Passavam das 16h nos arredores de Quito, no Equador, quando a presidente Dilma Rousseff falou com jornalistas brasileiros e estrangeiros, já em tom de desabafo.
"São sete horas da noite no Brasil e eu ainda não almocei", afirmou Dilma, referindo-se à diferença de três horas entre Quito e Brasília. Naquele momento, por causa dos seguidos atrasos na programação oficial, o almoço ainda não havia servido aos chefes de Estado presentes na reunião da Unasul (União das Nações Sul-americanas), realizada na capital equatoriana.
Logo em seguida, a presidente reclamou do frio. "Vocês também estão com frio? Estou aqui virada num pinguim. Vocês não?", questionou ela à imprensa.
Fome e frio, no entanto, cederam lugar a um tímido sorriso quando cinegrafistas pediram a Dilma que recolocasse o xale para filmá-la. "Deixa eu ficar mais bonitinha", brincou a presidente, de blusa de manga comprida verde-água e lenço estampado ao redor do pescoço.
Dilma estava em Quito para inaugurar a nova sede da Unasul em um local conhecido como 'Mitad del Mundo', a 14 quilômetros da capital equatoriana, por onde passaria a linha imaginária do Equador, que divide os hemisférios Norte e Sul. A presidente também participou de uma reunião do bloco, que, prevista para as 9h (12h de Brasília), começou atrasada.
Os atrasos começaram logo cedo durante a chegada dos chefes de Estado e produziram uma situação inusitada.
À espera dos colegas e sem ter o que fazer, os anfitriões Rafael Correa, presidente do Equador, e o secretário-geral da Presidência da Unasul, o ex-presidente da Colômbia Ernesto Samper, caminhavam de um lado para o outro na entrada da nova sede do bloco – um prédio de mais de 20 mil metros quadrados e arquitetura futurista, contornado pelos Andes ao fundo.
Atrasada, Dilma foi recebida por Correa, Samper e duas crianças empunhando bandeirinhas do Brasil. Ela parabenizou o colega equatoriano pelo prédio, batizado com o nome do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, que, além de dar nome ao edifício, foi homenageado com uma estátua dourada desproporcional à sua altura.
"Ficou muito bonito, parabéns", disse Dilma, que, logo em seguida, perguntou a Correa onde ficava o monumento que simbolizava a Linha do Equador. O equatoriano apontou o local do cartão-postal, ao lado do vulcão Pululahua, "inativo", explicou. "Um vulcão?", rebateu a presidente com ar de surpresa. Localizado no chamado Anel de Fogo do Pacífico, o Equador é um dos países com maior atividade vulcânica da América do Sul.
Dilma havia chegado a Quito na noite de quinta-feira, e chamou atenção por estar usando óculos escuros. "Óculos escuros de noite, presidente?", perguntou uma jornalista mais ousada. "É para esconder as olheiras após as cinco horas de voo", respondeu Dilma. Nos bastidores, porém, chegou-se a especular que a presidente estaria com conjuntivite ou mesmo teria se submetido a um mini-lifting nas pálpebras.
Conhecida no meio diplomático por seus longos atrasos, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, não escapou à sina e foi a última a chegar, a bordo de um sedan BMW. E novamente foi motivo de piadas por seu figurino, desde que abandonou por completo o visual enlutado após a morte do marido, Nestor Kirchner. O preto foi substituído pela cor pérola que se repetia no casaco, no sapato e também na bolsa.
Cristina emocionou-se várias vezes durante as homenagens ao marido, enquanto do lado de fora do salão onde era realizada a cerimônia, um grupo de argentinos gritava em uníssono: "Néstor vive!".
Uma das ausências mais sentidas foi a do presidente do Uruguai, José Mujica. Na véspera, ele havia sido o centro das atenções em Guayaquil, a cerca de 35 minutos de Quito. Por causa da altitude da capital equatoriana, no entanto, Mujica decidiu não participar da reunião da Unasul com os outros chefes de Estado. Segundo fontes diplomáticas, ele sofre de labirintite.
Em Guayaquil, onde foi enaltecido pela população local, Mujica foi condecorado por Correa, mas ficou poucos minutos com o colar dourado que recebeu pendurado no pescoço.
"Não sou um herói. Não fico deslumbrado com homenagens. Daqui sairei o mesmo velho que sou", afirmou Mujica, na quarta-feira.
A reunião da Unasul havia começado na quarta-feira em Guayaquil, onde o ex-presidente Lula fez um longo discurso sobre a integração da América do Sul e foi aplaudido de pé.
O encontro que reuniu chefes de Estado e ministros dos 12 países da América do Sul, além de embaixadores de outros continentes, tinha como objetivo "relançar" a união fundada em 2008.
Segundo Dilma, da reunião surgiram propostas de acordos mais objetivos e que podem virar realidade. A jornalistas brasileiros, a presidente afirmou que dos mais de 30 projetos de obras públicas, pelo menos sete vão sair do papel.
Em seu discurso, ela destacou como a queda nos preços internacionais das commodities afeta a América do Sul – que permanece essencialmente agroexportadora, mas falou pouco das questões internas brasileiras.
Na véspera, Dilma havia se limitado a dizer que estava "muito, muito satisfeita" com a aprovação do texto-base do projeto de lei que garante ao governo descontar do superávit primário (economia para pagar os juros da dívida) os gastos com as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e as perdas de receitas geradas a partir dos incentivos fiscais concedidos a diversos setores da economia, a chamada "manobra fiscal".
A reunião da Unasul terminou em uma tarde fria e nublada nos Andes com direito a "couvert musical": como de praxe, o presidente do Equador, Rafael Correa, acompanhado desta vez por Ernesto Samper, subiram ao palco para cantar, junto com intérpretes equatorianos e argentinos, a canção "Todas las voces, todas", praticamente um hino sul-americano.
O equatoriano concluía assim, em alto estilo, seu papel de anfitrião, após dois discursos. O primeiro durou dez minutos e o segundo, quase uma hora – o que também contribuiu para atrasar o almoço e deixar Dilma irritada.
O show de Correa, que arrematou o encontro dos líderes sul-americanos nos arredores de Quito, não é novidade, segundo contaram jornalistas do país. Em cada festa ou cerimônia, ele costuma soltar a voz – para desespero dos convidados.