época na França, nem muito menos frequentou algum salão literário. No livro deixa bem claro o amor que tinha à cidade, sua gente, seus bares, sua cultura, a culinária, a porta aberta para o mundo que era Paris, mas sem se envolver com os franceses das escolas literárias moldadas pelas academias e pela Sorbonne. 

 Hemingway gostava mesmo era de tomar um porre com seus amigos, conversar sobre literatura a partir de uma visão das edições nos Estados Unidos, embora não faça nenhuma referência explícita a isso. nem menospreze em nenhuma das crônicas a literatura que se fazia na França. Simplesmente não nada a menor importância e outros dos seus livros, os mais famosos, são ambientados na Espanha e nos mares entre os Estados Unidos e Cuba.

  Paris é uma festa é um documento precioso de uma época. Hemingway era correspondente de guerra e usava a linguagem jornalística, de fácil entendimento, sem floreios literários e citações de autores famosos. - Tomei outro longo trago. O garçom trouxe o que Ford lhe pedira, mas ele começou a reclamar: - Não era brandy e soda - disse ele, com ar de condescendência e severidade ao mesmo tempo. - Pedi um vermute Chambéry e Cassis. Eis um trecho da crônica "Ford Madox Ford (escritor) e o discípulo do diabo". 

  Seus textos são assim bem coloquiais. - Era uma tarde encantadora e eu tinha trabalhado intensamente o dia inteiro. Saí do apartamento que ficava por cima da serraria, cruzei o pátio onde havia madeira empilhada, fechei a porta, atravessei a rua, entrei pela porta dos fundos da padaria para o Boulevard Montparnasse e, envolvido pelo bom cheiro do pão que saia dos fornos, cheguei à mrua. É o que conta na crônica "Com Pascin no Dôme" e cita a conversa que teve com monsieur Lavigne, proprietário do Nègre de Toulouse" onde bebericava.

  "Paris é uma festa" fuli aos olhos dos leitores com essa leveza.