Colunistas / A Boa Mesa
Dom Franquito

FESTA da Conceição anuncia temporada frutas do verão

Mas ainda hoje a rampa do Mercado Modelo, em frente à igreja da Conceição, na Cidade Baixa, fica toda bonita com essa riqueza de cores e sabores.
09/12/2013 às 11:17
No documentário Tempo Rei, em que fala das suas raízes e ligações existenciais com o sertão, Gilberto Gil diz que o sertão é assim como o umbu: é azedo; mas quando é doce, é muito doce. Assim como é em Uauá, que dribla a seca na Bahia e todo ano colhe o umbu mais doce que já se viu. 

Tempos depois, um dia perguntaram ao mestre Gil: se o sertão tem gosto de umbu, qual é, então, o sabor de Salvador. Ele não titubeou: cajá. No verão, pode-se saborear esse fruto amarelo, quando está maduro, com seu doce natural marcante. Ainda são muitos os quintais e as chácaras que mantêm de pé suas cajazeiras, que até emprestam o nome a um grande bairro da cidade. 

A festa de N. S. da Conceição da Praia, em 8 de dezembro, anuncia que está chegando o verão, a estação das frutas tropicais. 

Antigamente, entre os anos 1950 e 1970, além do samba de roda e das barracas de comidas e bebidas típicas, os vendedores de frutas eram traço culturalmente relevante das festas de largo, como registram a literatura de Jorge Amado e as obras de artistas plásticos como Carybé. O povo dançava, cantava, bebia e comia, inclusive muita fruta in natura, que era farta e barata. 

Mas ainda hoje a rampa do Mercado Modelo, em frente à igreja da Conceição, na Cidade Baixa, fica toda bonita com essa riqueza de cores e sabores. Seja na rampa, nas feiras livres, nos mercados populares ou nos tabuleiros de frutas espalhados pela cidade sempre tem umbu, cajá, e umbu-cajá com seu gosto travoso, como diz Alceu Valença; há todo tipo de manga, mamão, melão e melancia; não faltam caju, carambola e mangaba, abacaxi, goiaba e pitanga. 

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Os nutricionistas recomendam que se comam várias porções de fruta por dia, in natura. Melhor do que tomar suco, que exige mais porções e assim você consome mais açúcar do que deve. Jeffinho tenta seguir a orientação, mas tem suas preferências e receitas. 

Começa pelas chamadas batidas, servidas geladas. Podem ser feitas com qualquer fruta e todo mundo tem sua fórmula sigilosa. Mas, basicamente, é o sumo da fruta, batida e coada, misturado com cachaça e açúcar. Cada batida, em geral, tem a cor da popa da fruta. Tem ainda as caipirinhas (limão ou outra fruta, amassada com gelo e açúcar) e as caipiroscas, em que a cachaça é substituída pela vodca.

Suco bem gelado de cajá, sorvete de cajá, picolé de cajá - mais delicioso não há. Umbu é na umbuzada, forte e nutritiva, bem gelada (sumo da fruta madura, cozido e batido com leite de vaca e açúcar). Jeffinho adora é chupar o umbu entre goles de uma boa cachaça, com tira-gosto de bode assado na brasa. Isso deixa a alma da gente em paz. 

Cachaça também vai muito bem com caju (de preferência o vermelho; o amarelo é mais travoso), fruta belíssima que tem a cara das praias de Salvador. Há quem injete cachaça na fruta, ainda no pé, colhendo-a em seguida (antes de consumir, o caju injetado passa por um breve estágio na geladeira). Jeffinho gosta à moda mexicana: uma dose de pinga, uma rodela de caju com sal, e assim sucessivamente, com longas pausas entre uma rodada e outra. De tira-gosto, o que vier, morre. 

Abacaxi é digestivo, sobremesa ideal principalmente depois de pratos gordurosos como moqueca, sarapatel e feijoada, por exemplo. Aliás, não há fruta que harmonize melhor com um poderoso prato de feijão com farinha do que a banana. Ela é adstringente, elimina imediatamente o gosto de gordura da boca. 
Também há quem goste do abacaxi untado em canela e levado ligeiramente ao fogo de brasa. Nas churrascarias, por exemplo, o abacaxi com canela pode acompanhar vários tipos de carne, ou ser consumido sozinho, como sobremesa. 

Não há nada que se compare a um geladíssimo suco de pitanga, logo de manhã, quando o cristão acorda com gosto de guarda-chuva velho na boca, depois de uma noite de farra. Refresca e revitaliza, garante Jeffinho, que sempre se abastecia nas pitangueiras do quintal da vovó. 

A vovó de Jeffinho, maga da feijoada e do malassado de carne de boi, também fazia mágica com as frutas. Além dos licores artesanais, eram da sua lavra preferencial as compotas em calda (abacaxi, goiaba, limão e umbu) e os finos doces secos ao sol e untados em açúcar refinado. 

Os doces de frutas secas, especialmente os de banana, caju e carambola, são verdadeiras preciosidades, sempre presentes à ceia de Natal; uma tradição da culinária baiana que ainda se preserva, sobretudo no interior.