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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA GENERAL VILLAS BÔAS, CONVERSA COM O COMANDANTE

Um livro bem atual para se conhecer a história do Brasil mais recente
25/04/2021 às 20:04
   Sobre a Amazônia e as queimadas: "A grande imprensa tem parcela de responsabilidade. Em nosso principal veículo de comunicação, a Rede Globo, alguns setores são dominados pelo politicamente correto. Em consequência, expõem os assuntos sob um enfoque desconectado da verdade. Ao nosso jornalismo investigativo tem faltado vontade ou competência para desvendar o que move e sustenta todo esse grande esquema de amplitude mundial. Se o fizesse, descobriria formas contemporâneas de imperialismo, movidas pelo grande capital, corporações, organismo internacionais e as ONGs".

   Esta é uma das opiniões do general Villas Bôas, ex-comandante do Exército (5 de fevereiro de 2015 a 11 de janeiro de 2019), publicadas no livro "Conversa com o comandante", Celso Castro -Org (FGV Editora, 240 páginas, 2021, R$45,00 capa comum; kindle da Amazon leitura on-line R$35,00) livro que retrata a biografia do militar cujo período como líder maior do Eército, na conjuntura politica daquele momento no Brasil, foi um dos mais difíceis e intempestivos: o segundo governo Dilma Rousseff e seu impeachmente; a assunção de Michel Temer à presidência, a prisão do ex-presidente Lula da Silva e a eleição do presidente Bolsonaro, em 2018.

   Um período, portanto, de turbulências muito fortes e no qual o Exército se comportou de maneira estóica respeitando a Constituição e não se envolvendo nas questões políticas e jurídicas, sem uma quebra institucional. E o general Villas Boas, mesmo já sofrendo de ELA - Esclerose Lateral Amiotrófica - e numa cadeira de rodas a partir do governo Temer quando sentiu-se mal numa solenidade militar a ponto de não poder ficar em pé, soube conduzir as Forças Armadas (dizemos assim porque o Exército é a principal Força, a lider, ainda que Aeronáutia e Marinha tenham seus papéis relevantes) sem uma interferência no processo institucional. Tanto que o país seguiu adiante sem um golpe de estado ou sem revoltas nos armados.

   O livro é conduzido por um craque na matéria, o antropólogo e professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, Celso Castro, autor de vários livros sobre militares na história e na política brasileira, dentro os quais, "Os Militares e a República" (1995); "Exército e Nação" (2012); "Ernesto Geisel" (1999); em entrevistas realizadas com o general Villas Bôas, o qual mesmo já debilitado pela ELA mantinha seu cérebro lúcido. Hoje, o general não consegue mais falar com o avanço da doença, um mal ainda sem cura pela medicina.

   Em se tratando de uma biografia, oibviamente, conversa com o comandante aborda os primórdios da vida familiar do genera - filho de militar do Exército - de um estado (Rio Grande do Sul) de tradições nesse campo, sua passagem pela Aman onde aprendeu a dourtina básica do Exércio e sua andanças profissionais por Natal, Salvador, Amazônia, DF, RJ (foi instrutor da Aman) até se tornar general. Também é consensual que a parte mais interessante e polêmica dos depoimentos de Villas Bôas estão centralizadas nos períodos em que foi comandante geral do Eército e o Brasil viveu muitas turbulências, já citado acima, em especial, o impeachement de Dilma.

  O que mudou no governo Dilma? Palavras do general: "O temperamento da presidente não influenciava, porque muito pouco de nossos integrantes tinham contato pessoal com ela. Três outros fatores causaram o afastamento e o crescimento de um sentimento até de aversão ao partido (PT). Os cada vez mais evidentes indícios de corrupção, a evolução negativa da economia que nos levou a um quadro de recessão e os moldes sobre os quais trabalhou a Comissão da Verdade. A Comissão nos pegou de surpresa, despertando um sentimento de traição em relação ao governo. Foi uma facada nas costas, mesmo considerando que foi decorrência de antigos compromissos assumidos pela presidente Dilma".

   Sobre o impeachment, o general conta que o vice-presidente Temer interesse em falar com ele e houve um jantar Temer, o general Etchegoyen (chefe do Estado-Maior) e ele quando Temer perguntou: "General, qual será a atitude do Exército caso se efetive o afastamento de Dilma". Respondi-lhe que iriamos cumprir o que estabelece a Constituição. Depois de aprovado, ele me disse que a minha resposta havia sido muito importante.

   Sobre o tuíte feito pelo general na véspera do julgamento do habeas corpus do Lula quando se interpretou que o comandante do Exército tinha exposto uma "ameaça de intervenção militar" direcionada, sobretudo aos integrantes do STF que iriam julgar o caso. Segundo o general, a mensagem contida no tuíte só pode ser interpretada com propriedade dentro das condicionantes em que ocorreu. No texto, a palavra-chave é impunidade. O país, desde algum tempo, vive uma maturidadem institucional não suscetível a possíveis rupturas da normalidade. Ademais, em estaria sendo incoerente em relação ao pilar da 'legalidade'. Trata-se de um alerta, muito antes que uma ameaça. Não teceu críticas de qualquer natureza a nenhuma instituição e tampouco citou pessoas".

  Sobre a eleição do presidente Bolsonaro: "Bolsonaro deu ênfase ao politicamente correto, do qual a população estava cansada. A Globo, o reino do politicamente correto, foi o mais importante cabo eleitoral do presidente eleito". Diz mais: "Acredito que Bolsonaro era o candidato da preferência dos militares em geral. No primeiro turno, os votos podem ter-se diluido por alguns outros concorreentes. No segundo tuirno, contudo, prevaleceu o sentimento antipetista".

   O livro é emblemático e tem muito mais coisas a serem interpretadas nos depoimentos do general. Essa - importante esse adendo - é uma história de corpo presente porque o general (mesmo com ELA) ainda está vivo e todos os protagonistas dos episódios citados acima estão vivos e atuando na política - Temer, Dilma, Lula, Haddad, Ciro, Bolsonaro e alguns militares do estado maior do Exército. Ou seja, é uma história viva, ainda em andamento, daí a relevância do livro de Celso Castro.

   Vilas Bôas fala muito dos 3 pilares que sustentam a doutrina das Forças Armadas o que é um pensamento geral, institucional. Que, portanto, segue sem alterações apesar dos apelos que alguns 'patriotas' têm feito por uma intervenção militar no Brasil.