Paulo é um exemplo dos milhares de informais que vivem da Avenida Sete
Tasso Franco , Salvador |
12/12/2024 às 09:42
Paulo, com tenda no cantinho do IGHB
Foto: BJÁ
Tenho comentado, eventualmente, que a profissão de jornalista é um sacerdócio. O comparativo – creio – seja antigo e não fui eu que estabeleci. Apenas reforço essa tese, pois, exerço essa profissão há quase 60 anos e sinto a sua aspereza, o remar contra marés adversas, a incompreensão, enfim, o enfrentamento em luta diária. Não conheço jornalistas rico, afortunados por assim dizer. Somos uma classe média que vai vivendo.
Também não estamos aqui para nos queixar de nada. Faz parte da vida, do processo. O mundo não poderia ser constituído apenas de juízes e desembargadores, nem somente de médicos e advogados, os quais, são, em maioria, os afortunados da sociedade. Sem contar, claro, com as autoridades governamentais nos três níveis e os políticos que vivem noutro mundo e estão pouco se lixando para os mortais.
Cito isso como exemplo e não como desabafo. Até porque, desabafar, protestar, denunciar e outros verbos, que são as marcas dos jornalistas não adiante muita coisa ou nada. A sociedade brasileira chegou a tal ponto que os poderosos desconsideram quaisquer erros e tocam o barco como eles querem: atropelam as leis e governam ao sabor de suas vontades, perdoam os corruptos, prendem, soltam, aumentam impostos e assim por diante.
Ao escrever sobre a “Alma da Avenida Sete” verificamos com mais detalhes o distanciamento que há entre o povo e ‘nosotros’ – a classe média - e as autoridades. E ficamos admirados como é possível sobreviver praticando algumas profissões que nem nomes específicos têm e esses profissionais são chamados de “vendedores”, “ambulantes” e/ou “camelôs” e há prestadores de serviços tais como relojoeiros, medidoras de pressão arterial, amoladores de alicates, engraxates de sapatos, doceiros, técnicos em consertos de celulares e óculos, panfletistas, locutores, manicures, cabelereiros e outros.
Vou dar um exemplo de algo que parece até surreal: tem um cidadão que vende mapas. Creio que seja a atividades mais difícil que existe na face da terra. Vender comidas na avenida, vá lá. As pessoas que transitam e passam parte do dia na Sete, em compras ou lazer, sentem fome e compram uma “quentinha” a R$8,00 ou um acarajé a R$4,00 e “matam a fome”, como se diz no popular. Mapa, no entanto, não ameniza a fome, não é um sapato ou uma bermuda que servem para acomodar os pés e vestimenta esportiva; não é uma cestinha de morangos nem um sutiã.
Ultimamente apareceu um camarada vendendo leques a R$25,00 (o grande) e R$10,00 (o pequeno) com a marca do arco íris (LGBT) e outros modelos e com esse calor da capital baiana, justifica-se. Há uma senhora que, há anos, tira pressão arterial das pessoas na Piedade. Também se justifica. E há, ao lado das Paulinas livraria o vendedor de alféles e bombons artesanais de mel. Eu mesmo, adoro-os e sou cliente. E há “tio” – assim o chama – que tem a barraca mais sortida de miudezas que existe na Sete, de cadarços a rodas de carros de mão. Agora, vender mapas é, realmente, a mais difícil das atividades.
Outro dia perguntei ao vendedor como ele conseguiria sobreviver vendendo os tais mapas do Brasil. Ele me disse que era difícil, mas vendia. O vendedor tem uma deficiência nos pés e destacou que é uma pequena fonte de renda suplementar a sua aposentadoria de 1 SM ao mês. – Duro, né? -arguiu. – É, respondeu.
Os ambulantes, de uma forma geral, não gostam de conversar sobre suas vidas pessoais. Quando digo que sou escritor e estou fazendo um livro sobre a Avenida Sete, não sensibilizo. Uns se fecham mais ainda e outros respondem monossilabicamente. Eu já me acostumei com isso. Uma das técnicas que uso é comprar alguma coisa: uma boina, um cadarço, um molho de ervas, bombons, aí a conversa flui um pouco mais.
Falemos, então, de outro personagem da avenida que atua como prestador de serviços há 40 anos – inicialmente no Relógio de São Pedro (1984/2014) e num cantinho da lateral do prédio do Instituto Geográfico e Histórico (2014/2024) o amolador de alicates Paulo Barbosa, 59 anos, casado, um filho adulto que trabalha como motorista da Prefeitura de Salvador, de uma família de amoladores que atua na avenida e seu entorno (a Nova de São Bento).
Como os demais prestadores de serviços da avenida, Paulo chega cedo (8 horas) e vai para casa por volta das 18hs às 19hs. – Não adianta chegar muito cedo porque tudo aqui gira em torno do comércio, da abertura das lojas e da montagem das tendas dos camelôs e isso só se efetiva com mais intensidade a partir das 9hs, comenta.
Paulo diz que sua arte é compensatória. Vive disso e criou a família amolando alicates, tesouras, facas, o que o cliente traz. O carro chefe são os alicates para unhas usadas pelas manicures, serviço que custa R$10,00 a unidade. Confessa, no entanto, que não deseja que seu filho seja amolador e que ele siga como motorista da Prefeitura, que tem seguridade e um futuro melhor.
Essa é uma questão que atormenta a todos os profissionais informais: o futuro, a velhice. Sem planos de saúde e sem pagar um boleto de aposentadoria complementar ou mesmo a do INSS, dependem, essencialmente, do sistema SUS e das bolsas do governo. Os guardas chuvas dos três governos – municipal, estadual e federal – os protegem.
Paulo diz que não pensa nisso agora ainda que o preocupe. – Nosso negócio é a sobrevivência do dia a dia, o que ganhar hoje, o que ganhar amanhã, conseguir auferir no mês, pagar as contas da água, da luz, da comida e se manter vivo.
Destaca que na avenida, entre os informais, os prestadores de serviços e os ambulantes (camelôs) ninguém sabe quanto cada um ganha, nem dá para especular porque depende do dia, da época do ano, do sol, da chuva, de uma série de fatores que independe deles. – Quando chove muito por exemplo pocas pessoas circulam na avenida e quando o tempo é bom e época de festas, do São João, Semana Santa, semana do Natal, aparece muito mais gente e ganha-se mais.
Assim é a sobrevida dos informais na Avenida Sete com suas peculiaridades e seus espaços: nas áreas de praia não amoladores de alicates; e nas áreas do comércio não há escolas e professores de mergulho.