Política

ARTIGO: A Consciência Negra é feita por quem está na luta todo dia

"Precisamos estar vigilantes e sermos fiscalizadores de nossos políticos, das empresas onde consumimos, para que as ações pela conscientização negra ocorram todos os dias do ano"
Marta Rodrigues , da redação em Salvador | 05/12/2017 às 18:42
Marta Rodrigues
Foto: LB

Em novembro, mês em que se enalteceu a história de Dandara, Zumbi dos Palmares e o Dia da Consciência Negra, vimos uma série de homenagens ao povo negro e debates para discutir o racismo em nossa sociedade.

Foram seminários, filmes, feiras, shows, palestras e as mais variadas atividades culturais mostrando-nos a importância dos afrodescendentes para a construção e formação de nosso país. Ressaltou-se o quão cruel foi o processo escravocrata no Brasil, último país a abolir a escravidão na América. E embora ela tenha sido abolida teoricamente há 129 anos, continuamos com as marcas e as cicatrizes abertas em nossas peles negras.

Compreendo que as homenagens e atividades são importantes para dar visibilidade e conscientização. Mas à medida em que elas se restringem apenas a um período específico, nos colocamos diante das armadilhas de sempre e damos vez à propagação da hipocrisia mascarada de ativismo e militância política: empresas que, cotidianamente, impõem o racismo em suas dependências, aparecem com campanhas favoráveis à luta, ganhando novos consumidores e admiradores distraídos sem o costume de ser também fiscalizadores.

Políticos e personalidades, que em nenhum momento se aproximaram das dores sofridas pelo povo preto diariamente, e que no dia a dia contribuem com a manutenção do poder para poucos, resolvem aparecer com um texto pronto na ponta da língua sobre o racismo. Isto quando não aparecem com turbantes na cabeça, promovendo atividades, na maioria das vezes esvaziadas ou preenchidas pela própria claque política.

Estas pessoas acenam, sobem em tribunas para falar do quão cruel foi a escravidão, dizem se ‘compadecer’ com nossas dores, no entanto, passado o período de visibilidade, relegam aos porões do esquecimento o racismo e suas consequências na sociedade durante os outros 335 dias do ano.

Infelizmente, este é o retrato também de Salvador, tida como a Roma Negra, configurando como a capital do país com maior número de pretas e pretos. A atual gestão impôs uma série de impactos nas políticas públicas para o povo negro, com ações e projetos da prefeitura – desde a construção do PDDU – que não priorizam a questão racial na capi tal baiana.

São vários os exemplos: contratada pela atual prefeitura para elaborar uma pesquisa de sustentação ao Plano Diretor do Desenvolvimento Urbano (PDDU), a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) disponibilizou, entre 500 páginas do estudo, apenas um parágrafo tratando da questão racial na cidade. O resultado disso foi um PDDU que não incorporou raça/cor na territorialização de suas políticas públicas ou projetos.

Elaborado pela prefeitura e aprovado na Câmara pela bancada do prefeito, o projeto Revitalizar é uma tentativa de elitização do Centro Antigo para atender os turistas e o empresariado que não leva conta a vida e a rotina dos moradores e das moradoras. Não apresenta a criação de postos de saúde, escolas municipais ou serviços para a população. Com o Revitalizar, muito provável que essas pessoas, a maioria negra, percam suas moradas e seus trabalhos, migrando para a periferia.

Com o alto número de moradores de rua, a maioria homens negros, como mostrou a pesquisa “Cartografia dos Desejos e Direitos’, elaborada PELO Projeto Axé, a prefeitura de Salvador não tem em seu Plano Plurianual nenhum eixo específico para lidar com a questão. O estudo mostra que das 22.498 pessoas observadas, 17.515 são homens e 13.337 são negros. Mesmo diante desse quadro, a prefeitura disponibiliza aos moradores de rua apenas 600 vagas entre as 12 unidades de acolhimento que existem na cidade, que equivale a 5% de toda a população em situação de rua da capital.

Precisamos estar vigilantes e sermos fiscalizadores de nossos políticos, das empresas onde consumimos, para que as ações pela conscientização negra ocorram todos os dias do ano. Precisamos estar atentos para não dar ibope e votos àqueles que só falam da negrada no mês de novembro e depois desaparecem. Somente dessa forma, com fiscalização constante, teremos efetivadas as políticas públicas contra o racismo e pela reparação social. Nosso país tem a maioria negra, autodeclarada, conforme o IBGE, então a negritude e a conscientização devem pautar nossas vidas diariamente. E nessa construção, precisamos estar participando ativamente, ocupando os espaços para que essa discussão seja visibilizada e permanente. Nada sobre nós, sem nós!

Marta Rodrigues é vereadora pelo PT