Economia

PONTE SALVADOR-ITAPARICA: FORA DO TEMPO E LUGAR, por WALDECK ORNÉLAS

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e
Municípios: gestão e planejamento.
Waldeck Ornelas , Salvador | 13/10/2025 às 16:19
Waldeck Ornélas
Foto: DIV
   A proposta de construção de uma ponte rodoviária por sobre a majestosa Baía de Todos os Santos (BTS), para interligar Salvador à Ilha de Itaparica, carece inteiramentem de sentido e reflete o mesmo conceito rodoviarista que, no passado, substituiu os vapores da Companhia de Navegação Baiana pelo sistema ferry-boat, para implantar uma única ligação ponto a ponto. Equivocadamente, segue agora o mesmo conceito.

   Buscando emular a ponte Rio-Niterói, 50 anos depois de sua inauguração, tem a agravante de não contar com uma cidade do porte de Niterói do outro lado da Baía. No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o fluxo pendular entre as duas cidades interligadas não encontra aqui qualquer paralelismo.

   E não se diga que a população da Ilha de Itaparica crescerá. Já não existe mais o fluxo da migração rural-urbana que marcou a segunda metade do século passado, afetando profundamente a cidade do Salvador. Na atualidade, estamos diante do esgotamento do crescimento populacional do país. No último período intercensitário, Salvador perdeu nada menos que 257 mil habitantes, uma tendência aqui acentuada, mas que se observa também em relação a outras metrópoles brasileiras.

   Também a falsa ilusão de que a população de mais alta renda da capital se deslocaria para a Ilha como local de veraneio não se sustenta, na medida em que esta camada populacional já se estabeleceu, predominantemente, em Praia do Forte, mas, de modo geral, por todo o Litoral Norte baiano. Tampouco a população em geral poderia ter essa opção, na medida em que o custo do pedágio não pode ser absorvido por seu nível de renda.

  A criação de um novo acesso a Salvador, orientado para as regiões Sul, Centro-Sul e Oeste tende, ao contrário do que se promete, a provocar um efeito centrípeto, pela elevada primazia e força gravitacional de Salvador, sugando a economia do entorno, ao invés de fortalecê-la. Vai, assim, no sentido contrário à necessária desconcentração e descentralização – leia-se interiorização – do desenvolvimento estadual, ainda hoje fortemente capitaneado pela cidade-capital e sua região metropolitana.

   Como se não bastasse, a ponte vai na contramão do conceito de sustentabilidade – uma demanda social dos tempos atuais – que todos dizem abraçar, mas que têm dificuldade em adotar.

   São, assim, inteiramente equivocados os pressupostos que embasam a proposta da ponte e o seu projeto, trazendo mais malefícios que benefícios para a Bahia. Como se vê, os argumentos a favor da ponte são de uma ingenuidade sem igual.

   Por seu teor rodoviarista, a proposta da ponte vê a BTS apenas e tão somente como um obstáculo a ser vencido, ao invés de um patrimônio natural a ser valorizado em suas potencialidades econômicas e sociais.
Enquanto isto, a Baía continua sem um sistema de transporte aquaviário de passageiros, serviço capaz de trazer de volta o dinamismo perdido pelas 17 cidades do Recôncavo que a envolvem. Do mesmo modo, a ponte inibirá a formação de um complexo portuário pujante, que seja capaz de trazer oportunidades de trabalho e renda para os habitantes do seu entorno, mas, sobretudo, de proporcionar um novo salto de desenvolvimento para a economia baiana.

   A BTS precisa passar a ser vista, isto sim, como uma unidade de planejamento, buscando-se traçar os caminhos da integração e do desenvolvimento de toda sua área e entorno, o que inclui o turismo e os esportes náuticos. 

   A concepção de uma ponte sobre a BTS está claramente defasada no tempo. Ademais, a insustentabilidade econômica leva a um projeto acanhado, com duas faixas de tráfego em cada sentido, conversíveis para três – quando houver demanda – e só. Se e quando, no longo prazo, houver necessidade, a ponte estará obsoleta, sem comportar transporte de massa para passageiros, ou um sistema sobre trilhos, para cargas e
passageiros. Não servirá ao futuro, mas permanecerá para sempre, como um trambolho sobre a Baía, maculando-a.

   Chega a ser ridícula, se não fosse trágica, a decisão de reduzir a altura e a largura do vão central – pasme-se – para reduzir os custos de investimento! Uma insensatez imperdoável.

   São inquestionáveis os seus impactos urbanos, tanto em Salvador quanto na Ilha. Na capital, invade o Centro Histórico; na Ilha, cria uma via expressa sobre área sensível, espaço que sequer a ocupação irregular do solo ousou invadir. Sobretudo, não resolve a circulação das pessoas, dedicando-se exclusivamente aos automóveis, seu principal e único foco. Ainda assim, será invadida pelo transporte de carga, especialmente o de contêineres e grãos que, para chegar aos portos, atravancará a própria ponte e as vias
arteriais da capital do Estado.

   Enquanto isto, compromete definitivamente o funcionamento e a expansão do Porto de Salvador, tendo a ponte que se contorcer para preservar a bacia de evolução dos navios que aí aportam.

   Em um estado que enfrenta, no momento, uma grave crise econômica decorrente do seu isolamento logístico, a ponte inverte as prioridades e compromete o potencial subexplorado da BTS, uma dádiva da natureza que, com suas condições meteorológicas, águas tranquilas e profundas, se oferece como o melhor porto natural do Atlântico Sul.