Direito

MINISTÉRIO PÚBLICO DIZ QUE HÁ DESCASO TOTAL COM CRIANÇAS DE RUA EM SSA

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| 20/11/2008 às 22:36

P., 15 anos, mãe falecida, pai desaparecido... Há um ano, ele se droga todas as noites. Quando amanhece, procura abrigo na unidade do Projeto Axé e lá descansa até encontrar forças para voltar às ruas e cometer pequenos furtos para abastecer o vício.

M., mais uma adolescente usuária de crack que "mora" nas ruas de Salvador, mas que, grávida de sete meses, pede socorro para se livrar do vício e da ameaça de morte dos traficantes.

Os dois, desassistidos e desacreditados, com ou sem "vontade" de se livrar das drogas, mas com uma certeza: são invisíveis para o Poder Público. A constatação é da promotora de Justiça da Infância Marly Barreto, que lamenta, mas afirma que esses meninos só serão "vistos" quando cometerem um "crime grave com requinte de crueldade", porque, aí sim, o Poder Público voltará seu olhar para eles e os punirá.


CAMINHOS

É justamente na contramão deste triste fim que o Ministério Público do Estado da Bahia caminha há três anos. Desde 2005, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância (Caopjij) - procuradora de Justiça Lícia Oliveira - , juntamente com promotoras de Justiça da Infância, tenta fazer com que o Estado e o Município se comprometam e concretizem a criação de um abrigo para adolescentes de 15 a 17 anos que se encontrem em situação de risco e de uma clínica de tratamento para os que já se tornaram dependentes de substâncias psico-ativas.


A omissão do Poder Público para com esses meninos já motivou o MP, inclusive, a ajuizar uma ação civil pública contra o Município que, infelizmente, recorreu da sentença deferida pelo juiz e, até hoje, inviabiliza a solução do problema.

A afirmação foi feita pela coordenadora do Caopjij hoje (20) em reunião realizada no MP com representantes das secretarias de Saúde do Estado e Município, de grupos formados por essas próprias secretarias, da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado e com as promotoras Edna Sara Cerqueira, Maria Eugênia Abreu e Marly Barreto. Na oportunidade, Lícia Oliveira lamentou que, durante esses três anos de muitas reuniões, as propostas apresentadas e discutidas não tenham sido efetivadas. Não houve avanço, afirmou ela, frisando que, a cada dia que passa, mais crianças estão desamparadas na ruas.

O próprio Estado, lembrou a procuradora, comprometeu-se, em agosto de 2007, a implantar um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), com proposta de internação para os jovens, mas até agora nada fez. "É uma pena que a proposta tenha sido apresentada e que, apesar de disseminarem que o projeto já estava sendo viabilizado, nada exista", falou Lícia, acrescentando que "o Poder Público é o primeiro violador dos direitos das crianças e adolescentes".

Preocupado com a situação, o procurador-geral de Justiça Lidivaldo Britto lembrou, durante a reunião, que, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estar completando 18 anos, nós não temos políticas públicas previstas nele sendo adotadas pelo Poder Público. Para o PGJ, isso implica diretamente no aumento da violência, da evasão escolar e de tantas outras situações críticas.
 
O aumento do número de crianças nas ruas, muitas delas usando drogas, tem, segundo Lidivaldo, afligido muito o MP. A Instituição, disse ele, tem trabalhado e feito a sua parte, mas é difícil atuar "se não há uma rede de proteção que garanta assistência a essas crianças". "Não é de hoje que o MP chama a atenção do Poder Público, e não é possível que esse poder tenha dinheiro para investir em outras questões, mas quando se fala em política pública voltada para a infância e juventude existam tantos empecilhos", ressaltou Lidivaldo, comprometendo-se em convidar os chefes dos poderes Executivo Estadual e Municipal e o secretário de Desenvolvimento Social para lhes apresentar um projeto que viabilize a implantação do abrigo e da clínica, na tentativa de sensibilizá-los para promover a concretização do projeto.


Segundo a promotora Marly Barreto, hoje há um grande número de meninos e meninas que consomem crack "desenfreadamente" nas ruas de Salvador. A situação se agrava, porque falta, segundo ela, vontade política. O Município, acrescentou a promotora de Justiça Maria Eugênia Abreu, tem a obrigação de executar políticas públicas e o Estado de co-financiar.

O que acontece aqui, lamentou ela, é que não há sensibilização nenhuma por parte dos gestores públicos. Aqui em Salvador, infelizmente, crianças e adolescentes não são prioridade, completou Lícia Oliveira, recebendo apoio da assistente social Daniele Cardelle, que afirmou que, diariamente, o MP se vê impedido de ajudar crianças e adolescentes que chegam pedindo socorro. Inconformada com o desassistência à infância e juventude, e reforçando que é preciso haver vontade política, a promotora Marly Barreto questionou: Quantos mais vamos esperar morrer para ver o Poder Público agir?