Cultura

LOBISOMEM DE SERRINHA É PAQUERADO NUM FADO DE LISBOA E CAUSA (TF)

Esse Lubi de Serrinha anda por vários lugares deste mundo de meu Deus
Tasso Franco , Lisboa | 26/01/2022 às 10:00
Lubi deixa a casa de fado na Alfama, assim como chegou, no anonimato
Foto: OG
      O que parecia um vulto, uma assombração, algo do outro mundo na noite fria do inverno na cidade de Lisboa se materializou numa casa de fado. Educadamente, o Lobisomem de Serrinha tomou assento num canto da Taberna Del Imperador, no bairro da Alfama, e solicitou pastéis de bacalhau, azeitonas verdes e uma garrafa de vinho do Alentejo.

  O jovem que o atendeu interpretou-o como igual aos outros clientes da casa, porém, algo enigmático. A senhora Môjô interpretava uma canção com ombros e cabeça cobertos com um véu negro, cabelos brancos bem penteados e presos a um grampo com imensas argolas a brilhar em suas orelhas. O atendente, pisando em cristais para não atrapalhar a performance da fadista, a luz frapée no ambiente, disse que após o término da música traria o pedido. 

  O Lubi consetiu com o aceno da cabeça, o olhar fixo nos músicos sobretudo no dedilhar dos trinados da guitarra portuguesa executada por João Paulo e na interpretação apaixonada da exuberante fadista.

  Vivas, aplausos, acabou a interpretação inicial e os músicos - como acontece nas casas de fado - foram para o descanso, as luzes do salão principal acenderam e os garçons se moviam com mais destreza. O Lubi suspendeu um pouco a gola do sobretudo para não causar arrepios a quem o olhasse com mais atenção. E, creio eu, despertou a graça de uma portugesa esguia de cabelos negros que desgustava um tinto num grupo com duas outras amigas e suspendeu a taça em sua direção, quiçá, convidando-o à sua mesa.

  O Lubi Não deu atenção aos seus olhares como, aliás, a distinta senhora merecia, uma lady belíssima, e fixou-se no serviço que o gaçom lhe oferecia, o vinho do Alentejo, um Mancura Grande Cru jovem e as azeitonas. Disse o jovem em som audível e não mais em sussurros - visto que a música havia parado - que os pastéis de bacalhau estavam a ser fritos e em instantes estariam ao seu prazer. O Lubi meneou mais uma vez a cabeça e experimentou o vinho aprovando-o. 

  Ficou a tamborilar os dedos mansamente na mesa enquanto a assanhada portuguesa não desgrudava os olhares para sua pessoa, aguardando os bolinhos de bacalhau que, em Lisboa, tem o sugestivo nome de pastéis, observando o andar dos garçons entre as mesas e a decoração da casa com motivos de uma caravela portugesa que singrara o Atlântico na época de dom Manuel, o Venturoso, no século XVI. E, pensava consigo, com seus botões: - Quanta história nesta terra de Luis de Camõess, Alexandre Herculano e Eça de Queiroz só para citar três dos autores que aprecia. 

  A fadista retornou ao palco. A guitarra portuguesa ao ser dedilhada por JP era de arrepiar e a guitarra clássica executada por Aloisinho assegurava os baixos muito entrosados. Mojô passou a executar a canção que o Lubi muito apreciava da Amália Rodrigues, Fado Portugues: - O Fado nasceu um dia/Quando o vento mal bulia/E o céu o mar prolongava/Na amurada dum veleiro/No peito dum marinheiro/Que, estando triste, cantava/Que, estando triste, cantava.

  O Lubi sentiu uma emoção muito grande e já saboreando os pastéis com goles do Mancura quase ia às lágrimas. Ao levantar os olhos e aplaudir a fadista no término desta canção, a portuguesa saliente pôs-se de pé também a aplaudir a fadista e, na conclusão, olhando na direção do Serrinha mandou-lhe um beijo lançando-o com  a palma da mão. Não fosse o distinto recatado como é teria ido ao seu encontro e devolvido o beijo na lisboeta, imagino em sua face, porém, apenas balançou a cabeça num agradecimento discreto como se estivesse a consentir e retribuir.

  Que noite belíssima estava o Lubi participando. O Mancura descia bem, os bolinhos de bacalhau estavam crocantes e para complementar a noite solicitou um bacalhau a lagareiro bem passado como gosta. Admitia - também com seus botões - não ser um man de desprezar uma lady tão simpática, mas, em respeito a sua Ester Loura que ficara na Bahia, cuidando das finanças e negócios da família, não daria corda a portuguesa por mais bela que fosse, até porque, num comparativo com a Ester era pouca coisa. Estava acostumado com a sua Sofia Loren e isso lhe bastava fiel que era, eternamente. 

  No terceiro intervalo da noite o garçom que se chamava Bruno trouxe-lhe o lagareiro e o Lubi foi fatiando com carinho as lascas do bacalhau e levando-as à boca. Saboroso estava, mas, também não tão delicoso com o que a Ester prepara em sua toca.

  Músicos postos para um grande finale, três fadistas no salão, a Mojô, a Cândida e o Almeida, inicia-se a execução de uma das canções mais populares da Amália, A Casa Portuguesa. Inicou a Mojô: Numa casa portuguesa fica bem/Pão e vinho sobre a mesa/E se à porta humildemente bate alguém/Senta-se à mesa com a gente/Fica bem essa fraqueza fica bem/Que o povo nunca a desmente/A alegria da pobreza/Está nesta grande riqueza/De dar e ficar contente.

  Seguio-a Cândida: Quatro paredes caiadas/Um cheirinho à alecrim/Um cacho de uvas doiradas/Duas rosas num jardim/Um São José de azulejoMais o sol da primavera.

  E o Almeida acrescentou: Uma promessa de beijos/Dois braços à minha espera/É uma casa portuguesa com certeza/É com certeza uma casa portuguesa.

  Nesse momento foram tantos beijos lançados com a palma da mão pela portuguesa em direção ao Lubi que o elegante senhor sorriu, retribuiu dois deles, os mais eufóricos, pediu a conta e partiu.

  A portuguesa ainda o perseguiu até a porta da taberna chamando-o de belo, lindo, gostoso, porém, tal como apareceu, o Lubi desceu a rua dos Remédios, passou em frente da igreja de Nossa Senhora dos Remédios dos Pescadores da Alfama onde estava sendo velado um defundo, benzeu-se, chegou ao Campo das Cebolas e esticou suas pernas de ema - tal a neta - em passos largos sumindo na ribeira do Tejo.