A Assembleia Legislativa realizou ontem sessão especial em memória dos 30 anos de morte de Glauber Rocha, cineasta de Vitória da Conquista que fundou e foi o principal expoente do Cinema Novo. O evento foi proposto e presidido pelo deputado Álvaro Gomes (PC do B) e contou com a presença de representantes de diversos segmentos da cultura baiana, sendo muitos amigos do homenageado, como é o caso do jornalista João Carlos Teixeira Gomes (Joca), convidado a proferir a palestra "Glauber Vive".
O artista plástico Sante Scaldaferri, os cineastas Walter Lima, Tuna Espinheira e Roque Araújo, o crítico cinematográfico André Setaro, o representante da Academia de Letras da Bahia, Joaci Góes, o ex-procurador do Estado, Antonio Guerra Lima, entre outros, quase todos participantes de dois movimentos da juventude de Glauber: as Jogralescas Teatralizações Poéticas, da época de estudantes do Colégio Central da Bahia, ou, mais tarde, na década de 60, da Geração Mapa. Personalidades políticas como Jorge Medauar e Virgildásio Senna também estavam presentes. Muitos jovens no plenário pareciam estar ali para negar uma assertiva indignada de Joca a certa altura de seu discurso: "Glauber foi esquecido no Brasil!"
BIOGRAFIA
O evento começou e terminou com homenagens musicais, sendo aberto por Fábio Paes, que cantou duas canções; e Walter Queiroz, que cantou parte de uma música de sua autoria, com letra de Glauber "copidescada" por ele. Entre uma apresentação e outra, quatro pronunciamentos, sendo o primeiro de Álvaro, que fez um discurso bastante objetivo, mostrando a vida do cineasta, desde o nascimento, em 10 de março de 1939, até o velório no Parque Lage, cenário de Terra em Transe, terceiro longa-metragem de sua filmografia.
"Esta sessão é o reconhecimento do Legislativo por tudo que ele produziu pelo país, notadamente no campo da arte cinematográfica, mas sobretudo por ter sido um grande revolucionário", afirmou Álvaro. Ele disse acreditar que "a atualidade de Glauber seja inquebrantável". A verve criativa também foi lembrada, a exemplo da primeira peça de teatro escrita e interpretada por ele, El Hilito de Oro, com apenas 10 anos. Três anos mais tarde começa a fazer crítica de cinema na Rádio Sociedade da Bahia.
"Com o princípio de 'uma câmara na mão e uma ideia na cabeça', deu identidade ao cinema nacional", definiu, lembrando que Glauber "foi visto como guerreiro intelectual, através de seus 15 filmes". Álvaro citou várias produções premiações e o auto-exílio de cinco anos pela América Latina, iniciado em 1971. "Crítico, pensador e cineasta, sua obra foi reconhecida internacionalmente".
CORAÇÃO
O pronunciamento de Joca, por sua vez, deixou a objetividade ao largo e se constituiu em reminiscências e reflexões guiadas pelo discurso redigido em seis laudas. Logo no início de sua explanação, ele explicou que leria, para evitar sua "tendência baiana, barroca, glauberiana, ao transbordamento".
O jornalista enfatizou o grande amor de Glauber ao Brasil, às mulheres e ao cinema, "um intelectual inigualável, pelo relevante papel que desempenhou como realizador cinematográfico e estudioso da realidade brasileira". Autor de uma alentada biografia sobre o homenageado, sobretudo pela consciência do relevante papel de conhecedor do país, mas também"por ter tido o privilégio de uma intensa convivência pessoal com o cineasta". Para ele "a voz de Glauber é a de um brasileiro que amava como poucos sua terra e usou o dom do cinema e da escrita para entendê-la e interpretá-la".
Joca concordou com Álvaro que muito tem se escrito e falado sobre Glauber, mas lamenta que, "não raro, de maneira leviana ou inadequada, o fato de ter sido um criador temperamental inspira por vezes uma avaliação superficial dos seus dons e da sua conduta pessoal". Ele classificou o amigo de "revolucionário congênito", tendo feito sua primeira "revolução" aos 14 anos no Colégio Central. Para ele, o amigo foi por vezes vítima de patrulhamento ideológico no Brasil, enquanto era considerado o intelectual mais conhecido e prestigiado do terceiro mundo.
Por outro lado, Joca procurou afastar a imagem de personagem tresloucado, descrita em recente matérias de jornais do Rio e São Paulo sobre um livro a respeito dos primeiros anos de Glauber. Desta maneira, descreveu como responsável, meticuloso e articulado na condução de sua empresa cinematográfica. "No fim da vida, uma sucessão de contrariedades nos planos político, artístico e pessoal contribuiria para que seus críticos o apontassem como desequilibrado, quando apenas reagia contra situações emocionais desfavoráveis que apressaram a sua ruína física e o levaram à morte, com apenas 42 anos", lamentou.
AMIGO
"Na maior parte da sua vida, Glauber foi sempre um companheiro afetuoso e solidário", disse Joca, ao dar um enfoque mais pessoal ao ser pronunciamento. Segundo ele, mesmo no auge da fama como o mais completo intelectual do terceiro mundo, costuma telefonar aos amigos para saber de suas vidas, desde a atividade profissional aos relacionamentos. Era também "um entusiasta da vida familiar, esse homem que amou tantas mulheres", disse.
Embora Joca tenha dedicado quase metade do seu pronunciamento ao caráter humano e amigo de Glauber, Antônio Guerra Lima pediu a palavra para patentear justamente essa faceta. Ele lamentou já ter ido a muitas conferências sobre o cineasta que só tratam do lado intelectual e não do humano. Lembrou que foi pessoalmente alvo da solidariedade que ele dedicava aos amigos, quando viveu alguns meses na casa de dona Lúcia, mãe de Glauber, por estar passando dificuldades financeiras.
Roque Araújo foi na mesma direção e lembrou de exemplos menos dramáticos de ajuda ao próximo. Ao final, lamentou que hoje os jovens conheçam pouco sua obra e pediu que as escolas públicas deem acesso aos livros e filmes do cineasta.
Presidente do Legislativo extingue comissões técnicas
As comissões técnicas da Assembleia Legislativa foram extintas pelo presidente da Casa, deputado Marcelo Nilo, em decorrência das alterações partidárias geradas pela criação do Partido Social Democrata (PSD0, que deve chegar a 11 representantes. A mudança quantitativa no seio dos partidos altera proporcionalidade que determina a composição desses colegiados e, segundo a praxe, a dissolução é o passo inicial para a recomposição da proporcionalidade que é um imperativo regimental.
O impacto da criação do PSD será considerável pelo tamanho de sua representação que terá status de bancada, enquanto alguns partidos perderão essa condição como o DEM e o PMDB. A representação de outras legendas será reduzida, o que deverá levar os líderes a formar novos blocos partidários para obterem privilégios regimentais para a composição das comissões técnicas e mesmo para a distribuição do tempo nas sessões plenárias.
ALTERAÇÕES
Comunicaram formalmente a troca dos partidos por onde foram eleitos no pleito passado os deputados Adolfo Menezes, que deixou o PRP, os deputados Alan Sanches, Temóteo Alves de Brito e Ivana Bastos, ex-peemedebistas. Os deputados Carlos Ubaldino e Ângela Sousa deixaram o PSC, enquanto o Democratas também perdeu duas cadeiras que eram ocupadas pelos deputados Rogério Andrade e Gildásio Penedo, que deverá ser o líder do novo partido.
As mudanças ocorridas na composição partidária do Legislativo foram de tal monta que o PT do B, partido com duas cadeiras, ficou sem representação após a transferência para a nova legenda de suas deputadas Maria Luiza Laudano e Cláudia Oliveira que também oficializaram a mudança. Aguarda-se ainda a desfiliação do PSC da deputada Maria Luiza Carneiro que já anunciou publicamente a decisão de se filiar no PSD.
Esse partido proporcionalmente terá uma vaga em cada uma das comissões técnicas permanentes, pois com 11 integrantes terá a segunda maior bancada da Casa, perdendo apenas para a dos Partidos dos Trabalhadores com 14 integrantes. As comissões possuem oito membros titulares e cinco suplentes, sendo as presidências e vice-presidências decididas através de acordo entre as lideranças partidárias que deve levar em conta a proporcionalidade. A escolha dos presidentes e vice-presidentes, bem como dos responsáveis por subcomissões, ocorre através de eleições secretas no seio de cada colegiado após as suas instalações - o que só deve ocorrer na próxima semana.
Regimentalmente as lideranças partidárias possuem prazo para indicar os membros (titulares e suplentes) das comissões técnicas de três sessões ordinárias da Casa após a dissolução dos colegiados ser publicada no Diário Oficial. Porém, não existe qualquer previsão de sanção caso esse prazo não seja cumprido, o que demanda negociação dado às predileções de blocos partidários, legendas e dos deputados individualmente pelos objetos de ação de cada comissão. As dificuldades são maiores no início das legislaturas. Com os trabalhos já em andamento as recomposições ocorrem com maior facilidade, ainda assim sob o signo da negociação.